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A nova fronteira do consumo fica no Nordeste

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Portal Exame

Por que há tanto espaço para as pequenas e médias empresas avançarem rapidamente onde a renda do consumidor mais cresce

Christian Miguel,

Um edifício de trêsandares com fachadavermelha e amarela chamaa atenção de quemcaminha próximo ao tradicionalClube Náutico Atlético Cearense, napraia de Iracema, em Fortaleza. O letreirochamativo indica o maior restaurante da Bebelu,rede cearense de lanches com saborestípicos do Nordeste. No cardápio há, porexemplo, sanduíche de carne de sol comqueijo coalho, que pode ser acompanhadode uma porção de macaxeira em vez de batatinhafrita. “Servimos até hambúrguer comfibra de caju”, diz o cearense Rony Ximenes,de 44 anos, sócio da rede.

Com sanduíchesinspirados nos gostos locais, a Bebelu faturouem 2010 quase 50 milhões de reais — 30%mais que no ano anterior. Boa parte das receitasvem de fregueses que até pouco tempoatrás não tinham condições de comprar muitacoisa. “A Bebelu virou programa de famíliapara muitas pessoas que não podiam comerfora”, diz Ximenes. “Agora o pessoal está comdinheiro no bolso.” Alguns indicadores destebom momento do Nordeste brasileiro:

• De acordo com o IBGE, desde 2003 a rendaper capita da região cresce, em média,7,3% ao ano — 2 pontos percentuais acimado índice nacional.

• Em 2008, a Região Nordeste se tornou osegundo maior mercado consumidor doBrasil, uma posição ocupada pela RegiãoSul até então. A cada 100 reais gastos nopaís, quase 20 ficam em um dos nove estadosnordestinos.

• O salário médio do trabalhador nordestinoteve um aumento real de 28,8% entre2004 e 2009 — o maior crescimento dopaís registrado no período.

Esses fatores sustentam um panorama,inédito na região, de oportunidades de negóciospara pequenas e médias empresas.“Os trabalhadores da Região Nordeste melhoraramde vida e nunca consumiram tantocomo agora”, afirma Luís Henrique Romani,coordenador de estudos econômicose populacionais da Fundação Joaquim Nabuco,de Recife. “A região está cheia deoportunidades para quem tem o que venderpara os nordestinos.”

Das 45 lojas da Bebelu, 38 estão localizadasem seis estados do Nordeste. É nessaregião que deve ocorrer a maior parte docrescimento da rede nos próximos doisanos. Para 2011, estão previstas 20 novaslojas em cidades nordestinas de médio porte,como a cearense Itapipoca, que fica a130 quilômetros de Fortaleza. “As cidadesmédias são o nosso alvo”, afirma Ximenes.“Temos de aproveitar o potencial de consumodos lugares em que as grandes cadeiasde comida ainda não chegaram.”

Para garantir suprimentos para as novaslojas, a Bebelu acaba de inaugurar uma fábricade pães, molhos e hambúrgueres comcapacidade para abastecer até 600 restaurantes.Ximenes acha que a verticalizaçãotambém é importante para manter os custossob controle e, assim, manter a Bebelucompetitiva. Um lanche completo, que incluisanduíche de carne de sol, refrigerantee uma porção de batata ou macaxeira frita,sai por 7,50 reais — cerca de metade de umBig Mac com fritas e Coca-Cola.

O fôlego para que negócios como o daBebelu cresçam rapidamente depende particularmentede uma parcela da população— a classe C, que é como os especialistasdenominam as pessoas que ganham entretrês e dez salários mínimos. Em 2010, segundoo Data Popular — instituto de pesquisasespecializado em baixa renda —, apopulação da classe C gastou 158 bilhõesde reais no Nordeste. Esse valor correspondea quase dez vezes o consumo dessa faixada população oito anos atrás na região.

Até que ponto esse aumento todo noconsumo tem uma base sólida ou é um fenômenopassageiro? Segundo Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociaisda Fundação Getulio Vargas, muitospequenos e médios empresários só não fazemmais investimentos no Nordeste porquereceiam que a melhoria de vida dosnordestinos tenha mais a ver com os programassociais dos dois governos Lula doque com mudanças substanciais na economia.“Não há motivo para medo, pois 70%renda da população nordestina hoje vemde salários”, diz Neri. “O consumo local aindadeve crescer mais nos próximos anos.”

