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A destinação dos lucro das empresas

Publicado em:

Marcelo Tostes de Castro Maia e Frederico Augusto Lins Peixoto

As alterações da Lei das Sociedades Anônimas (S.A) pela Lei nº 11.638, de 2007, causaram inquietação no meio empresarial, em especial através da extinção da conta contábil de "lucro acumulados" do balanço patrimonial. Tal alteração exigiria que os lucros obtidos deveriam ser, de alguma forma, destinados seja através de incorporação ao capital social, de constituição de reservas ou de distribuição aos sócios.

No entanto, a destinação obrigatória dos lucros das empresas não é tão nova como se vincula atualmente. Desde 2001, a Lei das S.A. já prevê que os lucros não destinados a contas de reservas – legal, estatutárias, para contingências, de lucros, de lucro a realizar) deverão ser distribuídos como dividendos.

Antes ainda, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio das notas explicativas à Instrução nº 59, de 1986, já exigia que a "parcela de lucro remanescente, após as destinações para as reservas de lucros e o pagamento do dividendo obrigatório, também deverá ser destinada".

A extinção da conta de lucros acumulados não foi propriamente uma novidade, mas uma questão de harmonização com a norma já vigente de destinação dos lucros e uma lapidação da louvada convergência brasileira às normas internacionais de contabilidade e demonstrações financeiras.

A real inovação trazida pela nova lei é a limitação para a utilização das reservas de lucros, instrumento largamente utilizado para a retenção desses recursos pelas empresas.

A partir do período de 2008, cujas demonstrações contábeis e financeiras das companhias abertas devem ser publicadas até abril de 2009, o saldo das reservas de lucros, exceto daquelas especificamente previstas – para contingências, de incentivos fiscais e de lucros a realizar-, não poderá ultrapassar o capital social. Atingindo esse limite, a assembleia deliberará sobre a aplicação do excesso na integralização ou no aumento do capital social ou na distribuição de dividendos. Desta forma, ainda que haja justificativa legítima para a retenção de lucros, há um limitador objetivo e inflexível de valor.

Por outro lado, a legislação proíbe a distribuição de dividendos para as empresas com débitos frente à Seguridade Social, havendo inclusive imposição de multa de 50% do valor supostamente indevidamente distribuído.

Como resolver o impasse sobre o assunto? Haveria razoabilidade jurídica de um mesmo ato (distribuição de dividendos) ser obrigatório no sentido de resguardar o direito dos acionistas nos resultados e proibido no sentido de garantir o direito arrecadatório?

Ainda, poderia a empresa estar sujeita à multa e seus administradores sujeitos a penalidades por terem cumprido a determinação e distribuição de dividendos contida na Lei das S.A.?

Em uma análise sistemática das normas, disposições da Lei das S.A. devem prevalecer, tendo em vista seu caráter específico frente à generalidade da legislação concernente à Seguridade Social.

Inclusive, os órgãos destinatários da arrecadação não seriam prejudicados, pois a distribuição de dividendos pressupõe a apuração de lucros. Uma vez que os débitos previdenciários são obrigatoriamente provisionados, a geração de lucros capacitaria a empresa a honrar com tais débitos, que já estariam garantidos por seus ativos e reservas.

O efetivo recebimento de participação nos lucros da empresa é direito dos sócios, não podendo o administrador refutá-lo ou omitir-se diante da obrigação de distribuição. Caso o faça, poderá responder civil e criminalmente e ser penalizado pela CVM, consoante o disposto nos artigos 8º e 9º , da Lei nº 6.385, de 1976.

Mas, que órgãos estariam legitimados, ou mesmo obrigados, a dispor sobre a destinação dos lucros nas hipóteses previstas?

A lei determina que haja uma assembleia-geral ordinária nos quatro primeiros meses do ano para, dentre outras atribuições, deliberar sobre a destinação do lucro do exercício.

Por outro lado, já é procedimento comum e aceito pelas autoridades de deliberação de destinação dos lucros por assembleia-geral extraordinária, quando necessária agilidade no processo, para posterior convalidação ou alteração pela assembleia-geral ordinária (AGO).

Tal agilidade pode ser necessária, exemplificativamente, em operações de fusões, cisões e incorporações quando os lucros estivessem fora da negociação ou em casos de planejamentos estruturados, inclusive com vistas à otimização tributária.

Fato é que a destinação dos lucros pode ser decidida anteriormente à AGO, inclusive precedendo ao próprio encerramento do período, hipóteses em que não são raras as necessidades de agilidade no procedimento. Importante frisar que a lei das S.A. não inclui a destinação do lucro como matéria de competência exclusiva da assembleia-geral.

Poderia, então, a diretoria deliberar sobre a destinação dos lucros para posterior convalidação pela assembleia-geral ordinária?

A interpretação que referida possibilidade teria legalidade vem tomando força e pode ser a solução para os conhecidos problemas na agilidade de importantes decisões.

Oportunidades são perdidas, negócios são desfeitos ou finalizados de forma a prejudicar uma das partes devido à morosidade incrustada nos burocráticos procedimentos para a organização de uma assembleia-geral válida.

As possíveis críticas quanto à possível irreversibilidade dos efeitos dessa deliberação frente à eventual discordância da AGO ou mesmo do conselho de administração são legítimas. Mas, frente à possibilidade de deliberação pela AGE para posterior convalidação, as críticas quanto à decisão pela diretoria teriam o mesmo fundamento, não sendo um desses procedimentos potencialmente mais danoso ou irreversível, não havendo motivo para repulsa de um com a existência do outro.

Marcelo Tostes de Castro Maia e Frederico Augusto Lins Peixoto são advogados e, respectivamente, sócio e consultor tributário do escritório Tostes & Coimbra Advogados

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