Os Livros contábeis e fiscais e as empresas optantes pelo Simples Nacional: Uma abordagem teórica sobre sua obrigatoriedade.
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Nesse estudo será levantado um tema que tem causado muito dúvida no setor contábil: AS MICROS E PEQUENAS EMPRESAS ESTÃO OBRIGADAS A ESCRITURAR O LIVRO DIÁRIO E A LEVANTAR ANUALMENTE SUAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS?
Quando se pretende indagar acerca das práticas contábeis adotadas no Brasil, o pesquisador deve, obrigatoriamente, discorrer sua pesquisa por diversos dispositivos legais vigentes no ordenamento jurídico nacional, como, por exemplo, a Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações), o Decreto-Lei nº 9.295/1946 (Cria o Conselho Federal de Contabilidade e define as atribuições do Contador), a Lei nº 11.638/2007 (Padronização nas normas contábeis brasileiras às internacionais), Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), entre outras.
Todavia, nos dias atuais, o trabalho do contador tem ultrapassado seu escopo principal, que é o estudo e o gerenciamento do patrimônio das entidades, avocando obrigações das mais diversas ordens, sobretudo aquelas de caráter eminentemente tributário. A consequência disso é que diversas atividades, até então estranhas ao trabalho essencial do profissional da contabilidade, têm adquirido status de “atividade contábil”, e é justamente neste contexto que se iniciam equívocos básicos, que, por serem reiteradamente praticados, tornam-se quase “normas não formais” da classe contábil.
Nesse estudo será levantado um tema que tem causado muito dúvida no setor contábil: AS MICROS E PEQUENAS EMPRESAS ESTÃO OBRIGADAS A ESCRITURAR O LIVRO DIÁRIO E A LEVANTAR ANUALMENTE SUAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS?
A previsão legal da obrigatoriedade dos livros contábeis vem dos artigos 1.179 a 1.195 do Código Civil, que tratam especificamente da escrituração das empresas comerciais:
“Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
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§ 2o É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.
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Art. 1.180. Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica.
…
Art. 1.184. No Diário serão lançadas, com individuação, clareza e caracterização do documento respectivo, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações relativas ao exercício da empresa.
…
2o Serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária.”
Conforme se depreende dos artigos acima transcritos, com a publicação do novo Código Civil de 2002, o legislador ordinário instituiu a obrigatoriedade, para todas as empresas comerciais, de seguir um sistema de contabilidade e levantar, anualmente, o balanço patrimonial, de resultado econômico e os demais livros previstos no artigo 1.189.
Entretanto, a previsão não é absoluta. Conforme o § 2º do artigo 1.179, a obrigatoriedade do empresário de seguir um sistema contábil não se aplicaria ao pequeno empresário mencionado no artigo 970 do mesmo dispositivo legal (“Artigo 970 do Código Civil: a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.”).
Percebe-se que o artigo 970 do Código Civil atribuiu ao legislador ordinário o mister de conceituar “empresário rural” e “pequeno empresário”, além de assegurá-los tratamento favorecido e diferenciado. A regulação do conceito de “pequeno empresário” veio por meio da Lei Complementar 123/2006, que, em seu artigo 68, assim dispôs:
“Art. 68. Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual até o limite previsto no § 1o do art. 18-A.”
Completando o citado dispositivo, o § 1º, artigo 18-A, Lei Complementar 123/2006 assim dispôs:
“§ 1o Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.”
Dessa forma, interpretando sistematicamente os artigos 1.179, § 2º; 970 do Código Civil e 18-A e 68 da Lei Complementar 123/2006, verifica-se que a dispensa da manutenção de um sistema de contabilidade e, consequentemente, de levantar anualmente o balanço patrimonial e de resultado econômico, é aplicável somente do Microempreendedor Individual – MEI. Todavia, não obstante a clara interpretação que deve ser dada aos dispositivos acima transcritos, tem havido no meio profissional contábil certa confusão a respeito da obrigatoriedade dos livros contábeis para as micros e pequenas empresas.
