A Bitributação dos Serviços de Assistência Técnica.
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Fernando Guido Okumura*
– Introdução
Uma das discussões, ainda não pacificada e não incluída na Reforma Tributária, que gera um grande ônus às empresas prestadores de serviços assistência técnica, é a bitributação pelo Imposto Sobre Serviços (ISS) que onera os serviços prestados em Municípios nos quais a empresa prestadora não possui estabelecimento.
Hoje em dia, tais empresas deparam-se com a seguinte situação; seus estabelecimentos além de recolherem o ISS pelos serviços por eles prestados, nos locais em que estão situados, sofrem a retenção do valor do ISS exigido pelos Municípios nos quais os tomadores estão estabelecidos e, em diversos casos, são autuados por esses Municípios.
Conforme será tratado, toda essa divergência decorre na aplicação de uma decisão do STJ, exarada quando da vigência da legislação revogada pela Lei Complementar nº 116/2003, o Decreto-Lei 406 de 1968.
Em síntese, a problemática encontra-se na dificuldade de definição da capacidade ativa para exigir o ISS sobre os serviços de assistência técnica e manutenção, prestados a empresas situada em Municípios nos quais o prestador de serviços não possui estabelecimento.
II – O ISS na Constituição Federal.
Dispõe a Constituição Federal:
Art. 15. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…)
III – Serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar.
(…)
§3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I – fixar suas alíquotas máxima e mínima
II – excluir de sua incidência exportações de serviços para o exterior;
III – regulamentar forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
A Constituição Federal concedeu aos Municípios a competência para instituírem Impostos sobre serviços de qualquer natureza, excetuando tão somente os serviços abrangidos pelo inciso II, de seu artigo 155 (serviços tributados pelo ICMS).
Da leitura da parte do texto constitucional que trata sobre o ISS, podemos depreender que, apesar de instituir a Competência para a tributação de serviços, o legislador primário não definiu sua hipótese de incidência, atribuindo tal tarefa a Lei Complementar, atualmente a Lei Complementar 116 de 2003.
No que se refere ao ISS, o texto constitucional nada mais fornece do que a competência para a instituição de um imposto e a necessidade de edição de Lei Complementar para: (i) a definição da hipótese de incidência, (ii) a fixação de alíquotas máxima e mínima, (iii) a regulamentação da forma e condições relativas à concessão de isenções e benefícios.
Portanto, para a interpretação e análise da hipótese de incidência e para serem sanadas quaisquer divergências relativas ao tributo em questão, deve-se recorrer a, ainda jovem, Lei Complementar 116 de 2003 sobre a qual o STF e o STJ certamente ainda serão muitas vezes incitados a manifestarem-se.
III – Legislação Anterior à Lei Complementar 116/2003
Em momento anterior, a tributação da prestação de serviços pelo ISS era regida pelo Decreto Lei nº 406/1968.
De acordo com o Decreto Lei nº 406/1968, o ISS era devido no local da prestação dos serviços, sendo que o artigo 12 do mesmo Decreto definia como sendo o local da prestação do serviço o "local do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador", conforme abaixo transcrito:
Art 12. Considera-se local da prestação do serviço:
a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;
b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.
(…)
As especificações e determinações do Decreto Lei nº 406/1968 deram margem a o início da discussão sobre a capacidade ativa para exigir o ISS, pois, da mesma forma como ocorre nos dias de hoje, os Municípios nos quais tomadores de serviços eram estabelecidos exigiam o ISS das prestadoras, mesmo quando estas não estavam estabelecidas em tais Municípios.
Percebe-se que o impasse gerado pela Lei Complementar 116 de 2003 já era discutido quando da vigência do Decreto Lei 406 de 1968, sendo certo que, apesar de semelhantes, as normas concedem tratamento diverso para a situação ora analisada.
IV – O Entendimento do STJ quando da Vigência do Decreto Lei 406/1968
Diversos Municípios, apesar das alterações na legislação, continuam exigindo o ISS, com fundamento no antigo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), exarado com base nas disposições legais do Decreto Lei 406/1968, quando ainda vigente.
Procedente a informação de que o STJ decidira no sentido de ser devido o ISS no local da efetiva realização dos serviços, independentemente da situação do estabelecimento prestador, afastando, por completo, a aplicação do disposto na alínea "a" do artigo 12 do revogado Decreto Lei 406/1968, conforme Resp nº 41.867-4/RS, Resp 54.002-0/PE e outros.