Os números mostram que a economiada região tem gerado novos postos de trabalho.Segundo o IBGE, entre 2003 e 2009os empregos formais aumentaram quase50% no Nordeste. O aumento das vagas éimpulsionado, em grande parte, pela insta-lação de empresas no complexo industrialdo porto de Suape — só a Fiat anunciou háum mês o aporte de 3 bilhões de reais numanova fábrica que vai gerar 3.500 novos empregosem três anos. Grandes obras de infraestruturatambém garantem a geraçãode emprego pelos próximos tempos— doisexemplos são a rodovia Transnordestina(que liga o litoral pernambucano aos estados do Piauí e do Ceará e está prevista paraacabar em 2012) e a transposição do rioSão Francisco, que ainda tem trechos quenão começaram a ser construídos.

Além de maior consumo, a entrada demais gente no mercado de trabalho significaoportunidades para pequenos e médiosfornecedores de todas as cadeias produtivasque ganham força quando há mais emprego. É esse o caso da Home Doctor, empresapaulistana de atendimento de saúdeem domicílio que tem uma filial em Salvador.

A Home Doctor é fornecedora de empresasde medicina de grupo — que, porsua vez, têm como principais clientes grandescompanhias que pagam planos médicospara seus funcionários. “Novos empregossignificam mais acesso a serviços desaúde”, diz o médico Ari Bolonhezi, de 52anos, sócio da Home Doctor. Em 2010, ofaturamento da operação nordestina daHome Doctor chegou a 22 milhões de reais— 6% mais que no ano anterior.Para 2011, a Home Doctor deve aumentarem 20% o número de médicos e enfermeiroscredenciados para prestar atendimentodomiciliar em nome da marca. Em2012 está prevista uma nova filial nordestina,em Recife. “Nossa estrutura no Nordesteestá ficando pequena para suportar ocrescimento”, diz Bolonhezi. “Em 2011 teremosde nos mudar para um imóvel com odobro do espaço atual em Salvador.”

A combinação de mais emprego e aumentodo poder aquisitivo, fruto da estabilidadeeconômica e do aumento do salárioacima da inflação, levou o consumidor popularnordestino a colocar mais produtosindustrializados na lista do supermercado. Éessa a explicação fundamental para o crescimentoda fabricante de iogurtes NaturalGurt, de Alagoinhas, cidade do interior daBahia. Em 2010 a Natural Gurt faturou cercade 18 milhões de reais — 62% acima de2009. “Em 1996, quando comecei o negócio,não se falava em poder de consumo da classeC”, diz o baiano Paulo Cintra, de 44 anos,dono da Natural Gurt. “Mas agora a expansãoestá vindo do aumento de vendas paragente que não costumava comprar iogurte.”

Para a Natural Gurt crescer com o consumidorde baixa renda, foram feitas algumasadaptações no produto. Uma delasaconteceu há poucos anos, quando Cintraprestou atenção numa velha reclamaçãodos donos de pequenas mercearias quevendiam seus produtos. “Eles me contavamque os clientes não gostavam de iogurte emgarrafas de plástico e em saquinhos de 1 litro”,afirma Cintra. “O problema era que,depois de aberto, o iogurte tinha de serconsumido logo, senão estragava.” Cintraachava que o preço relativamente maiorque teria de ser cobrado por embalagensmenores poderia inibir sua aquisição porclientes mais pobres. O aumento recente darenda do consumidor nordestino animou-oa colocar no mercado bandejas com potinhosde seis unidades. “Um ano depois, ofaturamento mais que dobrou”, diz Cintra.“Hoje, o iogurte em potinhos representa40% das vendas da empresa.”

Agora, a expansão deverá virda maior presença da marcanos estados da Região Nordeste.Hoje, os iogurtes NaturalGurt chegam a cercade 5.000 bares, pequenos mercados e padariasda Bahia, de Sergipe e de Alagoas. Até ofim de 2011, a marca deve ser distribuída aum número 35% maior de pontos de venda,com a venda de iogurtes nos estados de Piauí,Pernambuco, Ceará e Paraíba. Para isso, Cintraestá investindo 5 milhões de reais na comprade dez caminhões e na ampliação da câmaraonde armazena o iogurte. “Vamos triplicara capacidade”, afirma Cintra.