O equívoco generalizado tem sido fortemente defendido por diversos profissionais da área contábil. Segundo estes, a fundamentação legal estaria na interpretação sistemática dos artigos 26, da Lei Complementar 123/2006, e 61, da Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional nº 94/2011, que instituíram o rol de obrigações acessórias às quais as empresas do Simples Nacional estão submetidas, in verbis:
“Lei Complementar 123/2006 – Art. 26. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam obrigadas a:
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§ 2o As demais microempresas e as empresas de pequeno porte, além do disposto nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão, ainda, manter o livro-caixa em que será escriturada sua movimentação financeira e bancária.
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§ 4o As microempresas e empresas de pequeno porte referidas no § 2o deste artigo ficam sujeitas a outras obrigações acessórias a serem estabelecidas pelo Comitê Gestor, com características nacionalmente uniformes, vedado o estabelecimento de regras unilaterais pelas unidades políticas partícipes do sistema.
RCGSN nº 94/2011 – Art. 61. A ME ou EPP optante pelo Simples Nacional deverá adotar para os registros e controles das operações e prestações por ela realizadas: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 26, §§ 2 º e 4 º )
I – Livro Caixa, no qual deverá estar escriturada toda a sua movimentação financeira e bancária;
II – Livro Registro de Inventário, no qual deverão constar registrados os estoques existentes no término de cada ano-calendário, quando contribuinte do ICMS;
III – Livro Registro de Entradas, modelo 1 ou 1-A, destinado à escrituração dos documentos fiscais relativos às entradas de mercadorias ou bens e às aquisições de serviços de transporte e de comunicação efetuadas a qualquer título pelo estabelecimento, quando contribuinte do ICMS;
IV – Livro Registro dos Serviços Prestados, destinado ao registro dos documentos fiscais relativos aos serviços prestados sujeitos ao ISS, quando contribuinte do ISS;
V – Livro Registro de Serviços Tomados, destinado ao registro dos documentos fiscais relativos aos serviços tomados sujeitos ao ISS;
VI – Livro de Registro de Entrada e Saída de Selo de Controle, caso exigível pela legislação do IPI.
…
§ 3 º A apresentação da escrituração contábil, em especial do Livro Diário e do Livro Razão, dispensa a apresentação do Livro Caixa. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2 º , inciso I e § 6 º ).”
Nesse ponto, é necessário fazer as ponderações que demarcam as ramificações legais de cada um dos institutos jurídicos (obrigação comercial, imposta pelo Código Civil, e tributária, instituída pela Lei Complementar 123/2006 e pela RCGSN nº 94/2011). Para o bom entendimento, faz-se necessária a transcrição dos artigos 1º e 3º Lei Complementar 123/2006:
“Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:
I – à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;
II – ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;
III – ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.
…
Art. 3 º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e
II – no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).”
O primeiro ponto que deve ser ressaltado é que micro e pequena empresa, como definido no artigo 3º da Lei Complementar 123/2006, não são sinônimos de empresas optantes pelo Simples Nacional (Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte). Em outras palavras, o estabelecimento pode perfeitamente estar enquadrado no conceito de micro e pequena empresa, fazendo jus a todos demais benefícios abarcados pela Lei Complementar 123/2006, como, por exemplo, preferência em certames licitatórios (art. 1º, III, da Lei Complementar 123/2006), sem, todavia, usufruir do Regime Unificado de Recolhimento de Tributos e Contribuições, previsto no inciso I, artigo 1º, da Lei Complementar 123/2006. Um exemplo emblemático desta situação seria a empresa que, a despeito de auferir receitas em valor inferior à R$ 3.600.000,00, apresentasse débitos fiscais juntos aos Entes federativos ou que se enquadrasse em umas das situações impeditivas previstas no artigo 17 da Lei Complementar 123/2006.
Dessa forma, a partir do momento em que a micro ou pequena empresa opta pelo Simples Nacional, nasce uma obrigação acessória, de cunho puramente tributário, de manter o livro-caixa.
