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Fundo de comércio adquirido na combinação de negócios (goodwill)

Publicado em:

Jeferson Roberto Nonato
Graduado pela EASP/FGV. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil aposentado com especialidade no sistema financeiro. Instrutor da ESAF. Consultor tributário com especialidade no IRPJ.

Introdução

Dois empresários se encontram e um deles pergunta: Então, soube que você vendeu a empresa X; o ágio foi compensador? Responde o indagado: foi muito compensador.

Neste diálogo se pode perceber que a terminologia ágio está sendo empregada para indicar à diferença entre o valor contábil da empresa (valor contábil do patrimônio líquido) e o valor da transferência do controle societário da entidade negociada. O comprador e o vendedor usaram a terminologia ágio em sua acepção leiga, sem se preocuparem com a significância jurídica do termo ágio.

Agora surge entre nós uma nova figura jurídica que recebeu a denominação de ATIVO INTANGÍVEL – Lei nº 11.638 de 28 de dezembro de 2.007, art. 1º que alterou a redação do art. 179 da Lei nº 6.404/76-. Segundo a modificação de ordem legal, têm-se que o novo grupo contábil de contas deverá reunir "os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido."

Expressamente a lei ordenou a inclusão do "Fundo de Comércio Adquirido" no grupo de contas que irá abrigar os ativos intangíveis – direitos adquiridos passíveis de serem identificados, mensurados, reconhecidos, alienados ou ajustados contabilmente pelo impairment test-. Entretanto, foi silente quanto à hipótese de ocorrência fática do fenômeno jurígeno.

De pronto, não se sabe se o legislador estaria se manifestando no sentido de que toda a diferença, a maior, paga pelo adquirente ao vendedor, em relação aos ativos líquidos transferidos a valor de mercado (justo valor), seria considerada "fundo de comércio adquirido", ou, se a expressão, posta na Lei, se refere à ocorrência de o "fundo de comércio" ser um item individuado, reconhecido e mensurado no ato da combinação do negócio. A dúvida é pertinente porque a Lei poderia mencionar apenas "Fundo de Comércio" como instituto legal comercial. Mas não é o caso porque a referencia legal se faz em razão do fundo de comércio surgido nas transações de aquisição de negócios. Como estamos frente a um arcabouço normativo contábil, pensamos que é nesta disciplina que devamos buscar a resposta e, não outra disciplina comercial.

Assim no tema é relevante que se observa as disposições de órgãos com poderes normativos, como é o caso do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC- brasileiro.

CPC – Pronunciamento 15

1. O Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC – emitiu o Pronunciamento CPC 15 visando correlacionar as normas contábeis brasileiras às normas internacionais de contabilidade – IFRS 3- que versam sobre a combinação de negócios e a apuração do valor do ágio por rentabilidade futura (goodwill). Este Pronunciamento se inicia pela citação de princípios orientadores para os adquirentes de negócios, dos quais extrai-se as seguintes deduções:

a) todos os ativos, passíveis de identificação, devem ser reconhecidos na escrituração do adquirente mesmo que não estejam reconhecidos na escrituração da adquirida pelo seu justo valor (valor de mercado);

b) o valor relativo da participação dos não controladores no negócio que está sendo adquirido, deve ser considerado; alternativamente pode ser reconhecido pelo justo valor quando houver mercado ativo para os títulos;

c) o valor relativo ou absoluto da participação do próprio adquirente, no negócio que está sendo adquirido, deve ser considerado, também;

d) os bens e direitos adquiridos a mercado, líquidos dos passivos assumidos, serão reconhecidos como ativos líquidos mensurados a valores justos;

e) os ativos líquidos adquiridos serão reduzidos dos valores referentes às participações dos minoritários e às participações do próprio adquirente, existentes antes da conclusão do contrato, sendo o resultado final a base de comparação com a contraprestação entregue aos controladores do negócio que está sendo adquirido;

f) quando a contraprestação (PREÇO DO NEGÓCIO) for superior aos ativos líquidos ajustados estar-se-á na ocorrência de ágio por rentabilidade futura – goodwill -;

g) quando a contraprestação for inferior aos ativos líquidos ajustados estar-se-á frente á situação de ocorrência de GANHO APURADO EM COMPRA VANTAJOSA (antigo deságio) cujo resultado será computado na determinação do resultado da adquirente no período da concretização do contrato.