Em tais decisões, os Ministros do STJ entenderam que: "Embora a Lei considere local da prestação dos serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto Lei nº406/68), ela pretende que o ISS pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador"( Resp 54.002-0).
Os Ministros entendiam que era o local da efetiva realização dos serviços que indicava a capacidade ativa para exigir o ISS e afirmavam ainda que "entender-se de outro modo é um contra-senso, eis que, se permitir que, um serviço realizado dentro das fronteiras de um Município, a outro se deferisse"( Resp 54.002-0).
Percebe-se que o STJ aplicou interpretação ao artigo que determinava a ocorrência do fato imponível no Município do estabelecimento da prestadora, de forma a transferir tal ocorrência ao local da efetiva execução dos serviços, interpretação repleta de coerência se considerado o texto do Decreto Lei 406/68, já que este, por uma deficiência, somente previa a efetiva ocorrência do fato gerador em local diverso ao do estabelecimento do prestador, nos casos de serviços de construção civil que, indubitavelmente, ocorre no local da obra.
Conforme poderá ser extraído do texto legal atualmente vigente, a Lei Complementar 116/2003, a interpretação que o STJ atribuíra ao Decreto Lei 406/68, é totalmente ultrapassada e não pode ser aplica nos dias de hoje, pois o legislador, quando da edição da Lei Complementar 116/2003, vislumbrou e listou taxativamente todas as hipóteses nas quais os serviços seriam considerados ocorridos em local diverso ao do estabelecimento do prestador.
V – Regra Matriz de Incidência do ISS na Lei Complementar 116 de 2003.
Dispõe a Lei Complementar 116 de 2003:
Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
(…)
Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:
(…)
Art. 5º O contribuinte é o prestador do serviço
Art. 8º As alíquotas máximas do Imposto Sobre Serviço de Qualquer natureza são as seguintes:
I – (vetado)
II – demais serviços, 5% (cinco por cento)
A leitura dos dispositivos acima transcritos no fornece a seguinte regra-matriz do ISS:
Critério Material: Prestação de serviços listados na lista anexa à Lei Complementar 116/2003.(Art. 1º).
Critério Temporal: Momento da prestação dos serviços. (Art. 1º).
Critério Espacial: Local da prestação dos serviços, considerado o domicílio do prestador como regra e o local da execução (Art.3º).
Critério Pessoal:
a) Sujeito Ativo: Município do local da prestação dos serviços, considerado como regra geral o domicílio do prestador (Art. 3º).
b) Sujeito Passivo: Prestador dos serviços (Art. 5º).
Critério Quantitativo:
a) Alíquota: Definida pela legislação de cada um dos Municípios, variando também pelo tipo de serviços, devendo ser observado o limite de 5% estipulado pelo inciso II do Artigo 8º da LC 116/2003.
b) Base de cálculo: Preço do serviço.
Nossa análise foca os critérios espacial e pessoal da regra matriz de incidência do ISS, especificamente dos serviços de assistência técnica e manutenção de equipamentos, na busca de um posicionamento coerente quando a definição do sujeito ativo da relação jurídico tributária para a exigência do ISS sobre tais serviços.
VI – A Definição do Critério Espacial na Lei Complementar 116/2003.
Sobre o critério espacial da hipótese de incidência do ISS, especificamente no que se refere à assistência técnica, podemos encontrar na lista de serviços, quando associada a o Artigo 3º da Lei Complementar, a disposição clara de que o ISS é devido ao Município no qual o prestador de serviços está estabelecido.
O Art. 3º da LC 116/2003 dispõe:
Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:
(…)
O artigo 3º da Lei Complementar 116/2003 define como regra geral para a identificação da ocorrência do fato imponível, o local do estabelecimento do prestador de serviços e estabelece exceções nas quais considera o fato imponível realizado em local diverso ao estabelecimento do prestador.
A definição do local da ocorrência do fato imponível é de extrema relevância econômica, já que a definição do sujeito ativo da relação jurídico tributária está estreitamente ligada ao local da ocorrência do fato imponível.
Verificadas todas as exceções do artigo 3º, é perceptível que os serviços de assistência técnica não são considerados exceções, portanto, o fato imponível dessa categoria de serviço considera-se ocorrido no estabelecimento do prestador dos serviços.
Infelizmente, alguns Municípios afrontam as disposições da Lei Complementar e inserem nas respectivas legislações que tratam sobre o ISS, a incidência do tributo sobre tais serviços no estabelecimento do tomador, exigindo inclusive que este faça a retenção dos valores supostamente devidos, utilizando-se do instituto da substituição tributária.