Perceba que o instituto jurídico que atribui a obrigação dos livros contábeis não está na Lei Complementar 123/2006, e sim no Código Civil, pois, a partir do momento que o empresário pratica atividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços, passa a contrair a obrigação legal de escriturar seus livros e de levantar suas demonstrações contábeis.
É fácil perceber que as obrigações coexistem no ordenamento jurídico: a primeira, de cunho comercial, produz fé pública às informações patrimoniais junto a terceiros; a segunda tem por objeto uma prestação positiva no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º, do CTN). Em outras palavras, NÃO SE ESTÁ ATRIBUINDO CARÁTER DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA AOS LIVROS CONTÁBEIS, MAS, TÃO SOMENTE, DISPENSANDO A ESCRITURAÇÃO DO LIVRO-CAIXA (ESSE, SIM, OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA), SE, E SOMENTE SE, A EMPRESA CUMPRE COM AS EXIGÊNCIAS IMPOSTAS PELA LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
Segundo Coelho (2007), os Livros empresariais são aqueles cuja escrituração poderá ser obrigatória ou facultativa, em virtude da legislação comercial. Porém, segundo o autor, além destes últimos, o empresário também poderá estar obrigado a escriturar outros livros, não mais por causa do direito comercial, e sim, por força de legislação de natureza tributária, trabalhista ou previdenciária.
Outro artigo de suma importância é 27, da Lei Complementar 123:
“Art. 27. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, conforme regulamentação do Comitê Gestor.”
Como se observa, trata-se de uma forma alternativa de escrituração, denominada pela Lei Complementar 123 e pelo RCGSN nº 94/2011 de “contabilidade simplificada”. O pleito é compreensível, sobretudo porque, tendo em vista o porte das empresas que normalmente optam pelo Simples Nacional, obrigá-las a manter uma contabilidade nos moldes tradicionais talvez pudesse inviabilizar a manutenção dos registros contábeis, contrariando, diametralmente, a tentativa de dispor de um tratamento diferenciado e favorecido a essas empresas, conforme definido na CF88 (art. 146, III, “d”) e na própria Lei Complementar 123/2006 (art. 1º).
Diante desse cenário e tendo em vista a atribuição dada ao Conselho Federal de Contabilidade pelo artigo 65 da RCGSN nº 94/2011 (Art. 65. A ME ou EPP optante pelo Simples Nacional poderá, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, atendendo-se às disposições previstas no Código Civil e nas Normas Brasileiras de Contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade. ), foi publicada a Resolução RESOLUÇÃO CFC Nº 1.115, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2007, estabelecendo os critérios e procedimentos específicos a serem observados quando as micros e pequenas empresas optam pela escrituração contábil “simplificada”. Segundo esse dispositivo:
“7 A microempresa e a empresa de pequeno porte devem elaborar, ao final de cada exercício social, o Balanço Patrimonial e a Demonstração do Resultado, em conformidade com o estabelecido na NBC T 3.1, NBC T 3.2 e NBC T 3.3.
8 É facultada a elaboração da Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados, da Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido, da Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos e das Notas Explicativas, estabelecidas na NBC T 3.4, NBCT 3.5, NBCT 3.6 e NBC T 6.2.
9 O Balanço Patrimonial e a Demonstração do Resultado devem ser transcritos no Livro Diário, assinados por profissional de contabilidade legalmente habilitado e pelo empresário, conforme dispõe a NBC T 2, item 2.1.4.
Conforme o item 9 acima transcrito, a “contabilidade simplificada” deveria seguir os ditames previstos na NBC T 2.1 – Das Formalidades da Escrituração Contábil, conforme abaixo transcrito:
2.1.3 – A escrituração contábil e a emissão de relatórios, peças, análises e mapas demonstrativos e demonstrações contábeis são de atribuição e responsabilidade exclusivas do Contabilista legalmente habilitado.
2.1.4 – O Balanço e demais Demonstrações Contábeis, de encerramento de exercício serão transcritos no “Diário”, completando-se com as assinaturas do Contabilista e do titular ou de representante legal da Entidade. Igual procedimento será adotado quanto às Demonstrações Contábeis, elaboradas por força de disposições legais, contratuais ou estatutárias.
