A incidência do ICMS sobre bens de sinistros
Publicado em:
Társis Nametala S. Jorge e Viviane Matos G. Perez
Em recente publicação, o informativo do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à lume mais um capítulo da histórica discussão acerca da incidência do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os salvados de sinistro – os bens que podem ser aproveitados apesar da ocorrência de acidentes ou catástrofes. As seguradoras, em virtude do contrato de seguro entabulado com os seus clientes (segurados), ao indenizarem-nos pelos danos ocorridos em virtude do sinistro, passam a ter direito aos salvados. Em regra, estes bens são alienados por leilões promovidos pelas próprias seguradoras.
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Na verdade, tanto a passagem do salvado para a propriedade da seguradora quanto sua alienação em leilão comportariam discussões sobre se enquadrariam ou não no modelo do fato gerador do imposto. E, muito embora, no que toca à primeira situação, nos pareça clara a inexistência do fato gerador, o assunto que ora vimos tratar cuida da segunda – e mais controversa – situação, qual seja, a alienação do salvado para terceiros por parte das seguradoras.
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No caso citado, a questão versa acerca de legislação tributária do Estado de Minas Gerais, a saber, do inciso I do artigo 15, todos da Lei nº 6.763, de 1975, que determina que a alienação do sinistro pela seguradora constitui fato gerador do ICMS. Uma análise mais detalhada demonstra que a jurisprudência, com destaque para a exarada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), vem se posicionando, majoritariamente, pela incidência do referido tributo estadual nas operações mencionadas.
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A questão primordial aqui, ao nosso sentir, é a de se saber qual a natureza jurídico-econômica desta alienação, tendo em linha de consideração a atividade empresarial da seguradora. Como sabemos, o fato gerador do ICMS baseia-se em um tripé: operação, circulação e mercadorias, podendo, sumariamente, ser considerada operação, em regra o contrato de compra e venda; a circulação, a saída física acompanhada de transferência da propriedade da coisa (ou da posse com foros de definitividade, ou seja, para futura transferência da propriedade em si); e a mercadoria o bem alienado com intuito de lucro. E é na ausência de intuito de lucro que entendemos residir a inconsistência da regra tributante das alienações de salvados de sinistros pelas seguradoras.
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A atividade econômica da seguradora em nada se relaciona com a compra e venda de mercadorias ou bens |
Um dos autores deste artigo – Társis Nametala Sarlo Jorge, em “Manual do ICMS”, publicado pela Editora Lúmen Juris – já deixou clarificado que mercadoria não é um conceito estático, mas economicamente dinâmico e é alterado de acordo com a destinação que é dada ao bem. Em outras palavras, um mesmo bem pode ser considerado como mercadoria em determinada situação e não o sê-lo em outra diversa.
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Ora, a atividade econômica da seguradora em nada se relaciona com a compra e venda de mercadorias ou bens. Ao contrário, sua atividade é fortemente regulada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia federal responsável pelo setor, estando inclusive, fora da atuação das seguradoras a atividade empresarial de compra e venda de automóveis. Em sendo assim, a alienação dos salvados de sinistro claramente se dá com o intuito de obter o equilíbrio do próprio plano de seguros, em decorrência de imposição legal, aliás. Destarte, fica clara a completa ausência de intenção de lucro na alienação dos salvados sinistros, não sendo os mesmos vendidos com a qualificação jurídico-econômica de mercadoria.
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Quem acompanha a jurisprudência e, em especial, os informativos do Supremo, deve estar atento para o desenvolvimento do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) nº 1.648, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) em face do citado dispositivo da lei tributária mineira. De acordo com o referido informativo, o ministro Gilmar Mendes reiterou seu voto pela procedência parcial do pedido formulado, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e a seguradora” contida no inciso IV do artigo 15 da Lei nº 6.763. O ministro Menezes Direito deu pela parcial procedência ao pedido, para, sem redução de texto, dar interpretação conforme, no sentido de excluir a tributabilidade, mediante o imposto, das operações de alienação, por seguradoras, de salvados de sinistro. E votaram ainda os ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carlos Ayres Britto, que acompanhavam o voto de Menezes Direito.
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Ao que parece, o entendimento do Supremo caminha para a direção – acertada, ao nosso ver – de ser a venda do salvado de sinistro pela seguradora um fato indiferente ao direito tributário, não constituindo fato gerador do ICMS, o que, ao nosso ver, é acertado, por conta das considerações acima expostas.
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Társis Nametala Sarlo Jorge e Viviane Matos González Perez são, respectivamente, procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU), professor e coordenador do LLM em direito do Ibmec do Rio de Janeiro e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); e procuradora do Município de São Gonçalo, professora do LLM em direito do Ibmec do Rio de Janeiro e sócia sênior do escritório Alves, González, Martinelli e Jorge Associados
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