2. Vejamos exemplos numéricos:

Situação de goodwill

DISCRIMINAÇÃO DE PARCELAS VALOR EM R$
(+) P. L. a valores de mercado (valor justo e contábil) 10.000.000,00
(+) Ativos não registrados na adquirida 3.000.000,00
(-) Passivos não registrados na adquirida 1.000.000,00
(-) % dos minoritários nos Ativos Líquidos (25%) 2.500.000,00
(-) Participação Relativa Reflexa (5%) 500.000,00
(=) ATIVOS LÍQUIDOS AJUSTADOS 9.000.000,00
(-) VALOR DA AQUISIÇÃO DO NEGÓCIO 13.000.000,00
(+) GANHO NA COMPRA VANTAJOSA 0,00
(-) GOODWILL – AGIO PAGO POR RENTAB. FUTURA 4.000.000,00
   
LANÇAMENTOS CONTÁBEIS  
D- CIRCULANTE LÍQUIDO 10.000.000,00
D- ATIVO INTANGIVEL RECONHECIDO 3.000.000,00
D- ATIVO INTANGIVEL= GOODWILL 4.000.000,00
SOMA DOS DÉBITOS 17.000.000,00
C- PASSIVO CONTINGENTE RECONHECIDO 1.000.000,00
C- PARTICIPAÇÃO EM COLIGADA (AGORA HÁ CONTROLE) 500.000,00
C- AJUSTE POR PARTICIPAÇÃO DOS MINORITÁRIOS- PL CONSOLIDADO 2.500.000,00
C- CAIXA OU CAPITAL SE HOUVE EMISSÃO DE AÇÕES 13.000.000,00
SOMA DOS CRÉDITOS 17.000.000,00

Situação de ganho por compra vantajosa

DISCRIMINAÇÃO DE PARCELAS VALOR EM R$
(+)P. L. a valores de mercado (valor justo e contábil) 10.000.000,00
(+) Ativos não registrados na adquirida 3.000.000,00
(-) Passivos não registrados na adquirida 1.000.000,00
(-) % dos minoritários nos Ativos Líquidos (25%) 2.500.000,00
(-) Participação Relativa Reflexa (5%) 500.000,00
(=) ATIVOS LÍQUIDOS AJUSTADOS 9.000.000,00
(-) VALOR DA AQUISIÇÃO DO NEGÓCIO 7.000.000,00
(+) GANHO NA COMPRA VANTAJOSA 2.000.000,00
(-) GOODWILL – AGIO PAGO POR RENTAB. FUT. 0,00
*: para efeitos didáticos há coincidência entre valores justos e contábeis  
LANÇAMENTOS CONTÁBEIS  
D- CIRCULANTE LÍQUIDO 10.000.000,00
D- ATIVO INTANGIVEL RECONHECIDO 3.000.000,00
SOMA DOS DÉBITOS 13.000.000,00
C- PASSIVO CONTINGENTE RECONHECIDO 1.000.000,00
C- PARTICIPAÇÃO EM COLIGADA (AGORA HÁ CONTROLE) 500.000,00
C- AJUSTE POR PARTICIPAÇÃO DOS MINORITÁRIOS- PL CONSOLIDADO 2.500.000,00
C- CAIXA OU CAPITAL SE HOUVE EMISSÃO DE AÇÕES 7.000.000,00
C- GANHO COMPRA VANTAJOSA CONTA DE RESULTADO 2.000.000,00
SOMA DOS CRÉDITOS 13.000.000,00

Ativos intangíveis identificáveis – CPC 04

3. Os ativos identificáveis devem resultar da aplicação dos critérios da "separabilidade" ou do contratual-legal. Por critério da "separabilidade" deve-se entender a possibilidade da individuação e alienação, no mercado, do ativo identificado. Já a aplicação do critério contratual-legal segue o princípio da prova documental, exigindo-se também, a possibilidade de alienação do direito adquirido ou seu destaque de outros ativos gerados ou mantidos pela entidade (vide fls.201, Manual de Normas Internacionais de Contabilidade, Ernst & Young e Fipecafi, S.Paulo 2.009, Editora Atlas, 1. Ed.). O Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC – emitiu o Pronunciamento 04 sendo que do Sumário deste documento podemos ver assentado no item 4, a seguinte síntese:

"Um ativo é identificável na definição de um ativo intangível quando:
(a) for separável, isto é, capaz de ser separado ou dividido da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, seja individualmente ou em conjunto com um contrato, ativo ou passivo relacionado; ou (b) resultar de direitos contratuais ou de outros direitos legais, quer esses direitos sejam transferíveis quer sejam separáveis da entidade ou de outros direitos e obrigações."

4. Em se tratando de aquisição de um intangível em combinação de negócios destaca-se trechos do Pronunciamento 04:

35. Se um ativo intangível adquirido em uma combinação de negócios for separável ou resultar de direitos contratuais ou outros direitos legais, considera-se que o seu valor justo pode ser mensurado com segurança. (…)
36. Um ativo intangível adquirido em uma combinação de negócios pode ser separável, em determinadas circunstâncias, apenas conjuntamente com os ativos tangíveis ou intangíveis relacionados. Por exemplo, o título de uma revista pode não ser negociável separadamente da base de dados de assinantes ou uma marca de água mineral de determinada fonte não pode ser vendida sem a própria fonte. Nesses casos em que o valor justo individual de cada ativo do grupo não puder ser medido com segurança, o adquirente deve reconhecer um grupo de ativos como um único ativo separadamente do ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill).

5. Releve-se no ponto que o ato regulamentar impõe a segregação do intangível identificável do ágio derivado da expectativa da rentabilidade futura ( goodwill), mas não emprega, para tanto, a expressão "fundo de comércio adquirido" como consta da Lei. Podemos nos guiar por exemplos para ter a inteligência da regra. Comerciante que paga luvas contratuais (pagamento do ponto comercial), quando da assinatura de contrato de aluguel em shopping centre, ou, Banco que paga, também, luvas contratuais para alugar um imóvel destinado à instalação de uma nova agência, está adquirindo direitos contratuais identificáveis, passíveis de serem mensurados, sem natureza monetária e sem substância física e, ainda, que contribuirão para geração de caixa futuro. Presentes, assim, todos os requisitos para identificação e reconhecimento contábil dos citados ativos, seus valores não serão considerados "goodwill" para fins contábeis ainda que se trate de espécies de ativos do gênero fundo de comércio.

6. Entre tantas definições de Fundo de Comércio Empresarial podemos afirmar que a expressão indica o valor econômico da empresa que supera a totalidade do valor de mercado de seus ativos líquidos contabilizados, ou seja, o montante que supera o patrimônio líquido a valor de mercado. Seriam os privilégios relativos da empresa como, localização, marca, clientela (market-share), licenças, benefícios fiscais e outras vantagens comparativas capazes de influir no valor de uma negociação da entidade como um todo. São verdadeiras reservas ocultas de uma empresa que só se fazem presentes em negócios não correntes.

7. Assim também se define a expressão de língua inglesa "goodwill". Vejamos uma citação constante da revista especializada IOB:

1.1 – O que é o Fundo de Comércio? "Fundo de Comércio é o que uma empresa tem de valor acima do seu patrimônio líquido avaliado a preço de mercado. (..) Representa, então, o "goodwill", o que um Patrimônio Liquido consegue ter de valor, se negociada a empresa como um todo, acima do que seria obtido com a negociação de cada Ativo, individualmente, a preços de mercado." (Boletim IOB nº15/85)

8. Portanto a expressão da Lei "fundo de comércio adquirido" está vinculada diretamente a situação de ocorrência de ágio pago por expectativa de rentabilidade futura(goodwill), sendo a diferença de designação meramente semântica.

9. Isto não quer dizer que na combinação de negócios seja impossível a identificação e a separação do ativo intangível "Fundo de Comércio". Preferencialmente este ativo deverá ser sempre representando por uma nomenclatura mais específica como, por exemplo, "Carteira de Clientes" ao invés de Fundo de Comércio.