2.1.5 – O “Diário” e o “Razão” constituem os registros permanentes da Entidade”
Em 22/03/2011, a RESOLUÇÃO CFC Nº 1.115 foi revogada pela RESOLUÇÃO CFC Nº 1.330, que manteve inalteradas as exigências já previstas nos dispositivos elencados, conforme abaixo transcritos:
1. Esta Interpretação estabelece critérios e procedimentos a serem adotados pela entidade para a escrituração contábil de seus fatos patrimoniais, por meio de qualquer processo, bem como a guarda e a manutenção da documentação e de arquivos contábeis e a responsabilidade do profissional da contabilidade.
2. ESTA INTERPRETAÇÃO DEVE SER ADOTADA POR TODAS AS ENTIDADES, INDEPENDENTE DA NATUREZA E DO PORTE, na elaboração da escrituração contábil, observadas as exigências da legislação e de outras normas aplicáveis, se houver.
…
9. Os livros contábeis OBRIGATÓRIOS, entre eles o LIVRO DIÁRIO E O LIVRO RAZÃO, em forma não digital, devem revestir-se de formalidades extrínsecas, tais como:
• serem encadernados;
• terem suas folhas numeradas sequencialmente;
• conterem termo de abertura e de encerramento assinados pelo titular ou representante legal da entidade e pelo profissional da contabilidade regularmente habilitado no Conselho Regional de Contabilidade.
…
13. AS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS DEVEM SER TRANSCRITAS NO LIVRO DIÁRIO, COMPLETANDO-SE COM AS ASSINATURAS DO TITULAR OU DE REPRESENTANTE LEGAL DA ENTIDADE E DO PROFISSIONAL DA CONTABILIDADE LEGALMENTE HABILITADO.”
Por fim, reforçando a obrigatoriedade de manutenção de um sistema de contabilidade e de levantamento das demonstrações contábeis pelas micros e pequenas empresas (independentemente se são ou não optantes pelo Simples Nacional) , o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC¹, publicou o Pronunciamento Técnico PME – Contabilidade para pequenas e médias empresas. Segundo o item 3.17, o conjunto completo de demonstrações contábeis aos quais as pequenas e médias empresas estão sujeitas é:
“(a) balanço patrimonial ao final do período;
(b) demonstração do resultado do período de divulgação;
(c) demonstração do resultado abrangente do período de divulgação. A demonstração do resultado abrangente pode ser apresentada em quadro demonstrativo próprio ou dentro das mutações do patrimônio líquido. A demonstração do resultado abrangente, quando apresentada separadamente, começa com o resultado do período e se completa com os itens dos outros resultados abrangentes;
(d) demonstração das mutações do patrimônio líquido para o período de divulgação;
(e) demonstração dos fluxos de caixa para o período de divulgação;
(f) notas explicativas, compreendendo o resumo das políticas contábeis significativas e outras informações explanatórias.”
Por fim, devido à importância do assunto ora em questão, torna-se essencial a transcrição do Relatório da Câmara Técnica do CFC nº 126/2006 que, mesmo indiretamente, ressaltou a obrigatoriedade da escrituração dos livros contábeis:
“RELATÓRIO DA CÂMARA TÉCNICA N.º 126/06.
Origem: Conselho Federal de Contabilidade.
Interessado: Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo, Contador Domingos Orestes Chiomento, Vice-presidente de Fiscalização.
Assunto: NBC T 2.1 – Das Formalidades da Escrituração Contábil.
