O novo Código Comercial brasileiro
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Por Ivo Waisberg
A comunidade acadêmica tem aprofundado o debate sobre a pertinência da promulgação de um novo Código Comercial para agrupar e consolidar a legislação empresarial. A discussão sobre um tema tão relevante é, sem dúvida, salutar e mostra claramente que esse ramo do direito voltou a ocupar o destaque e atenção profissional e acadêmica que sua relevância sempre mereceu.
A discussão sobre a pertinência ou não da elaboração do novo diploma comercialista deve ser técnica e não passional ou eivada de vaidades acadêmicas. Nesse sentido, a pergunta a ser respondida é se a promulgação do novo Código é útil ou inútil para a aplicação do direito empresarial e para a prática das relações negociais no mercado. Se a resposta for positiva, o novo código deve ser perseguido. Se negativa, não.
Em nossa opinião, a resposta só pode ser uma: a criação do novo Código Comercial é útil e auxiliará sobremaneira o direito a dar respaldo à economia neste momento de desenvolvimento econômico. Um novo código irá modernizar, sistematizar, harmonizar e ajustar a legislação empresarial.
Em primeiro lugar, a economia brasileira e, por conseguinte o empresariado nacional e estrangeiro que aqui atuam, passam por um momento diferente. Como consequência de quase duas décadas de abertura de mercado e progresso econômico no Brasil e, ainda, dos avanços tecnológicos e da globalização, a dinâmica do mercado financeiro e de capitais e das relações empresariais se transformou. A velocidade e complexidade das transações comerciais demandam um arcabouço jurídico atualizado e organizado de forma a facilitar sua compreensão e dar ao agente econômico a necessária segurança jurídica para sua atuação. Nesse diapasão, a sistematização do direito comercial e sua compilação em um novo diploma somente virá a auxiliar a consecução da almejada eficiência legal.
Em segundo lugar, a unificação do direito privado buscada no Código Civil de 2002, embora justificada por exemplos estrangeiros e tendo sido realizada com boa técnica, não foi uma opção eficiente. O fato de outros países unificarem o direito privado não faz com que isso seja necessariamente positivo para o ordenamento brasileiro. A disciplina do direito do trabalho na Itália, inserida no código civil daquele país de 1942, não levou à conclusão de que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deveria deixar de existir no Brasil, pois tal ramo laboral possui peculiaridades e princípios próprios que não se confundem com as regras orientadoras do direito civil. Da mesma forma, o direito comercial tem princípios próprios e aspectos específicos que justificam e demandam tratamento adequado. Obviamente, o direito contratual comercial pode beber na fonte do direito obrigacional positivado em nosso Código Civil, como assim o fazem o direito do trabalho, do consumidor ou até mesmo o administrativo, mas sem a necessidade de estar no mesmo diploma legal.
Em terceiro lugar, a defesa de um novo diploma não significa afirmar que a atual legislação tenha que ser drasticamente modificada, mas que algumas alterações e ajustes devem ser feitos neste momento de recodificação e sistematização da legislação esparsa.
Em relação ao direito empresarial, dois exemplos mostram claramente a necessidade de ajustes: o regramento de títulos de crédito no Código Civil em desacordo com a legislação cambial presente em leis específicas e o sistema positivado da sociedade limitada, demasiadamente complexo e burocrático, contrário à tradição e eficiência desse tipo societário. Pontos como esses serão revistos no trabalho de organização e harmonização do novo Código Comercial. Pequenos ajustes em algumas outras áreas como a recuperação judicial, a tipificação de alguns contratos e a junção do direito societário em um só diploma também serão benéficos aos agentes econômicos e aos operadores do direito.
A afirmação de alguns opositores da proposta de codificação de que esta não seria necessária, bastando aplicar-se devidamente a legislação vigente é, com a devida vênia, unicamente retórica. Com efeito, o novo regramento modernizado e harmonizado, sistematicamente mais coeso, viabilizará uma aplicação mais correta e eficiente das normas empresariais. A alegada falta da "devida aplicação" é, em parte, consequência da necessidade de harmonizar e ajustar o direito empresarial aos novos tempos.
O outro argumento utilizado para impugnar a necessidade do novo código referente a pouca idade do Código Civil também não procede. Não se está julgando a qualidade do diploma civilístico, que reconhecidamente foi um avanço legislativo, mas somente assumindo que a opção legislativa da unificação do direito puramente civil e do empresarial tem se mostrado ineficiente. Lembre-se que, embora promulgado em 2002, a base científica a justificar tal unificação é bem mais antiga, descolada do atual cenário econômico e jurídico. Ter a humildade de rever rapidamente conceitos é uma qualidade necessária para que o direito possa cumprir sua função perante a sociedade.
Em resumo, concluímos que o novo Código Comercial é um passo importante para o aprimoramento do arcabouço jurídico a dar segurança para investimentos e desenvolvimento do país. Acreditamos, também, que o sucesso de tal caminhada para a promulgação do novo diploma legislativo é não só pertinente, como possível e necessário.
Ivo Waisberg é advogado, doutor em direito das relações econômicas internacionais e mestre em direito comercial pela PUC-SP, master of laws em regulação pela New York University e professor de direito comercial da PUC-SP
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Fonte: Valor Econômico