10. Em verdade, espera-se que os agentes econômicos usem a expressão Ágio Pago por Expectativa de Rentabilidade Futura para cumprir o que indicado na Lei nº 11.638/2007 como fundo de comercio adquirido. Isto é, quando for necessário denominar o valor que decorrer de uma operação aritmética indicativa de que o valor pago, para assumir o controle do negócio, superou todos os ativos líquidos adquiridos (incluídos aí os intangíveis identificados). A determinação do valor justo dos ativos e passivos assumidos será sempre um procedimento preliminar necessário.

Combinações de entidades sob controle comum

11. Todo o exposto no CPC-15 não se aplica aos casos de "joint venture" (novos negócios formados e controlados conjuntamente); compra de ativos ainda que em conjunto (no caso em que estes ativos não representem um negócio) e ainda no caso de combinação de negócios realizados dentro um mesmo grupo econômico ou financeiro (empresas sob controle comum).

12. As inúmeras operações realizadas entre investidas e investidoras, coligadas e controladas, ainda dependem de regulamentação internacional. Há um pressuposto dos envolvidos no tema de que tais operações far-se-ão por valores contábeis.

Aspéctos tributários

13. Estamos em plena vigência da faculdade legal instituída pela Lei nº 11.941/2009, em que os contribuintes podem optar, para os anos calendários 2.008 e 2.009, pela tributação fundada na legislação do IRPJ e da CSLL vigentes até 31 de dezembro de 2.007. Para esta transição foi instituído o Livro Auxiliar especifico denominado Controle Fiscal de Transição – Fcont -, onde serão formalizados e armazenados todos os ajustes decorrentes das diferenças existentes entre o novo padrão de escrituração contábil e a legislação tributária vigente. Finda-se este regime de transição quando o Poder Público disciplinar tributariamente os novos procedimentos contábeis, assim como o fez, quando da edição do DL nº 1.598/77, para disciplinar os efeitos da aplicação comercial da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações).

14. "O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária" (§1º do art. 15 da MP nº 449/2008). Este texto legal tem natureza jurídica de dificil identificação. Mais parece uma norma social que expõe um compromisso político de que as normas de convergência contábil não irão alterar o ônus tributário dos contribuintes. Mas como inserta em diploma legislativo, com força vinculante e pressuposto de legalidade, devemos tomar o assentado como regra declaratória.

15. Apesar do que posto em Lei, não se pode olvidar que as situações concretas de combinação de negócios irão revelar elementos ou circunstâncias que antes ficavam camuflados nas peças formais e contábeis até então exigidas. Os negócios, realizados até então, eram guiados pelo princípio da estrita legalidade; o conteúdo econômico dos contratos permanecia blindado, e, os operadores do direito, não raro, ficavam a mercê de vulneráveis soluções jurídicas. O resultado disso, é que muitos ativos intangíveis identificáveis economicamente foram adquiridos, em combinação de negócios, mas foram reconhecidos sob a denominação de ágio por rentabilidade futura, objeto de incentivo fiscal até nossos dias.

16. Descortina-se agora uma nova fase de interpretação jurídica da combinação de negócios. As operações estarão instruídas por documentos reveladores do conteúdo econômico que poderão ser contestados em termos relativos ou absolutos. A obrigatória declinação do adquirente e a determinação do preço da operação – contraprestação transferida a valor justo – com o sentido de ocorrência de uma verdadeira troca comutativa, já serão suficientes para verificação do correto surgimento do fundo de comércio adquirido. Não se trata de sobrepor a interpretação econômica dos fatos ao princípio da estrita legalidade. Trata-se de colher no mundo das coisas, os sinais reveladores da capacidade contributiva dos contribuintes. E para tanto valem as demonstrações financeiras.

17. Em suma:

a) toda a dificuldade residirá no exercício de identificação dos ativos intangíveis envolvidos na troca de riquezas;

b) o fundo de comércio adquirido será apurado por diferença sendo, a única hipótese de existência de ágio no negócio;

c) o "goodwill" não poderá ser amortizado e será classificado no Ativo Intangível não mais compondo valor contábil do investimento.