…
1) O Livro Diário é um livro de exigência obrigatória para a escrituração comercial e contábil das Empresas e, seu registro em órgão competente, é condição legal e fiscal como elemento de prova;
2) A exigência legal do Livro Diário data desde a edição do Código Comercial (25/06/1850), atualmente recepcionado pela Lei nº 10.406/02, tanto para a sua escrituração quanto para sua autenticação e registro em órgão competente;
3) O Decreto Lei nº 486/69 e o Decreto nº 64.576/69 estabelecem que se os empresários não tiverem os livros obrigatórios escriturados e registrados, a eventual falência será considerada fraudulenta e o Livro Diário é o instrumento de prova em juízo, perante qualquer entidade;
…
5) O artigo 181, da mesma Lei nº 10.106/02, estabelece que “salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postas em uso, devem ser autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis”; (grifo nosso);”
…
Portanto, ao nosso sentir, cabe ao Contabilista, visando se resguardar perante o seu cliente/contratante e considerando sua condição de gestor do contrato de prestação de serviços, a previsão quanto aos procedimentos a serem adotados para o regular e obrigatório registro do Livro Diário nos órgãos competentes.” (grifo nosso)”
Contadora Verônica Cunha de Souto Maior
Relatora
Aprovado
Em 28/7/2006 Ata Plenária nº 889″
Pelo acima exposto, percebe-se que o Conselho Federal de Contabilidade tem se posicionado firmemente acerca da obrigatoriedade de escrituração e autenticação dos livros contábeis.
Por fim, cabe ressaltar que, visando garantir segurança jurídica nos livros contábeis não digitais apresentados ao Fisco, em perfeita consonância com o que até aqui foi exposto, a Diretoria de Administração Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina publicou, 21 de março de 2014, o ATO DIAT nº 11/2014, que, em seu artigo 1º, traz o seguinte preceito:
“Art. 1º Para fins de comprovação das operações, prestações e movimentações contábeis do respectivo exercício financeiro, com vistas a produzir os efeitos tributários dele decorrentes, poderá ser aceita a escrituração do Livro Diário autenticado em data posterior ao movimento das operações nele lançadas, desde que o registro dos lançamentos e a autenticação nos órgãos competentes tenham sido promovidos antes da data de início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização.”
Outro ponto que tem levantado dúvida junto à classe contábil, e até mesmo nos órgãos fazendários, é a obrigatoriedade da empresa optante pelo Simples Nacional apresentar os livros contábeis quando requeridos pelas autoridades fazendárias.
O Principal argumento seria que o artigo 61 da Resolução nº 94/2011 preteriu, no o rol de obrigações tributárias acessórias instituídas pelo Comitê Gestor do Simples Nacional, os livros contábeis (Diário e Razão). Entretanto, tal imprecisão não deve prosperar, na medida em que o arcabouço jurídico pátrio possui diversos dispositivos legais que garantem ao Fisco, dentro de suas prerrogativas, examinar livros e documentos que tenham relação, direta ou indireta, com o fato gerador do tributo.
O primeiro pode ser extraído diretamente do Código Civil, no mesmo Capítulo dedicado à escrituração Comercial:
“Art. 1.190. Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei
…
Art. 1.193. As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais.”
O artigo 1.191 prevê que nenhuma autoridade pública poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei, exceto os casos expressamente previstos em Lei.
Segundo Maria Helena Diniz, o artigo 1.191 traz o princípio do sigilo dos livros comerciais, que visa garantir a inviolabilidade das informações comerciais, tendo em vista que, estando em disposição de terceiros, poderia haver violação de dados importantes que são pertinentes somente ao empresário, acarretando vantagens desleais, conhecimentos da movimentação da empresa e suas estratégias, mesmo que não tão visíveis, trazendo êxito para quem as detêm.
Contudo, o artigo 1.193 deixou claro que as restrições previstas ao exame da escrituração do empresário não se aplicam às autoridades fazendárias, quando no exercício da fiscalização do correto pagamento dos tributos devidos.
Da mesma forma, o artigo 195 do Código Tributário Nacional previsão expressa de acesso aos livros comerciais por parte das autoridades tributárias. Segundo o dispositivo:
“Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.
Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram.”
Para Rocha (2007), o citado artigo 195 do CTN prevê que as autoridades fiscais têm o direito de examinar – e os comerciantes, industriais e produtores têm a obrigação de exibir – todos os livros, mercadorias, documentos, arquivos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais. Complementa o autor:
Aplica-se o art. 1.193 do Código Civil. Ou seja, o sigilo dos negócios ou da situação financeira do comerciante sede em prol do interesse público da eficaz fiscalização tributária.
