Estrita legalidade na prática tributária
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Graduado pela EASP/FGV. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil aposentado com especialidade no sistema financeiro. Instrutor da ESAF. Consultor tributário com especialidade no IRPJ.
Introdução
1.Sacha Calmon Navarro Coelho discorrendo sobre o princípio constitucional da estrita legalidade lecionou: "… se a lei for omissa, ou obscura, ou antiética… descabe ao administrador (que aplica a lei de ofício) e ao juiz (que aplica a lei contenciosamente) integrarem a lei, suprindo a lacuna por analogia. É dizer, em Direito Tributário a tipicidade é cerrada oferecendo resistência ao princípio de que o juiz não se furta a dizer o direito ao argumento da obscuridade na lei ou de dificuldades na sua intelecção. Na área tributária o juiz deve sentenciar, é certo, mas para decretar a inaplicabilidade da lei por insuficiência normativa somente suprível através de ato formal e materialmente legislativo" (grifos do autor); (pg.405, 3ª edição, Del Rey, BH 1.999, O Controle da Constitucionalidade das Leis)
2.A instituição e a majoração de tributos compete exclusivamente ao Poder Legislativo que na figura de representante do povo expressa formalmente, e por rito próprio, o que será tributado, quando e como será tributado, e, quem suportará o ônus financeiro do encargo (CTN art. 97 e §§), nos termos da Lei.
3. A supremacia do princípio da estrita legalidade da tributação é posta pela doutrina como verdadeira manifestação do Estado Democrático de Direito, por isso o rigor da lição de Sacha Calmon. Vale dizer: não pode o Poder Executivo (salvo os casos ressalvados na Constituição), ou mesmo seus agentes, frente a uma imprecisão da Lei, impor, por ato próprio, regra que implique em tornar o tributo mais oneroso. Neste sentido está expresso, de forma cristalina, no §1º do art. 97 do CTN:
"Equipara-se à majoração do tributo, a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso"
3.Assim base de cálculo de tributo, em todas as suas dimensões, é matéria reservada à Lei, não havendo, em tese, controvérsias sobre este verdadeiro postulado.
4.Todavia nem sempre a quantificação da base de cálculo será extraída de um único dispositivo de Lei, exigindo do intérprete a visitação por todo o sistema normativo tributário, munido, ainda, de outros princípios constitucionais da mesma importância que o da legalidade, tais como, o da anterioridade e o da irretroatividade da Lei.
5.Neste trabalho pretendemos tangenciar alguns casos conflituosos que exigiram ou irão, ainda, exigir a intervenção dos Tribunais Superiores para confirmar ou infirmar a observância do princípio da legalidade tributária, seja por parte do Legislativo, seja por parte do Executivo. Trata-se, outrossim, do controle jurisdicional do poder de tributar inerente ao nosso sistema constitucional.
Ganho de capital das pessoas físicas na alienação de imóveis herdados
6.Sobre a matéria, duas Súmulas de números seqüenciais, já foram emitidas pelo Supremo Tribunal federal, a saber:
SÚMULA Nº 98/ SENDO O IMÓVEL ALIENADO NA VIGÊNCIA DA LEI 3470, DE 28/11/1958, AINDA QUE ADQUIRIDO POR HERANÇA, USUCAPIÃO OU A TÍTULO GRATUITO, É DEVIDO O IMPOSTO DE LUCRO IMOBILIÁRIO. SÚMULA Nº 99/ NÃO É DEVIDO O IMPOSTO DE LUCRO IMOBILIÁRIO, QUANDO A ALIENAÇÃO DE IMÓVEL ADQUIRIDO POR HERANÇA, OU A TÍTULO GRATUITO, TIVER SIDO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 3470, DE 28/11/1958.
7.A razão da expedição destas orientações superiores está centrada na redação do art. 7º e parágrafo da Lei nº 3.470 de 1.958, então vigente à época das Sumulas, que assentava:
Art. 7º O custo do imóvel, para o vendedor, quando adquirido por doação, herança ou legado, é o valor constante do respectivo instrumento de transferência da propriedade, transcrito no registro próprio.
Parágrafo único. Quando o valor da aquisição da propriedade constante do respectivo instrumento fôr inferior ao que tenha servido de base para o pagamento do impôsto de transmissão, observar-se-á o disposto no art. 6º.
