MP nº 449/08 e Lei nº 11.941/09 – Inconstitucionalidade do novo “fato gerador” das contribuições previdenciárias devidas pelo empregador
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Diego Aubin Miguita
Acadêmico de Direito – 5º ano – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Monitor da Disciplina Direito Tributário I na PUC/SP
As inovações e alterações trazidas pela Medida Provisória nº 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, há algum tempo vêm sendo objeto de análise de tributaristas e, em alguns casos, do Poder Judiciário.
Sem prejuízo das demais – e não menos importantes, é bom que se diga – questões trazidas no bojo da referida Medida Provisória, trataremos, em breves linhas, de uma significativa alteração normativa que, a nosso ver, é de constitucionalidade duvidosa, e já se mostra presente em decisões do Poder Judiciário.
O artigo 195, I, "a", da Constituição Federal, determina que a Seguridade Social será financiada, dentre outros instrumentos, por meio de contribuição social devida pelo empregador, incidente sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Note-se que a hipótese de incidência – constitucionalmente estabelecida, repise-se – de tal contribuição é a folha de salário, pagamento ou crédito de rendimentos do trabalho à pessoa física.
Ocorre que, com a edição da Lei nº 11.941/09, que manteve a inclusão do § 2o ao artigo 43 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, feita pela MP nº 449/08, buscou o legislador atribuir nova hipótese de incidência para a contribuição em comento, estabelecendo que "considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço". Ressalte-se que tal disposição se encontra dentro do contexto de ações trabalhistas que resultem em pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária
Lição fundamental do Direito é que toda legislação infraconstitucional (e.g. a lei ordinária) deve encontrar o seu fundamento de validade na CF, guardando obediência e harmonia com os ditames ali prestigiados, sob pena de se tornar inválida.
Desta forma, qualquer que seja a sua natureza – ordinária ou complementar – a lei deve trilhar fielmente os caminhos traçados na Carta Magna, o que se aplica, por evidente, à matéria tributária, daí porque se mostra incompatível o novel § 2o do artigo 43 da Lei nº 8.212/91 com o artigo 195, I, "a", da CF.
Ora, se a letra constitucional – norma superior que é – fala em "folha de salário, pagamento ou crédito", poderia a legislação infraconstitucional estabelecer, como fato gerador, o ato de prestar serviços?
A resposta negativa à questão acima formulada é instintiva. Contudo, como já é de costume, o "instinto" do legislador infraconstitucional se volta à criação normas em benefício do Estado sem maiores cautelas em sua formulação, deixando a cargo do Poder Judiciário eventual correção que se fizer necessária. Em matéria tributária, particularmente, percebe-se tal comportamento de modo reiterado, implicando a majoração da carga tributária de modo inconstitucional/ilegal, acúmulo demasiado de demandas em nossos Tribunais, com tempo de disputa a perder de vista.
Sabe-se, não é demais registrar, quão tortuosa é via de defesa do contribuinte, a suportar todos os ônus decorrentes da lavratura de autuação, inscrição em Dívida Ativa, Execução Fiscal, prestar garantia em juízo quando executado, necessidade de Certidão Negativa de Débitos para licitações etc.
Esta faceta irresponsável de nosso legislador (a de criar/modificar exações sem o rigor que a ordem constitucional exige e, no caso, referendar a inovação do Poder Executivo) já se mostra presente em diversas decisões proferidas na Justiça do Trabalho, que tem competência para executar as contribuições previdenciárias decorrentes de sentença condenatória ou homologatória de acordo de sua competência(1). Veja-se, como exemplo, uma das pioneiras, quando da edição da MP nº 449/08:
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DEVIDAS EM FACE DE AÇÃO TRABALHISTA. ÉPOCA DO RECOLHIMENTO. Segundo o § 3º do art. 43 da Lei 8.212/91, introduzido pela MP 449, de 3.12.08, nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, esta será apurada mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes, relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser feito até o dia dez do mês seguinte ao da liquidação da sentença.( TRT 3ª Região, Processo nº 00521-2006-048-03-00-4, Quinta Turma, 31/3/2009)
Como se pode notar, a nova hipótese de incidência das contribuições previdenciárias, trazida pela MP nº 449/08 e mantida pela Lei nº 11.941/09, tem sido abraçada pelos Tribunais Regionais do Trabalho, o que representa um aumento significativo da carga fiscal incidente em eventual êxito do reclamante(2).
Entretanto, entendemos que tal previsão, por fugir às hipóteses traçadas na Constituição Federal, deve ser declarada inconstitucional, visto que a mera prestação de serviços, isoladamente considerada, não pode se consubstanciar em fato gerador da contribuição prevista no artigo 195, I, "a", sem que haja o correspondente reflexo na folha salarial, crédito ou pagamento à pessoa física que o prestou.