Para Alexandre (2008), o disposto no artigo 195 do CTN é decorrência lógica do artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, que autoriza a Administração Tributária a entrar na intimidade econômica dos contribuintes, desde que respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, mediante a identificação dos respectivos patrimônios, rendimentos e atividades econômicas. Tudo isso como forma de promover a justiça fiscal, dando máxima eficácia aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária. Para Carvalho (2003):
“… o comando não encerra conteúdo de autorização: é uma imposição inafastável do “dever” que a lei atribui aos agentes da administração tributária, e se reflete num desdobramento do princípio da supremacia do interesse público ao do particular. Não pode, portanto, sofrer embargos ou enfrentar obstáculos que não os próprios limites crivados na Constituição, no catálogo dos direitos e garantias individuais. Deve a fiscalização, por outro lado, ficar adstrita aos elementos de interesse, não podendo extravasar a sua competência administrativa.”
Conforme se depreende acima, o princípio do sigilo dos livros comerciais, bem como de documentos que corroboraram os fatos contábeis neles escriturados não podem ser incompatíveis com o interesse do Fisco, devendo a empresa ou o contador mantê-los até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram (Art. 195, Parágrafo único – CTN).
Um ponto que deve ser cuidadosamente observado é que o parágrafo único do artigo 195 elenca somente os “livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal”. Quanto a estes últimos, não há que se falar em sigilo perante o Fisco e, sempre que requisitados, deverão ser apresentados, sob pena de configurar embaraço à fiscalização ou até mesmo crime (art. 1º, inciso V, da Lei Federal nº 8.137/1990).
Contudo, concomitantemente aos livros obrigatórios, existem aqueles de escrituração facultativa, garantindo ao contribuinte a escolha de mantê-los ou não. Dessa forma, a decorrência lógica é que, caso o contribuinte não proceda à escrituração dos livros opcionais, não há de ser falar em obrigatoriedade de apresentá-los. Todavia, se optou por escriturá-los, o sujeito passivo não pode se negar em apresentá-lo, sob pena de contrariar literalmente o caput artigo 195 do CTN.
Por fim, no âmbito jurisprudencial, a obrigatoriedade de apresentação dos livros comerciais está pacificada, conforme se extrai literalmente da súmula 439 do Supremo Tribunal Federal:
“Sumula 439 STF – Estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto de investigação.”
Dessa forma, resta afirmar: as micros e pequenas empresas, independentemente se optantes ou não pelo sistema unificado de recolhimento de tributos previsto no Simples Nacional, estão OBRIGADAS, pela legislação comercial (artigos 1.179 a 1.195 do Código Civil), a manter um sistema de contabilidade e levantar, anualmente, o balanço patrimonial, de resultado econômico e os demais livros previstos no artigo 1.189, com exceção do Microempreendedor Individual – MEI, que está legalmente dispensado, conforme os artigos 1.179, § 2º, e 970 do Código Civil e 18-A e 68 da Lei Complementar 123/2006, sem prejuízo das demais obrigações tributária acessórias, de cunho estritamente Fiscal, definidas pelo Comitê Gestor do Simples Nacional, nos termos dos artigos 2º, inciso I e § 6º e 26, § 4º, da Lei Complementar 123/2006.
Ademais, interpretando de forma sistemática os artigos 1.193, do Código Civil; 195 do CTN; 145, § 1º, da Constituição Federal e a Súmula 439 do Supremo Tribunal Federal, extrai-se que, para um bom andamento do trabalho fiscal, a Administração Tributária pode e deve ter acesso a livros e documentos fiscais e comerciais que por ventura tenham relação, direta ou indireta, com o crédito tributário devido. Entretanto, a atividade arrecadatória do Estado não pode ser uma “caça às bruxas”, devendo sempre pautar-se na legalidade e, sobretudo, respeitando os direitos individuais do contribuinte, corolário necessário a um Estado de Direito.