8.A Corte Suprema, pela formalização das duas Súmulas, deixou claro que a venda de imóveis herdados, ocorrida antes da definição legal da base de cálculo de incidência, não gerava conseqüência tributária, muito embora pudesse ser o ganho incluído no campo de incidência do IRPJ como acréscimo patrimonial. A partir do momento em que o ato formal e materialmente legislativo, na expressão de Sacha Calmon, passou a vigorar, o imposto sobre o ganho de capital auferido na alienação de imóveis herdados passara a ser devido, porque já havia Lei editada antes do fato gerador que informava sobre a apuração de tal obrigação. Vale dizer: estabelecia base de cálculo.
9. Posteriormente a matéria passou a ser disciplinada, de forma diversa, por outro ato legal, Decreto Lei nº 1.641/78, sendo o art. 7º da Lei nº 3.470 de 1.958 revogado tacitamente. Esta alteração de ordem legal, que se instaurou a partir do dia primeiro de janeiro de 1.979, deixou de expressar formalmente a situação particular dos imóveis herdados como fizera o antigo diploma lega. Em verdade a construção normativa do disposto no DL privilegiou outros critérios que não o da especialização das situações jurídicas civis que envolvem operações imobiliárias. Quanto à normatização da base de cálculo, em particular, tal DL se limitou a dizer das rubricas envolvidas na apuração do lucro imobiliário – lucro, valor de alienação e custo de aquisição- em acepção ampla, atribuindo ao Ministro da Fazenda competência para baixar normas complementares necessárias ao cumprimento do disposto no DL, nos seguintes termos:
Art 4º – O Ministro da Fazenda poderá baixar normas complementares necessárias à aplicação do disposto nos artigos anteriores.
10.Com fundamento na citada atribuição de poder normativo complementar, o Ilustre Senhor Mário Henrique Simonsen, então Ministro da Fazenda, baixou a Portaria MF nº 80 de 1.979 de onde se destaca a regra constante do item 1 :
Para efeitos do disposto na alínea "a" do § 3º do art. 2º , considera-se preço de aquisição de imóvel havido por herança, doação ou legado ou por outras formas de aquisição a título gratuito, o valor que serviu de base para o lançamento do respectivo imposto de transmissão ou, no caso de não ter sido o mesmo fixado, o valor de mercado à época da aquisição.
11.A interação do DL com a Portaria parecia atender plenamente o principio da estrita legalidade e, por isso, passou a ser de aplicação vinculada pelos agentes do fisco. Autos de Infração foram lavrados, os respectivos contenciosos judiciais foram instaurados, e, a matéria foi parar no STJ – Superior Tribunal de Justiça- que decidiu, a favor dos contribuintes alienantes de imóveis herdados, firmando jurisprudência na matéria. Transcreve- se a Ementa do julgado:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.042.739 – RJ (2008/0064265-0)
RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA
RECORRENTE : PAULINO CAMPOS DIAS GARCIA
RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. GANHO DECORRENTE DA ALIENAÇÃO DE IMÓVEL ADQUIRIDO POR HERANÇA. PORTARIA 80/79 DO MINISTRO DA FAZENDA. ILEGALIDADE. TRIBUTO INDEVIDO. PRECEDENTES.
1. Não se admite a tributação do imposto de renda sobre o ganho decorrente da alienação de bem imóvel adquirido por herança com fundamento na Portaria MF 80/79, uma vez que esse ato normativo tratou de matéria submetida à reserva legal. Precedentes: EREsp 23999 / RJ, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 19.12.1997 e REsp 57415/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 10.04.1995.
2. Sendo possível dar provimento ao recurso especial sem analisar a suposta violação do art. 535 do CPC, essa questão fica prejudicada.
3. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 26 de agosto de 2008 (data do julgamento). Ministro Castro Meira/ Relator
12.Enfaticamente, a Corte Superior rejeitou a tributação com base na aventada Portaria MF 80/79 em razão do ato do Poder Executivo ter versado sobre matéria submetida à reserva legal (base de cálculo). Assim foi necessária a revogação dos artigos 1º a 4º do DL nº 1.641/78 pela Lei 7.713/88, que passou a disciplinar a tributação dos ganhos de capital na venda de imóveis, por pessoas físicas, inclusive a venda de imóveis herdados, a partir de 1º de janeiro de 1.989. Releva-se, no ponto: a correção se deu por via legislativa.
