A Lei 11.941/09 e a responsabilidade tributária dos sócios e administradores
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A Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, oriunda da conversão da Medida Provisória nº 449, de 03 de dezembro de 2008, trouxe uma série de dispositivos interessantes para os contribuintes. Além de versar sobre parcelamento especial, remissão de dívida e processo administrativo, a Lei nº 11.941/09 consignou dispositivos que trazem a possibilidade de novas interpretações quanto à responsabilidade tributária dos sócios e administradores de pessoas jurídicas com dívidas tributárias. O objeto do presente estudo é justamente tecer um panorama das modificações introduzidas pela Lei nº 11.941/09 na seara da responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades.
O artigo 1º, §§ 15, 16 e 17 da Lei nº 11.941/09, estabelece o seguinte:
"Art. 1º Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses, nas condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, inclusive o saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, de que trata a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, no Parcelamento Especial – PAES, de que trata a Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, no Parcelamento Excepcional – PAEX, de que trata a Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, mesmo que tenham sido excluídos dos respectivos programas e parcelamentos, bem como os débitos decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI oriundos da aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto no 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência de alíquota 0 (zero) ou como não-tributados.
(…)
§ 15. A pessoa física responsabilizada pelo não pagamento ou recolhimento de tributos devidos pela pessoa jurídica poderá efetuar, nos mesmos termos e condições previstos nesta Lei, em relação à totalidade ou à parte determinada dos débitos:
I – pagamento;
II – parcelamento, desde que com anuência da pessoa jurídica, nos termos a serem definidos em regulamento.
§ 16. Na hipótese do inciso II do § 15 deste artigo:
I – a pessoa física que solicitar o parcelamento passará a ser solidariamente responsável, juntamente com a pessoa jurídica, em relação à dívida parcelada;
(…)
§ 17. Na hipótese de rescisão do parcelamento previsto no inciso II do § 15 deste artigo, a pessoa jurídica será intimada a pagar o saldo remanescente calculado na forma do § 14 deste artigo."
Diante do disposto, é fácil interpretar que a pessoa física só será responsabilizada pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica se optar em parcelar a dívida em nome próprio.
Ora, o texto estampado nos supracitados dispositivos evidencia que os sócios e administradores não podem ser responsabilizados automaticamente pela Fiscalização ou pelo Poder Judiciário, sem que tenham expressamente solicitado o parcelamento dos débitos tributários em nome próprio. Essa é a novidade trazida pela novel legislação.
Assim, os créditos tributários constituídos a partir de 28 de maio de 2009 (data da publicação da Lei nº 11.941, de 27.05.2009), não poderão ser cobrados dos sócios e administradores através do instituto da responsabilidade tributária solidária, salvo na hipótese de solicitação de parcelamento em nome próprio do sócio ou administrador da dívida tributária da pessoa jurídica.
Os dispositivos supracitados põem fim à celeuma há muito debatida nos tribunais. Atualmente, tramitam milhares de execuções fiscais que possuem em seus pólos passivos sócios e administradores de pessoas jurídicas que sequer permanecem nos quadros da sociedade ou jamais solicitaram parcelamento em nome próprio.
A defesa desses sócios e administradores ganha um novo argumento, qual seja, a nova disciplina da responsabilidade tributária solidária estampada na Lei nº 11.941/09.
Aqui é importante esclarecer que os dispositivos da Lei n. 11.941/09 estão em consonância com o determinado pelo artigo 124, II, do Código Tributário Nacional. Vejamos:
"Art. 124. São solidariamente obrigadas:
(…)
II – as pessoas expressamente designadas por lei."
Desta feita, os sócios e administradores de pessoas jurídicas, a partir de 28 de maio de 2009, não deverão ser incluídas no rol dos sujeitos passivos da obrigação tributária em decorrência da responsabilidade tributária por solidariedade pelo simples fato de terem pertencido ao quadro social ou fazerem parte da administração da pessoa jurídica. Agora, será necessário que a pessoa física assuma tal responsabilidade no momento de requerer o parcelamento especial das dívidas tributárias da pessoa jurídica.
A interpretação dos novos dispositivos da Lei nº 11.941/09 corroboram o entendimento de que, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação tributária principal pelo contribuinte pessoa jurídica, respondem solidariamente com este, nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, nos termos do artigo 134 do Código Tributário Nacional.
Assim, o Fisco não poderá incluir na sujeição passiva tributária os sócios de uma extinta pessoa jurídica, pelo simples fato de não encontrar patrimônio da sociedade. Agora, ganha força a interpretação no sentido de que o Fisco terá que provar quais foram os atos que os sócios intervieram ou se omitiram que ensejaram a dívida fiscal.
Ora, é pratica comum do Fisco incluir no rol de devedores aquele sócio com participação societária ínfima. Tal procedimento agora, poderá ser rechaçado com mais um argumento legal, pois, desejou o legislador consignar que os sócios ou administradores só responderão nos atos que intervierem, corroborando o prescrito no artigo 134 do CTN.
