A nova inflação no cálculo do IR e da CSSL
Publicado em:
Joaquim Manhães Moreira
O ano de 2008 trouxe de volta a inflação, ainda que de forma discreta. Desta vez o fenômeno não é brasileiro, mas mundial. As principais economias do mundo, principalmente as dos países integrantes do grupo denominado Bric, apontam para índices reais acima de 10%. A realidade parece irreversível face a fatores internacionais como a elevação dos preços das commodities e dos alimentos.
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Nesse ponto, a comunidade tributária começa a se preocupar com os efeitos desse novo surto inflacionário sobre as bases de cálculo dos tributos que incidem sobre os lucros. A preocupação é plenamente justificável, porque a base principal de cálculo de tais tributos é a resultante da diferença entre receitas, de um lado, e dos custos e despesas do outro.
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Na presente situação, em que a receita comporta um elemento inflacionário, ela gera um lucro ilusório, que nada mais é do que a simples recomposição do poder de compra do capital das empresas. Essa parcela precisa ser excluída das bases de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSSL), sob pena de incidirem sobre rendas ou acréscimos patrimoniais fictícios.
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No passado, entre 1977 e 1995, esse efeito era eliminado através do procedimento da correção monetária dos balanços, assim como da atualização dos elementos controlados na parte "B" do livro de apuração do lucro real. Esses elementos eram inclusões ou exclusões nas bases de cálculo dos períodos futuros, sendo o principal deles o prejuízo acumulado. A correção monetária dos balanços que vigorou nesse período acabou revogada pelo artigo 4º da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. No período posterior a 1996, alguns contribuintes insurgiram-se contra essa proibição e lograram êxito nos tribunais. Mas a inflação residual que foi vivida nesse período, geralmente entre 4% e 5% ao ano, fez com que as decisões reconhecessem a pouca relevância de tais índices na apuração dos lucros tributáveis. A volta da inflação de dois dígitos cria uma necessidade nova de expurgar a perda do poder de compra do capital do montante dos resultados obtidos. Isso sob pena de se obrigar os contribuintes a se desfazerem de parte do patrimônio que já não existia para pagar o IRPJ e a CSSL.
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Sabe-se que o lucro é um conceito de direito comercial. A lei tributária não pode modificar a natureza e a essência dos institutos jurídicos de direito privado, como é o caso do lucro, para definir competências (vale dizer incidências) tributárias. Do ponto de vista do direito comercial, é preciso reconhecer que houve uma evolução legislativa inicialmente seguidora do movimento de extinção da inflação. Essa realidade pode ser constatada, por exemplo, com o fato de que o antigo artigo 185 da Lei das S.A. – a Lei nº 6.404, de 1976 -, que tratava da correção monetária das demonstrações financeiras foi revogado pela Lei nº 7.730, de 1989. Nem mesmo o restabelecimento da correção monetária do balanço pela Lei nº 8.200, de 1991, alterou tal realidade.
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A volta da inflação cria uma nova necessidade de expurgar a perda do poder de compra dos resultados obtidos |
Pode-se observar, entretanto, que a preocupação do legislador em preservar o poder de compra do capital da sociedade continuou existindo mesmo durante esse período de proibição da correção monetária. A esse respeito, basta observar que continuam em vigor os seguintes textos originais da Lei nº 6.404: (1) o parágrafo único do artigo 5º, que estabelece que a expressão monetária do capital social será corrigida monetariamente. A única forma contábil de corrigir monetariamente o capital social, pela sua perda de poder aquisitivo, é através do lançamento de tal perda como se fosse uma despesa no sumário de operações, reduzindo, portanto, o lucro da sociedade; (2) o artigo 132, inciso IV, por sua vez, determina à assembléia geral que se reúna nos primeiros quatro meses do ano para aprovar a correção da expressão monetária do capital social. O artigo 166 reforça tal competência da assembléia geral ordinária.
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As novas normas constantes da Lei nº 11.638, de 2007, que introduziram novos critérios de avaliação dos elementos patrimoniais e dos resultados, também reforçaram a necessidade de se expurgar de tais itens os efeitos inflacionários. Para as empresas de capital aberto, a observância das normas internacionais já produzirá tal efeito.
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É grande a importância econômica do tema. Quanto à correção do capital, pode-se adotar duas idéias diferentes, a saber: (1) o contribuinte pode pretender a correção monetária do patrimônio líquido, nele incluído o capital, creditando-se a reserva de capital e debitando-se lucros e perdas, com a conseqüente redução do lucro; ou (2) o contribuinte pode calcular a correção monetária da diferença entre o patrimônio líquido e o total do ativo permanente, aceitando-se que esse último esteja menos sujeito ao fenômeno inflacionário.
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Em qualquer caso, é importante notar que para cada R$ 100 milhões de base corrigível – seja do patrimônio líquido, seja da diferença entre este e o ativo permanente – a redução do IRPJ e da CSSL poderá atingir R$ 3, 4 milhões, com uma inflação anual de 10% em 2008 e desde que a empresa esteja sujeita ao adicional do Imposto de Renda. Em se tratando de empresa integrante do sistema financeiro nacional, esse valor será ainda maior. Além disso, é preciso considerar o caso dos contribuintes que possuem prejuízos acumulados compensáveis com lucros tributáveis. Para eles, da mesma forma aplica-se a projeção acima. Por último, resta lembrar também os casos das empresas que se dedicam ao agronegócio e que possuem significantes montantes controlados na parte B do Lalur para serem excluídos de lucros futuros. Também para esses a economia acima será extremamente importante.
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Tendo em vista, entretanto, a opinião da Receita Federal, que sempre foi contrária à exclusão dos efeitos inflacionários das bases tributáveis do IRPJ e da CSSL após o advento da Lei nº 9.249, o recomendável é que os contribuintes se acautelem, obtendo em juízo a tutela apropriada.
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Joaquim Manhães Moreira é advogado, especializado em direito tributário e empresarial e sócio fundador do escritório Manhães Moreira Advogados Associados
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