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A operação limpeza do judiciário

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ISTOÉ Independente

Obras faraônicas com banheiros de 800 metros quadrados e salas de massagem fazem corregedor afirmar que nunca pensou que existisse tanta "malandragem e corrupção na Justiça"

$ 409 milhões na sede do STJ
O custo da construção do prédio, em Brasília, projetado por Oscar Niemeyer tornou-se símbolo dos excessos do Poder Judiciário (foto acima)

A sede do Superior Tribunal de Justiça em Brasília entrou para a história da cidade como símbolo de obra faraônica. A preços de hoje, custou R$ 409 milhões. Mas há quem queira superar esse recorde. Uma cratera gigante no centro da capital tornou-se grande preocupação para a cúpula do Judiciário. Trata-se da nova sede do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), orçada em R$ 477 milhões. Cada um dos nove andares do prédio terá banheiros coletivos para homens e mulheres com 800 metros quadrados. Pelo projeto,todos os banheiros terão boxes para massagem com 60 metros quadrados. As lojas ocuparão 200 metros quadrados e o bicicletário, 100 metros. Diante de tamanho descalabro, o Conselho Nacional de Justiça embargou a obra, em maio, até que o presidente do TRF1, Jirair Migueriam, apresente um projeto mais econômico. Mas já foram gastos R$ 41,5 milhões na cratera, na base subterrânea, com superfaturamento pago de R$ 2,4 milhões.

A nova sede do TRF1 não é um caso isolado no Poder Judiciário. O CNJ está às voltas com dezenas de abusos pelo Brasil afora, que incluem superfaturamento de obras, contratações irregulares e muito engavetamento de processos. Em sua ação saneadora, o CNJ também tomou providência para aparar os excessos da nova sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Fechou acordo com o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, depois que o Ministério Público Federal denunciou irregularidades nas obras. Britto concordou em reduzir o custo da armação de concreto, que já consumiu R$ 117 milhões. O valor total é de R$ 369 milhões.

O Tribunal desistiu de construir uma "ponte elevatória", espécie de elevador gigante para empilhar mercadorias também gigantes, um "carrinho de limpeza de fachada" e antenas de tevê a cabo. O TSE promete economizar R$ 18 milhões ao final da obra, mas o CNJ espera que a redução chegue a R$ 30 milhões.

Nas inspeções nos Estados, o CNJ também encontrou muitos desvios. Na construção do Fórum de Teresina (PI), o metro cúbico do concreto armado saiu por R$ 1,7 mil, contra o preço de mercado de R$ 400. Um superfaturamento de 365%. "A contratada praticou preços mais de quatro vezes superiores aos preços de mercado", concluiu o CNJ. Assim que o conselho terminou a inspeção, o presidente do TJ do Piauí, desembargador Raimundo Nonato Alencar, criou comissão de inquérito para investigar a obra, que vem de administrações anteriores. "Houve momentos realmente constrangedores na audiência pública do CNJ em Teresina, expondo os magistrados", diz Alencar. "Mas é bom que se faça isso mesmo, o Judiciário precisava de inspeções." No Maranhão, os técnicos encontraram "valores destoantes" nas obras do Fórum Desembargador Sarney Costa. Pelos cálculos do CNJ, é possível reduzir em 50% os custos de alguns itens da bonificação de despesas indiretas da obra, como serviços médicos, equipamentos e móveis para escritório. Após a inspeção no Judiciário do Maranhão, em janeiro, o corregedor-geral de Justiça do CNJ, ministro Gilson Dipp, comentou: "Nunca pensei que houvesse tanta corrupção e malandragem na Justiça."

O CNJ já visitou sete estados e levantou casos generalizados de má aplicação de dinheiro. Os próximos alvos são o Espírito Santo e o Paraná, onde há denúncias de desmandos. A juíza federal Salise Sanchotene, da Corregedoria do CNJ, diz que as inspeções questionam não só aspectos legais das obras, mas também a conveniência de prédios suntuosos, frente à dificuldade das comarcas. "Em Parintins, no Amazonas, os juízes se cotizam para comprar material de limpeza", lamenta Salise. "A gente volta abatida de algumas inspeções."

Problemas com obras são tantos que o CNJ quer impor regras para evitar superfaturamento, impedir abusos e reduzir gastos

Os problemas com obras são tantos que o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, também presidente do CNJ, quer transpor para todo o Judiciário a resolução do Conselho Federal de Justiça que fixou regras mais rígidas para construções. Todo contrato terá controle prévio de aprovação de custos e o metro quadrado tomará por base o preço de mercado. Os prédios terão de ser compatíveis com os serviços prestados. Gilmar criou uma comissão para endurecer também a Lei Orgânica da Magistratura. O ministro Gilson Dipp já enviou suas propostas. "Não se justifica que a penalidade mais grave para o juiz seja a aposentadoria compulsória com vencimentos integrais", diz Dipp.

Enquanto a Lei Orgânica mais rígida está sendo elaborada, o CNJ recorre às suas resoluções. Uma das autoridades já punidas é o desembargador Washington Luiz Damasceno de Freitas, de Alagoas. Ele terá de devolver R$ 354 mil aos cofres públicos por ressarcir despesas indevidas para si mesmo. No mês passado, o conselho recebeu denúncia de que um dos desembargadores do Ceará estava curtindo as praias em carro oficial. O CNJ, então, baixou norma restringindo o uso de carros em todo País. Em fevereiro, o TJ de Mato Grosso do Sul publicou portaria dando folga aos servidores no dia do aniversário. Dipp deu um ultimato a um dos desembargadores do TJ: "Vocês têm até hoje para derrubar essa portaria, senão quem vai derrubar sou eu." O TJ revogou a portaria.

Várias outras mudanças têm acontecido nos Estados com a simples chegada da equipe do CNJ. "Lá vem a turma do Gilmar Mendes", foi o que se ouviu entre os funcionários do Judiciário na Bahia, no final do ano. Houve juiz que viajou para o Exterior para não dar explicações sobre atrasos nos processos. Em Alagoas, foram encontrados 500 homicídios sem inquéritos para investigá-los. Muitas vezes é o povo quem apressa as soluções. Em Salvador, uma senhora entrou aos gritos na audiência do CNJ: "Estou há 15 anos tentando um teste de paternidade." O pai da garota era um empresário, amigo do juiz.

Em Belém, durante a audiência do CNJ, uma das advogadas do Banco do Brasil denunciou que naquele instante um dos gerentes estava cumprindo ordem judicial irregular para tirar dinheiro da conta da Eletrobrás e dar a particulares. Um dos desembargadores que participava da audiência pegou o telefone e determinou que não fosse feita a movimentação suspeita.

Há precedentes. Em março, o CNJ forçou a aposentadoria do juiz Rivoldo Costa Sarmento Júnior, de Alagoas, depois que uma decisão dele resultou no depósito de R$ 63 milhões da Eletrobrás na conta de Glayton Goulart.

Em São Paulo, a Corregedoria do TJ resistia em investigar um juiz acusado até por tráfico de crianças. Dipp avocou o processo para Brasília. "O CNJ não é só para o Nordeste, é para São Paulo e Rio também", avisou Dipp. Aos 64 anos, movido por um marcapasso e um desfibrilador, Dipp afirma que tem tido respaldo de parte da magistratura. "A Justiça brasileira é tão desigual quanto a desigualdade entre as pessoas." No dia 9, o CNJ determinou a saída de mais de cinco mil cartorários sem concurso. A próxima tesoura do CNJ cortará a cabeça dos juízes de paz que não foram eleitos. E a limpeza do Judiciário está apenas no começo.