É importante destacar também que os dispositivos da Lei nº 11.941/09 reforçam o entendimento de que os sócios e diretores de empresas ativas e que continuam exercendo suas atividades empresárias só poderão ser responsabilizados pessoalmente por dívidas tributárias da pessoa jurídica, nas hipóteses expressamente previstas no artigo 135 do CTN, in verbis:
"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."
O artigo 135 do CTN, portanto, estabelece que os sócios e administradores de pessoas jurídicas "ativas" (que estão em funcionamento) só poderão ser considerados responsáveis tributários, nas hipóteses de dívidas tributárias oriundas de atos práticos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto social.
A Lei nº 11.941/09 também afastou a nefasta responsabilidade tributária objetiva dos débitos relacionados com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estampada no artigo 13 da Lei 8.620, de 05 de janeiro de 1993, in verbis:
"Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.
Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa."
O dispositivo supracitado criou, desde 1993, a figura inusitada da responsabilidade tributária objetiva, isto é, o legislador impôs aos sócios uma responsabilidade por dívidas tributárias independentemente do cometimento de atos ou omissões. Pelo simples fato de pertencer ao quadro social da pessoa jurídica o sócio seria lançado no rol dos devedores juntamente com a pessoa jurídica. Tal interpretação possibilitava que o patrimônio particular do sócio pudesse sofrer a expropriação em decorrência de dívidas fiscais previdenciárias.
O parágrafo único do dispositivo também era mal redigido, pois atribuía responsabilidade tributária aos acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores por atos culposos ou dolosos, contudo, sem especificar se tais atos contribuíram ou não para o nascimento da dívida tributária da pessoa jurídica. Diante do texto obscuro, o Fisco, desde 1993, promovia execução fiscal contra todos os sócios e administradores, sem sequer indicar quais os atos que os mesmos teriam ultimado para caracterizar o dolo ou culpa pela situação de fato ou de direito que ocasionara a dívida tributária.
O artigo 79, VII, da Lei nº 11.941/09 revogou expressamente o artigo 13 e o seu parágrafo único, da Lei 8.620/93. Neste sentido, desde 28 de maio de 2009, os sócios e administradores não poderão ser incluídos nos pólos passivos de execuções fiscais, a não ser nas hipóteses estabelecidas nos artigos 134 e 135 do CTN e do artigo 15 da Lei 11.941/09.
As inovações consignadas na Lei nº 11.941/09 vieram em boa hora, pois a insegurança jurídica dos sócios e administradores de pessoas jurídicas devedoras de tributos era facilmente observada nas divergentes decisões judiciais sobre o tema de responsabilidade tributária, conforme demonstra a decisão recente do Superior Tribunal de Justiça:
"TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. OFENSA AOS ARTS. 124 E 135 DO CTN. VERIFICADA. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO QUOTISTA. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. CDA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE CERTEZA E LIQUIDEZ. NOME DO SÓCIO. REDIRECIONAMENTO. CABIMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ARTIGO 543-C, DO CPC. RESOLUÇÃO STJ 8/2008. ARTIGO 557, DO CPC. APLICAÇÃO.
1. A responsabilidade patrimonial secundária do sócio, na jurisprudência do E. STJ, funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.
2. Todavia, em recente julgado, a Primeira Seção desta Corte Superior, concluiu, no julgamento do ERESP nº 702.232/RS, da relatoria do e. Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 26.09.2005, que: a) se a execução fiscal foi ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente, incumbe ao Fisco a prova da ocorrência de alguns dos requisitos do art. 135, do CTN: quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa; b) constando o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário na CDA cabe a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN, independentemente se a ação executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei nº 6.830/80.
3. "A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos ‘com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos’." Precedente: REsp. 1.104.900/ES, Primeira Seção, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJU 01.04.09
4. À luz da novel metodologia legal, publicado o acórdão do julgamento do recurso especial, submetido ao regime previsto no artigo 543-C, do CPC, os demais recursos já distribuídos, fundados em idêntica controvérsia, deverão ser julgados pelo relator, nos termos do artigo 557, do CPC (artigo 5º, I, da Res. STJ 8/2008).
5. In casu, consta da CDA o nome dos representantes legais da empresa como co-responsáveis pela dívida tributária (fls. 23/24), motivo pelo qual, independente da demonstração da ocorrência de que os sócios agiram com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa, cabe o redirecionamento da execução.
6. Agravo regimental desprovido." (Agravo Regimental no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 881911 / SP. Primeira Turma do STJ. Relator Ministro Luiz Fux. Julgamento: 14.04.2009. DOU: 06.05.2009)
A decisão supracitada traz um escorço histórico sobre o entendimento dos Ministros do STJ sobre o tema de responsabilidade tributária dos sócios e administradores. Ocorre, contudo, que os dispositivos da Lei nº 11.941/09 trazem novas reflexões que, necessariamente devem ser colacionadas pelo interprete do Direito.
Assim, acreditamos que, desde 28 de maio de 2009, os sócios e administradores já podem acrescentar aos seus argumentos as inovações promovidas pela Lei nº 11.941/09, com o intuito de estabelecerem de forma transparente o limite da responsabilidade tributária dos mesmos. Esperamos que o Fisco e o Poder Judiciário também adotem uma hermenêutica adequada.