Entre os passos necessários à expansãoda Natural Gurt está conseguir recursospara garantir o crescimento no futuro. Cintraacha que abrir o capital na bolsa daqui adois anos pode ser uma boa ideia. “Queroatrair investimentos que garantam a expansãodo negócio”, diz Cintra. Dinheiro parafinanciar o crescimento é quase sempreuma preocupação dos pequenos e médiosempresários à frente de negócios que expandemvelozmente.

Também nesse aspectoo Nordeste passa por uma boa fase. Em2010, o Banco do Nordeste ofereceu 4,6 bilhõesde reais em empréstimos para planosde expansão e compras de máquinas porparte de pequenas e médias empresas. “Foio ano em que o banco mais emprestou dinheiropara empreendimentos com faturamentoanual de até 200 milhões de reais”, dizJorge Mendonça, gerente do departamentode micro e pequenas empresas da instituição.A origem dos recursos é um fundo federalque destina parte da arrecadação deimpostos sobre produtos industrializadospara regiões em desenvolvimento. O Nordestetem ficado com 60% do total.

Entre os desafios que permanecem paraas pequenas e médias empresas que vêminvestindo no Nordeste está a infraestrutura.Mesmo com algumas melhorias ocorridasnos últimos anos, como a duplicaçãode parte da BR-232, entre Recife e a cidadede São Caetano, ainda há muitas estradasem más condições, principalmente longeda costa. “Quem é do Nordeste sempre tevede conviver com esses problemas paralevar os produtos de um lugar para outro”,diz Marcio Borba, da Borba Consultoria,de Recife. Segundo ele, nos últimos anossurgiram na região muitas empresas de logísticaque ganham dinheiro fazendo a distribuiçãode produtos para lugares onde oacesso é mais complicado. “Muitas empresasde fora têm recorrido a parcerias comesses operadores para melhorar a distribuiçãode seus produtos”, diz Borba.

Escolher os parceiros certospara expandir no Nordestefoi o que o paulistano PedroGoulart, de 45 anos, donoda Mohda Esmaltes, de SãoPaulo, procurou fazer. Quando pensou pelaprimeira vez em vender na região, Goulartsabia que era preciso ter representantes combom conhecimento do mercado local e quejá tivessem experiência com revenda de cosméticos.“Antes de me aventurar num lugarque eu não conhecia direito, era preciso mecercar de pessoas competentes”, diz Goulart.

Foi então que ele chamou três representantespara atender os pontos de venda da marcaem Pernambuco, Paraíba e Rio Grandedo Norte e ofereceu comissões mais atrativaspara que eles revendessem apenas esmaltesda Mohda. Hoje, a região já respondepor 20% das vendas da empresa, que em2010 colheu 2,5 milhões de reais em faturamento— 30% mais que no ano anterior.“Não esperava índices tão expressivos emtão pouco tempo”, diz Goulart.

Goulart sabia onde encontrar parceiroslocais que dominassem a dinâmica do setorde cosméticos nordestino. Antes de fundara Mohda, em 2008, ele trabalhou durante15 anos para uma empresa que distribuíaprodutos da Impala, uma das maiores marcasde esmaltes do país. Assim, Goulart jáconhecia os principais representantesquando decidiu criar sua marca para empreendernum momento em que o mercadode beleza vem crescendo muito no Brasilinteiro. No Nordeste, a Mohda encontrouum cenário bem animador. Segundo oData Popular, a massa salarial das mulheresnordestinas aumentou 17% nos últimos oitoanos. Entre o público feminino das classesC, D e E, o aumento foi ainda maior —elas estão ganhando 35% mais que em2002. Para conquistá-las, a Mohda estipuloupreços, em média, 15% mais baixos doque os das marcas líderes.

Agora, Goulart pretende contratar umgerente apenas para o Nordeste, onde eleespera que o número de pontos de vendaatingidos pela Mohda venha a dobrar em2011. Ele está particularmente animadoporque nos últimos tempos a marca recebeuuma ajuda extra de marketing. Em váriasrevistas e sites especializados em novelas,a Mohda tem sido citada como a fabricantede esmaltes que estão colorindo asunhas de atrizes globais como Maitê Proençae Mariana Ximenes. “É incrível o efeitodesse tipo de exposição nas vendas”, afirmaGoulart. “A mulherada no Nordeste ficalouca para usar o que as artistas usam.