A imprecisão do conceito de insumos
Publicado em:
Valor Econômico
Com as Leis de número 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, que estenderam o regime da não cumulatividade às contribuições para o PIS e para a Cofins, respectivamente, muitas dúvidas passaram a preocupar os contribuintes, particularmente quanto à possibilidade de recuperação dos custos e despesas incorridos nas atividades sociais, genericamente denominadas de "insumos".
A preocupação é justificada, pois a ausência de disposição legal que defina, com precisão, o que se deva entender por insumo tem provocando indesejável insegurança jurídica, dado o largo espectro e evidente subjetivismo no processo de interpretação do vernáculo.
A controvérsia instaurada com a indefinição desse conceito não é nova. Perdura até hoje, levando inúmeros contribuintes a acirrados debates na esfera administrativa e judicial para assegurar o direito a créditos do ICMS e do IPI – que são não cumulativos, por natureza. Se nem mesmo em relação a esses impostos, instituídos há décadas, os tribunais foram capazes de dirimir as controvérsias provocadas pela interpretação do conceito de insumos, o que não dizer dos recentíssimos PIS e Cofins não cumulativos?
Os setores mais afetados pela imprecisão do termo são os de serviços e as sociedades de participação (holdings companies). As últimas, porque as únicas despesas que normalmente incorrem em suas operações são relacionadas aos juros sobre capital próprio recebidos de terceiros e pagos aos sócios e acionistas, que a lei não elege como insumo; aquelas, porque o maior peso efetivamente suportado no desenvolvimento de suas atividades é com a mão de obra, sobre a qual a lei também não admite o crédito.
Para piorar cenário já complicado, o que deveria ser uma mera opção acabou se transformando em imposição legal, pois os contribuintes cuja receita bruta ultrapasse R$ 48 milhões/ano não podem adotar o regime de tributação pelo lucro presumido. Da noite para o dia, por conta de expressiva alta das alíquotas, que somadas passaram de 3,65% para 9,25%, a carga do PIS/Cofins das holdings e prestadoras de serviços quase triplicou em relação ao que vinham pagando no regime anterior, pois o valor dos insumos admitidos como creditáveis para aqueles que operam nesses setores é insignificante.
Fazendo-se um retrospecto, nota-se que o direito ao crédito sobre alguns encargos – a exemplo dos juros incorridos nas operações de mútuo, da depreciação e amortização de bens e direitos, do aluguel e o arrendamento mercantil -foi inicialmente admitido pela lei que instituiu o regime não cumulativo, e posteriormente suprimido, escancarando o propósito oportunista do governo. Ora, se eram considerados insumos pela lei original, como poderiam ter a natureza alterada e deixar de ser considerados como tal sem qualquer razão que o justifique, senão promover o aumento de arrecadação?
Conquanto o Poder Judiciário não tenha enfrentado ainda essa questão com o rigor e a profundidade exigidos, algumas soluções recentes da Receita Federal em processos de consulta e pela Câmara Administrativa de Recursos Fiscais são alentadores.
Espera-se que venha a se consolidar o entendimento de que o conceito de insumos para fins de PIS/Cofins não é aquele contemplado na legislação do IPI, e sim nas normas do Imposto de Renda, qualificando como operacionais os custos e despesas normais e necessárias ao alcance dos objetivos sociais do contribuinte.
Essa seria a definição mais apropriada do conceito de insumos a ser levada em conta na determinação da base de cálculo do PIS/Cofins, pois absolutamente harmônica com os princípios da não cumulatividade, isonomia, referibilidade e equidade em matéria tributária.
Deixar ao livre arbítrio do legislador e da fiscalização a prerrogativa de rotular o que se deva entender como insumo é temerário, por fomentar insegurança e imprevisibilidade, além de onerar excessivamente alguns setores, sobretudo o de serviços, provocando o repasse dos custos e despesas não creditáveis ao contribuinte final, com consequências nefastas, em especial o aumento da inflação.
Uma alternativa a ser considerada para eliminar essa distorção seria permitir às prestadoras de serviço e sociedades holdings optar pelo regime do lucro presumido mesmo que o faturamento anual ultrapassasse o limite legal, e recolher as contribuições para PIS/Cofins a uma alíquota menos gravosa, colocando-as em situação de equilíbrio perante as demais empresas. Alguns setores, aliás, já receberam tratamento tributário compatível à sua atuação e suas peculiaridades, tais como financeiro, energia, telecomunicações e construção civil.
Enquanto o legislador não dispensar olhar mais atento a esses segmentos – sobretudo o de serviços, que emprega grande número de pessoas e tem expressiva participação na economia -, a única alternativa para atenuar os efeitos adversos produzidos pelas novas normas de PIS/Cofins será a de recorrer à via judicial para assegurar o direito ao crédito sobre insumos inerentes às suas atividades, ou para garantir o direito à opção pelo lucro presumido, independente do nível de faturamento.
Vinicius Branco é sócio do escritório Levy & Salomão Advogados
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