Corroborando a tese de inconstitucionalidade do disposto no § 2o do artigo 43 da Lei nº 8.212/91, vale mencionar o voto, acompanhado à unanimidade pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal(3), proferido no Recurso Extraordinário 569.056-3/PA, que, a despeito de não cuidar especificamente deste artigo, examinou a questão que ora se põe em debate:
"(…) Em verdade, a conclusão a que chegou a decisão no sentido de que o fato gerador é a própria constituição da relação trabalhista inova em relação ao que foi previsto na lei e até na Constituição. Segundo o inciso I, ‘a’, do art. 195, a contribuição social do empregador incide sobre ‘a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, com ou sem vínculo empregatício’.(…) Ora, seja semanal, quinzenal ou mensal, a folha de salários é emitida periodicamente, e periodicamente são pagos ou creditados os rendimentos do trabalho. É sobre essa folha periódica ou sobre essas remunerações periódicas que incide a contribuição. E por isso ela é devida também periodicamente, de forma sucessiva, seu fato gerador sendo o pagamento ou creditamento do salário. Não se cuida de um fato gerador único, reconhecido apenas na constituição da relação trabalhista. Mas tampouco se cuida de um tributo sobre o trabalho prestado ou contratado, a exemplo do que se dá com a propriedade ou o patrimônio, reconhecido na mera existência da relação jurídica. (…) Como sabido, não é possível, no plano constitucional, norma legal estabelecer fato gerador diverso para a contribuição social de que cuida o inciso I, ‘a’, do artigo 195 da Constituição Federal. (RE 569056, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-236 DIVULG 11-12-2008 PUBLIC 12-12-2008 EMENT VOL-02345-05 PP-00848 RDECTRAB v. 16, n. 178, 2009, p. 132-148) (Grifado)
O entendimento esposado neste julgado nos leva a crer que esta nova previsão de ocorrência do fato gerador não resistirá aos primeiros questionamentos de sua constitucionalidade no Poder Judiciário.
Neste ponto, cabe registrar que, em relação ao momento que deve ser considerado ocorrido o fato gerador, diferente não é o que dispõe o artigo 276 do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social), ao determinar que "nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença."
Por evidente, com base no artigo 195, I, "a", da CF, bem como no artigo 276 do Regulamento da Previdência Social, tem-se que o fato gerador das contribuições previdenciárias devida pelo empregador, quando de decisão trabalhista que resulte em pagamentos de direitos a elas sujeitos, somente poderá ser reconhecido no ato do crédito ou pagamento. Vale dizer, desde o momento em que o valor for tiver de ser colocado à disposição do reclamante em juízo ou a efetiva entrega dos valores..
Mas não é só. Além de acatarem esta nova previsão de hipótese de incidência para as contribuições previdenciárias, há decisões que a consideraram para fatos anteriores à edição da MP 449/08, o que se mostra igualmente incompatível com a Constituição federal, notadamente com o artigo 150, III, "a", pelo qual é vedado a cobrança de tributos "em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado" (Princípio da Irretroatividade da Lei Tributária).
Deste modo, apenas a título de argumentação, na hipótese de se entender constitucional a disposição ora questionada, entendemos que, nos processos já em curso, não poderá ser aplicada, mas tão-somente a prestações de serviços posteriores à edição da MP 449/08.
A favor dos contribuintes, nesta questão, grande parte dos julgados, a despeito de levarem em consideração a inovação da MP 449/08, reconheceu que os seus efeitos somente poderiam alcançar prestações de serviços posteriores à sua edição, isto é, dia quatro de dezembro de 2008.
Portanto, em resumo, há bons argumentos para se alegar a inconstitucionalidade do no § 2o do artigo 43 da Lei nº 8.212/91. De igual modo, em sendo acatada a sua obediência à CF, há argumentos para se defender a limitação de sua aplicação no tempo, de forma a abranger apenas as prestações de serviços posteriores a quatro de dezembro de 2008.
Cumpre mencionar, por fim, que, recentemente, foi veiculada na mídia especializada que o Órgão Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo) irá apreciar o mérito do novel dispositivo introduzido pela MP nº 449/08, por conta de questionamentos de empresas que foram obrigadas ao recolhimento de juros e multa desde a data da prestação do serviço. Espera-se que esta decisão seja favorável ao contribuinte, servindo de paradigma para os demais Tribunais Regionais Federais.
Notas
(1) Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (…) VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(2) Conforme artigo publicado no Valor Econômico, o aumento pode chegar a 89%, segundo levantamento do Coordenador-geral de cobrança e recuperação de créditos da Procuradoria-Geral Federal (PGF), Albert Caravacas: "As empresas que forem condenadas pela Justiça do trabalho a pagar contribuições previdenciárias não recolhidas na época em que o ex-empregado ainda trabalhava nelas passaram a ter que pagar cerca de 89% a mais do tributo.."
(3) Cf. decisão: "O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, desproveu o recurso. Em seguida, o Tribunal, por aioria, aprovou proposta do Relator para edição de súmula vinculante sobre o tema, e cujo teor será deliberado nas próximas sessões, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que reconhecia a necessidade de encaminhamento da proposta à Comissão de Jurisprudência. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Celso de Mello, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Falou pela Advocacia-Geral da União o Dr. Marcelo de Siqueira Freitas, Procurador-Geral Federal. Plenário, 11.09.2008."