A movimentação financeira e a reforma tributária
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*Marcos Cintra
Durante o debate que extinguiu a CPMF a oposição, que no passado defendeu ferozmente o imposto na imprensa e no Congresso, proferiu discursos carregados de pura emoção e recheados de chavões contra o tributo, como a questão da cumulatividade e da regressividade, que caso sejam debatidos tecnicamente não se sustentam. Estudos revelam que um tributo em cascata com alíquota baixa distorce menos os preços do que um não-cumulativo com alíquota elevada e a tese de que a tributação sobre a movimentação financeira é injusta porque o pobre paga mais se revelou falsa, uma vez que trabalhos concluíram que o ônus é uniforme entre as faixas de renda.
Os algozes da CPMF se prenderam à pesquisas que diziam que a população é contra o “imposto do cheque”. Mas, por acaso alguém esperava que se fizesse um levantamento perguntando para as pessoas se elas são contra ou a favor qualquer tributo e a maioria respondesse que era favorável? Será que alguma sondagem vai mostrar que a população defende a cobrança do Imposto de Renda, da Cofins ou qualquer outro imposto?
Politicamente é muito cômodo discursar contra qualquer tributo. A sociedade brasileira não era contra a CPMF especificamente. A forte campanha contra essa contribuição deixou a impressão que ela era a fonte de todos os males do país. A revolta da população refere-se na realidade à absurda carga tributária que consome o equivalente a quatro meses e meio de trabalho do brasileiro. Nem países ricos como os Estados Unidos ou o Japão extraem essa fatia de imposto de seus contribuintes. Ademais, cabe lembrar que o mais sacrificado em termos de esforço tributário no Brasil é justamente o assalariado com carteira assinada, que tem desconto tributário revoltante em seu holerith e ainda tem que pagar uma carga fabulosa de impostos embutidos, por exemplo, nos preços do supermercado, da gasolina e nas contas de energia e telefone. Tudo isso para compensar a fatia que é sonegada pelos ricos, que viam na CPMF um imposto dedo-duro, que podia fazer com que a Receita Federal o autuasse como fraudador.
A CPMF se revelou um tributo de elevada eficácia arrecadatória e que combate a principal anomalia da economia brasileira que é a sonegação de impostos. A experiência com esse tributo mostrou que a era da moeda virtual afetará o sistema tributário. A movimentação financeira, através da informática bancária, permite uma arrecadação eficiente e de baixo custo. Essa é a base de incidência do futuro ou como diz o professor Edgar Feige, da Universidade de Wisconsin (EUA), “é a base tributária do século 21”.
Os movimentos contrários à CPMF conseguiram derrubá-la momentaneamente. Tacharam-na como um “imposto ruim” e o governo teve que aumentar alguns “impostos bons” (vide IOF e CSLL). Ocorre que as qualidades do imposto eletrônico se impõem de tal modo que o tema deve voltar à baila com a retomada do debate sobre a reforma tributária.
A utilização da movimentação financeira como base de incidência para a cobrança de impostos deveria ser contemplada como alternativa para a substituição gradual de tributos caros e vulneráveis à sonegação. Poderia-se começar substituindo o Imposto de Renda por uma “CPMF” permanente com alíquota de 0,5%, isentando de seu pagamento todos que movimentam até o limite de R$ 1.372,81, atual faixa de isenção do IRPF.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.