Multa Administrativa: É Cabível o Redirecionamento da Execução Fiscal para o Sócio?
Publicado em:
Luiz Cláudio Barreto Silva*
. Introdução
A execução fiscal ajuizada contra a pessoa jurídica de direito privado, em muitos casos, é redirecionada, a pedido do credor, para os seus gerentes ou representantes legais. Esse redirecionamento se dá quando evidenciada prática pelo componente do quadro social da executada, e com cargo de gerência, de atos que evidenciem dolo, infringência à lei ou ao contrato. Ocorre, ainda, dentre outras situações, nas hipóteses de dissolução irregular da sociedade.
É certo, discutiu-se muito, e ainda se discute, tormentosa questão. Ela diz respeito à inadimplência. Configuraria a inadimplência ato enquadrável em situações tidas como de dolo, infringência à lei ou ao contrato justificadoras do redirecionamento da execução fiscal para o sócio? A jurisprudência, por longos anos vacilante, nos últimos tempos optou por entender que não, vale dizer, o mero inadimplemento não se confunde com os atos ensejadores do redirecionamento da execução fiscal para o sócio.
No entanto, apesar de instigante o tema abordado não tópico anterior, e que será objeto de abordagem em outra oportunidade, não é ele o foco deste trabalho. É que o presente estudo será delimitado à possibilidade ou não do redirecionamento da execução fiscal para o sócio fundada na legislação tributária, na hipótese de multa administrativa.
O estudo tem com objetivo, em seu plano geral, a identificação de situações por meio das quais, a pedido do credor, em execuções fiscais de multas administrativas, a ação foi redirecionada para o sócio. Objetiva, ainda, identificar a solução apresentada pelos Tribunais e seus respectivos fundamentos.
No plano especial, e à luz das informações obtidas por meio da análise do posicionamento dos Tribunais, responder, sem, evidentemente pretender esgotar o tema, às seguintes indagações: na execução fiscal de multa administrativa é admissível o redirecionamento da ação para o sócio? Qual o fundamento legal adotado para a pretensão do referido redirecionamento? Essa pretensão tem encontrado acolhida nos Tribunais? Qual o entendimento predominante na jurisprudência?
II. Dispositivos legais que interessam ao estudo
A pretensão ao redirecionamento é fundada pelo credor no artigo 135, II, do Código Tributário Nacional, que tem a seguinte redação:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.. (1)
Com relação ainda ao Código Tributário Nacional a matéria é disciplinada nos artigos 121, I e II e 123, o que se constata do conteúdo dos referidos dispositivos:
Art. 121 – Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa em lei.
Art. 122 – Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto.
A possibilidade de redirecionamento encontra-se também disciplinada no artigo 4º, da Lei de Execução Fiscal, como se extrai da redação do dispositivo legal supramencionado:
Art. 4 – A execução fiscal poderá ser promovida contra:
I – o devedor;
II – o fiador;
III – o espólio;
IV – a massa;
V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias, ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e.
VI – os sucessores a qualquer título.
Parágrafo primeiro – Ressalvado o disposto no artigo 31, o síndico, o comissário, o liquidante, o inventariante e o administrador, nos casos de falência, concordata, liquidação, inventário, insolvência ou concurso de credores, se, antes de garantidos os créditos da Fazenda Pública, alienarem ou derem em garantia quaisquer dos bens administrados, respondem, solidariamente, pelo valor desses bens.
Parágrafo segundo – À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.
Parágrafo terceiro – Os responsáveis inclusive as pessoas indicadas no parágrafo primeiro deste artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida.
Parágrafo quarto – Aplica-se à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza não-tributária o disposto nos artigos 186 e 188 a 192 do Código Tributário Nacional.
No Código de Processo Civil, merece transcrição o artigo 568 e seus respectivos incisos, nos seguintes termos:
Art. 568 – São sujeitos passivos na execução:
I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo;
II – o espólio, os herdeiros ou os sucessores do devedor;
III – o novo devedor, que assumiu, com o consentimento do credor, a obrigação resultante do título executivo;
IV – o fiador judicial;
V – o responsável tributário, assim definido na legislação própria.