Securitizadoras de crédito e lucro presumido
13.As empresas de securitização de créditos, são sociedades anônimas constituídas como Sociedades de Propósito Especifico – SPE- que dependem de Lei autorizadora para sua criação. Portanto, nem toda cessão de crédito pode ser considerada ato de securitização. Em se tratando de securitização de créditos, pode-se se dizer que não há liberdade de contratação e formação da sociedade; somente a lei pode dizer quais os créditos que podem ser objeto de securitização.
14.O ato regular de securitização de um crédito implica em tomar recursos no mercado financeiro, na forma permitida em lei – emissão de debêntures, por exemplo- ou dos acionistas da entidade, sob a forma de capital social, e aplicar estes recursos na aquisição de créditos (recebíveis) da fonte em que os créditos foram gerados. A viabilidade financeira da operação ocorre pela via da concessão de deságio na cessão do crédito por parte do cedente ao cessionário, permitindo, assim, que os riscos de certo crédito sejam diluídos no mercado secundário. Portanto o lucro de uma securitizadora de crédito é exclusivamente de natureza financeira.
15.Todos nós sabemos que resultados financeiros nunca foram e nem poderiam ser objeto de presunção de lucro, eis que, por si só o resultado financeiro já surge definido e apurado no mundo do direito. Não se pode presumir aquilo que está apurado ao certo e exato. De outro lado, a tributação simplificada, conceituada em lei como lucro presumido, tem estrutura própria de formação da base de cálculo que se pode demonstrar, de forma esquemática, com a tabela que segue:
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16.Não é difícil perceber que as entidades de securitização de créditos jamais poderiam ser autorizadas a optar pela tributação no regime tributário do lucro presumido, pois do ponto de vista econômico financeiro, esta atividade era incompatível com a estrutura técnica do regime. Todavia, a RFB, pelo menos em duas oportunidades (Solução de Consultas exaradas pelas 7ª e 10ª Regiões Fiscais) se manifestou no sentido de que a Lei não impedia as securitizadoras de ingressarem no regime tributário do lucro presumido. Por não estarem, literalmente, impedidas na lei de regência do regime, estavam estas sociedades de propósito especifico autorizadas, por decorrência, a optar pela tributação simplificada- lucro presumido-.
17.De fato a Lei (art. 36 da Lei nº 8981/95, sucessivamente alterado até o art. 18 da Lei nº 9.718/98) que impunha a obrigatoriedade de apuração do lucro real não citava expressamente as entidades de securitização de crédito e nem poderia fazê-lo; em 1.995 não existia empresa de securitização de crédito como sociedade anônima especialmente disciplinada em lei. Como instituto jurídico próprio a figura da securitização de créditos surgiu em 1.997 (Lei nº 9.514/97).
18. Em rigorosa observância da estrita legalidade na determinação de base de cálculo, foi, então, inserto, na MP nº 472 de 2.009, o art. 22 que alterou o art. 18 da Lei nº 9.718/98 para fazer inserir, no rol das empresas obrigadas a apuração do lucro real, as securitizadoras de créditos. Vê-se assim que foi necessária a produção legislativa de ato formal com força de Lei para que o mandamento constitucional da legalidade da tributação fosse cumprido pelo ente público. A interpretação econômica, mesmo que revestida de toda a lógica sistêmica, sucumbia frente ao rigor do primado jurídico da estrita legalidade, restando, ao ente tributante, buscar solução legislativa para correção de verdadeira anomalia do sistema normativo.
Veículos usados
19.A revenda de veículos usados, por parte de estabelecimentos comerciais dedicados a esta atividade, foi objeto de instituição, por lei ordinária, de técnica especial inominada de tributação (Lei nº 9.716/98 art. 5º), nos termos que seguem:
Art. 5º As pessoas. jurídicas que tenham como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores poderão equiparar, para efeitos tributários, como operação de consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados.
Parágrafo único. Os veículos usados, referidos neste artigo, serao objeto de Nota Fiscal de Entrada e, quando da venda, de Nota Fiscal de Saída, sujeitando-se ao respectivo regime fiscal aplicável às operações de consignação.
20. A Lei foi, então, regulamentada por uma Instrução Normativa expedida pela antiga Secretaria da receita Federal sob o numero 152/98, de onde se destaca o art. 2º:
Art. 2º Nas operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, inclusive quando recebidos como parte do pagamento do preço de venda de veículos novos ou usados, o valor a ser computado na determinação mensal das bases de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, pagos por estimativa, da contribuição para o PIS/PASEP e da contribuição para o financiamento da seguridade social – COFINS será apurado segundo o regime aplicável às operações de consignação.