Esse é o cerne da questão, a sede de alguns Municípios por tributar, agregada ao vilipêndio à Lei Complementar 116/2003, fazendo com que estes tributem prestadores de serviços de assistência técnica estabelecidos fora de seus territórios e de suas jurisdições.
VII – A Lógica Legislativa Adotada pela Lei Complementar 116/2003, para Determinação do Local da Ocorrência do Fato Imponível.
Se analisado o artigo 3º da Lei Complementar 116/2003 com atenção, pode-se perceber que a lógica adotada pelo legislador, quando da elaboração do texto legal, foi deixar expresso, em uma lista taxativa, quais são os serviços cujo fato imponível não ocorre nos estabelecimento do prestador, levando-se em consideração todos os serviços que certamente seriam realizados em local diverso a este.
Podemos claramente perceber que, diferentemente do que ocorreu quando da edição do Decreto Lei 406/68, o legislador, na Lei Complementar 116/2003, buscou, taxativamente, esgotar os casos em que o ISS é devido em local diverso ao da situação do prestador, pela inclusão na lista dos serviços de: limpeza, vigilância, concretagem, segurança, instalação de andaimes, demolição, reflorestamento, serviços de guarda e estacionamento, carga e descarga, lazer e entretenimento, transporte de natureza municipal, feiras e exposições, etc.
Portanto, o legislador, quando da edição da Lei Complementar 116/2003 especificou todas as possibilidades e serviços os quais certamente não ocorreriam no estabelecimento do prestador, mas sim, do tomador ou em outro, devidamente previsto no diploma legal.
A postura do legislador, certamente foi evitar a enfadonha e já vivenciada discussão sobre a definição do Município ao qual deveria ser recolhido o ISS, o que teria feito com muita eficácia se não fosse a sede por arrecadar que Municípios, despreocupados com a economia e desenvolvimento das atividades empresarias, expressam nas respectivas normas que tratam sobre o ISS.
É mais do que claro o motivo que fez com que o legislador não incluísse os serviços de manutenção e assistência técnica na lista de serviços tributados em local diverso ao do estabelecimento do prestador, afinal, mesmo que o prestador envie seu técnico ao estabelecimento do tomador, para que verifique os defeitos do equipamento, a efetiva assistência técnica é executada no estabelecimento do próprio prestador, expliquemos.
Sempre que o técnico desloca-se ao estabelecimento de um cliente, ele substitui uma peça defeituosa por uma peça em bom estado de funcionamento para possibilitar que seu cliente (tomador dos serviços) regularize suas operações o quanto antes. Já a assistência técnica da peça defeituosa, retirada do equipamento do tomador, ocorre no estabelecimento do prestador, local onde possui todas as ferramentas e ambiente próprio para efetuar a efetiva correção do defeito apresentado na peça danificada.
Portanto, pode-se perceber que: (i) a lista de serviços tributados pelo Município diverso do que o prestador possui seu estabelecimento, é taxativa e engloba todas os serviços cuja efetiva realização ocorre no estabelecimento do cliente e que (ii) ainda que a lista não fosse taxativa, os serviços de assistência técnica não ocorrem no estabelecimento do tomador, mas sim do prestador.
VIII – Conclusão
Conforme se pode extrair das informações acima, os Municípios que, forçosamente, impõem a aplicação do superado entendimento do STJ, que tributa os serviços de assistência técnica nos Municípios em que estão estabelecidos os tomadores, acaba por inviabilizar as atividades de tal natureza.
Sem exceção, todos os prestadores de assistência técnica estão sujeitos à bitributação de suas atividades pelo ISS, já que os Municípios da situação dos tomadores, não só instituem a substituição tributária, como também lavram autos de infração contra os prestadores estabelecidos fora de seus territórios.
Entretanto, conforme demonstrado, não há que se falar em tributação de serviços de assistência técnica por Município que não seja o da situação do prestador, pois, a Lei Complementar 116/2003 é clara ao determinar que os serviços dessa natureza consideram-se realizados no estabelecimento do prestador e não do estabelecimento do tomador.
De qualquer forma, considerando a notória ignorância de alguns Municípios, que nem mesmo fundamentam as decisões relativas às impugnações apresentadas por contribuintes que sofrem o abuso da tributação indevida, não há outro caminho a não ser aguardar nova manifestação do STJ quanto ao local da realização dos serviços de assistência técnica, sob a regência da Lei Complementar 116/2003, para estancar a hemorragia de tais contribuintes que vêem suas atividades não mais lucrativas em decorrência do custo da bitributação do ISS a eles imposta.
Fernando Guido Okumura*