III. O posicionamento da jurisprudência favorável ao redirecionamento
Entendimentos há, embora não predominantes, voltados para a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal para o sócio, apesar de hipótese de multa administrativa, o que se constata de precedente da relatoria do Juiz Valdemar Capeteletti, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, invocando, para tanto, preceitos do Código Comercial Brasileiro(2) e do artigo 4º, inciso V, da Lei 6830/80(3), nos seguintes termos:
"ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO DECORRENTE DE MULTA ADMINISTRATIVA. REDIRECIONAMENTO A REPRESENTANTE LEGAL. A Lei n. 6.830/80, em seu art. 4º, inc. V, quando autoriza a promoção da execução fiscal contra "o responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado", encontra amparo tanto na legislação comercial como na tributária".(4)
IV. O posicionamento da jurisprudência contrária ao redirecionamento
O entendimento predominante, no entanto, nos Tribunais, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, é no sentido de que o redirecionamento da execução fiscal, previsto no artigo 135, do Código Tributário Nacional, não tem o alcance pretendido pelo fisco. Ele deve limitar-se às execuções fiscais relativas às obrigações de natureza tributária, não se estendendo às obrigações de natureza administrativa.
Nessa linha de entendimento, precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Castro Meira, com fragmento de ementa nos seguintes termos:
""TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À CLT. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. 1. O redirecionamento ao sócio-gerente inserto no artigo 135 do Código Tributário Nacional restringe-se às obrigações de natureza tributária".(5) (Negritou-se).
No mesmo sentido, o posicionamento da Ministra Eliana Calmon, em precedente assim ementado:
"O art. 135, III do CTN responsabiliza pessoalmente os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado apenas pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias, não sendo aplicável, portanto, no caso de cobrança de multa por infração à CLT".(6) (Negritou-se).
Em idêntica perspectiva, precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da relatoria do Juiz Amaury Chaves de Athayde, com a seguinte ementa:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL POR MULTA TRABALHISTA. INCLUSÃO DE SÓCIO DA EMPRESA EXECUTADA NO PÓLO PASSIVO DA DEMANDA – INVIABILIDADE. Não cabe incluir o sócio da empresa executada no pólo passivo da demanda fiscal, quando o débito não tenha origem tributária, sob pena de criação de hipótese de responsabilidade e obrigação por mera interpretação, o que está vedado pelo princípio constitucional da legalidade". (7)
V. Considerações finais
À luz da legislação e posicionamentos jurisprudenciais nota-se que o entendimento converge para a inadmissibilidade de ampliação do disposto no artigo 135 do Código Tributário Nacional para estendê-lo às obrigações que não tenham natureza tributária, como acontece com as multas administrativas. É esse o entendimento doutrinário jurisprudencial predominante. Por conseguinte, em se tratando de execução fiscal, por meio da qual pretenda o fisco a satisfação de crédito advindo de multa de natureza administrativa, não há que falar-se em redirecionamento da ação para sócio, pois ausente permissivo legal para tanto.
Notas
(1) BRASIL. Lei n. 5.172, De 25 nov. 1966. Denominado Código Tributário Nacional. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm. Acesso em: 06 out.2006.
(2) BRASIL. LEI n. 556, DE 25 DE JUNHO DE 1850. Código Comercial Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0556-1850.htm. Acesso em: 05 out.2006.
(3)BRASIL. Lei n. 6.830, de 22 set.1980.
Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6830.htm. Acesso em: 05 out.2006.
(4) TRF. 4ª Região. Ag. 79347. Relator: Juiz Valdemar Capeteletti. Disponível
(5) STJ. Resp. 408.618. Relator: Min. Castro Meira.
(6) STJ. Resp. 414.602. Relatora: Min. Eliana Calmon.
(7) TRF. 4ª Região. Ag. 75196. Relator: Juiz AMAURY CHAVES DE ATHAYDE.
Luiz Cláudio Barreto Silva*
Texto publicado originalmente no Jus Navigandi (www.jus.com.br), reproduzido mediante permissão expressa do site e de seu autor. |