§ 1º Na determinação das bases de cálculo de que trata este artigo será computada a diferença entre o valor pelo qual o veículo usado houver sido alienado, constante da nota fiscal de venda, e o seu custo de aquisição, constante da nota fiscal de entrada.
§ 2º O custo de aquisição de veículo usado, nas operações de que trata esta Instrução Normativa, é o preço ajustado entre as partes.
21.A notória diferença desta técnica especial de apuração, em relação às de ordem geral, é que todas as bases de cálculos (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), destes comerciantes, são formadas pelas diferenças havidas entre os preços de alienação e os preços de aquisição das mercadorias vendidas. Em outras palavras, na operação de venda não se toma o faturamento como parâmetro de aferição de base de cálculo.
22.O aparente privilégio se traduz, em verdade, em uma técnica de tributação introduzida no sistema normativo para compatibilizar a carga tributária com a capacidade contributiva dos agentes econômicos. O comércio de veículos usados se assemelha aos negócios com commodities porque a margem de lucro é infirma se comparada ao valor de mercado do ativo negociado. No sistema geral tal atividade poderia ser inviabilizada pelas incidências do PIS e da COFINS sobre o faturamento.
23.Na forma como introduzida no sistema normativo atual, está técnica de tributação pode ser aplicada em qualquer regime tributário – lucro real, presumido ou arbitrado-. Por isso não se pode confundir a técnica de tributação com os regimes tributários que permaneceram inalterados em suas disciplinas próprias.
24.A construção normativa desta técnica de tributação se valeu do instituto legal do Contrato Estimatório, ou, Consignação Mercantil, previsto expressamente em nosso Código Civil – arts. 534 a 537-. Como instituto de Direito Privado, por excelência, a Consignação Mercantil encerra atos próprios em que o Consignante entrega bem móvel para que o Consignatário possa revendê-lo, por sua conta e ordem, pagando ao Consignante o preço estimado, ou devolver o bem móvel em prazo certo, caso não o venda. A Consignação Mercantil não se confunde com qualquer tipo legal de intermediação de negócios e nem sequer se trata de prestação de serviço porque sempre estará presente a OBRIGAÇÃO DE DAR – pagar o preço do bem alienado ou devolver o bem caso não ocorra a venda, no prazo da consignação-.
25.A questão da estrita legalidade na determinação da base de cálculo dos tributos, surge em situação de Lucro Presumido, posto, também, como regime tributário, à disposição dos comerciantes de veículos usados. Como já vimos na redação da IN, o comando legal determina que, no procedimento de apuração da base de cálculo, seja o faturamento substituído pela diferença entre o preço de alienação e o preço de aquisição do veículo usado; isto é: sai o faturamento e entra o lucro bruto como parâmetro na determinação das bases de cálculos (tipicidade da tributação). Quando se fala de Lucro Presumido há de se perpassar, necessariamente, pela vinculação do COEFICIENTE DE PRESUNÇÃO à atividade econômica. Esta vinculação decorre de Lei e não pode ser deduzida pela Administração ou mesmo por seus agentes. Assentar um coeficiente de presunção é matéria submetida à reserva legal nos termos constantes do art. 97 do CTN – caput c/c com o inciso IV- porque somente a Lei pode fixar base de cálculo, e o coeficiente de presunção é parte indissociável da formação da base de cálculo.
27.Neste ponto, a primeira surpresa surge com a interpretação dada pela Secretaria da Receita Federal, em processo de consulta, cuja ementa se transcreve, de que o coeficiente de presunção para estas situações seria de 32%, ou seja, o mesmo coeficiente aplicado à intermediação de negócios ( corretagem) e à prestação de serviços:
Processo de Consulta nº 21/01
Órgão: Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 5a. Região Fiscal
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: LUCRO PRESUMIDO. REVENDA DE VEÍCULOS USADOS. EQUIPARAÇÃO À OPERAÇÃO DE CONSIGNAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. ALÍQUOTA.
Para a determinação da base de cálculo do imposto de renda, pelo lucro presumido, aplica-se o percentual de 32% sobre a diferença apurada entre o preço de venda do veículo usado e o respectivo custo de aquisição.
Dispositivos Legais: Lei nº 9.716, de 26 de novembro de 1998, art.5º; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, (RIR) art. 519, § 1º, inciso III, b; IN SRF nº 152/98, de 16 de dezembro de 1998, arts. 1º e 2º.
ADALTO LACERDA DA SILVA – Superintendente
(Data da Decisão: 22.08.2001 31.10.2001)
28.Posteriormente a interpretação volta ser confirmada na edição da IN SRF 390 de 2004 de onde se destaca os artigos específicos da matéria:
Art. 91. A pessoa jurídica sujeita à incidência da CSLL com base no resultado presumido ou arbitrado, que tenha como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores, deverá observar, quanto à apuração da base de cálculo respectiva, o disposto no art. 96.
Das Operações com Veículos Usados
Art. 96. (…)
§ 2º Considera-se receita bruta, para efeito deste artigo, a diferença entre o valor pelo qual o veículo usado tiver sido alienado, constante da nota fiscal de venda, e o seu custo de aquisição, constante da nota fiscal de entrada.
§ 3º Na determinação da base de cálculo estimada e do resultado presumido ou arbitrado, aplicar-se-á o percentual de 12% (doze por cento) sobre a receita bruta, definida no § 2º, auferida nos períodos de apuração ocorridos até 30 de agosto de 2003, e o percentual de 32% (trinta e dois por cento) para os períodos ocorridos a partir de 1º de setembro de 2003.
29.Salvo melhor juízo, nos parece que esta interpretação não pode prosperar. Primeiro porque não há na Lei, que rege o Lucro Presumido, linha especial a declinar, em apartado, a atividade de revenda de veículos usados como atividade eleita para vinculação de um coeficiente de presunção especifico. Segundo porque o art. 5º da Lei nº 9.716/98, em momento algum, deixou de reconhecer a natureza jurídica de compra e venda mercantil – ato de comércio- dos negócios realizados pelos comerciantes de automóveis usados; o citado comando legal apenas estabeleceu qual seria o parâmetro a ser empregado como variável financeira na apuração das bases de cálculo das exações que menciona. Terceiro porque nem mesmo o legislador ordinário pode alterar conceitos do direito privado para definir competências tributárias estatuídas na Constituição Federal; equiparar venda de veículos usados à prestação de serviços ou intermediação de negócios atrairia a competência dos municípios para exigir o Imposto Sobre Prestação de Serviços.
30.De outro lado o texto legal – art. 5º da Lei nº 9.716/98 – é enfático ao assentar que é opção do comerciante, de veículos usados, proceder à equiparação da venda à operação de consignação. Feita a opção, tanto a compra e como a venda ficam submetidas ao regime fiscal aplicável às operações de consignação. E que regime fiscal é este? Ora, queremos crer que a expressão usada pelo legislador foi empregada no sentido de levar o destinatário da norma, a saber, que somente a diferença, havida entre o preço de venda e o preço de compra, seria objeto de tributação, desde que cumpridas todas as obrigações acessórias inerentes à prática da consignação mercantil, como emissão da Nota Fiscal de Entrada e emissão da Nota Fiscal de Saída. Esta equiparação não decorreu de criação jurídica de conceito tributário próprio, e nem inaugurou regime tributário diverso dos já existentes; somente fixou um dos parâmetros (o financeiro) das base de cálculo em caráter especialíssimo.
31.Portanto o coeficiente de presunção a ser aplicado seria aquele vinculado por Lei aos atos de comércio e não à prestação de serviços, ou, á intermediação de negócios. Válida, neste sentido, é a lição de Sacha Calmon quanto à obscuridade da lei: somente a lei, como ato formal produzido no âmbito do Poder Legislativo poderia dizer o que está sendo pretendido pela RFB com expedição de ato administrativo, visto que estamos frente à matéria submetida à reserva legal.
Conclusão
32.A escolha dos casos citados foi aleatória. Existem outros casos que poderiam ser descritos para demonstrar a prática do princípio da estrita legalidade nas contendas entre a administração e os administrados- rateio de custos e tributação das despesas recuperadas; contratos de leasing versus compra e venda a prazo; receita estimada em contratos de mútuo graciosos dentro do mesmo conglomerado financeiro, entre outros-. Resta afirmar que os limites da estrita legalidade estão difusos no ordenamento desde a elaboração legislativa do comando legal, passando pela formulação das normas complementares até à caracterização de infrações em casos de ação fiscal direta.