Novo Código Comercial ainda precisa ser debatido
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Por Ligia Paula Pires Pinto Sica
Em 14 de junho, foi apresentado, na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei instituindo novo Código Comercial para disciplinar, no âmbito do direito privado, “a organização e a exploração da empresa”.
Segundo a ficha de tramitação, a proposta foi do deputado Vicente Cândido (PT-MG). A iniciativa, porém, é do autor intelectual do projeto, o jurista Fabio Ulhoa Coelho, que o publicou sob a forma de livro no começo deste ano, denominado “O Futuro do Direito Comercial”.
Neste livro, o autor intelectual do projeto de Código Comercial introduz o que julga ser o desafio do Direito Comercial brasileiro, qual seja, a necessidade de “recoser” os seus valores “esgarçados”. Nessa retomada de afirmação de valores, o autor do livro – e do anteprojeto – alerta para o erro de ter sido promulgada em 2003 a codificação civilista que unificou o direito privado das obrigações e propõe como solução para o problema a revogação das normas promulgadas no Código Civil, mais especificamente no livro “Direito de Empresa”.
É fato que os comercialistas se viram em uma situação delicada com a promulgação do Código Civil brasileiro, o qual reúne dispositivos que revogam a maioria dos capítulos do Código Comercial de 1850, ainda que se frise que remanesce a diferenciação entre as matérias de Direito Civil e Comercial, de acordo com suas lógicas peculiares.
Tendo o novo Código introduzido diversas normas de caráter geral, esta autora chegou a publicar trabalho em janeiro de 2008 sob o título “Obrigações Empresariais no novo Código Civil”. Neste, o problema dado era o mesmo, mas a solução apresentada foi a utilização do alargamento dos poderes do juiz e da jurisprudência na aplicação dessas normas de maneira casuística, dando-lhes tratamentos distintos de acordo com os fatos apresentados em juízo, de forma a manter a autonomia das áreas do Direito mencionadas, e garantir aos agentes econômicos o grau de segurança e previsibilidade necessário às suas atuações no mercado.
Em que pese a opinião acadêmica ora expressa, fato é que o problema existe e, à época da publicação do referido trabalho, não havia um projeto de novo Código Comercial tramitando na Câmara.
Segundo as informações da Câmara referentes ao deputado Vicente Cândido, é possível encontrar dois requerimentos datados de 27 e 28 de abril deste ano, por meio dos quais foi solicitada audiência pública para subsidiar o debate sobre um novo Código Comercial.
Em paralelo a essas audiências públicas, é necessário que juristas e advogados iniciem um franco debate sobre os termos do projeto, razão pela qual irei apresentá-lo sem me alongar e sem tecer nenhum juízo de valor, na tentativa de expor alguns pontos que precisam de uma análise mais profunda. Dois desses pontos, a meu ver, são o tratamento do Direito Societário e do Direito de Recuperação de Empresas e Falências pelo Projeto de novo Código.
O primeiro Livro do Projeto é denominado “Da Empresa” e serve para além de introduzir o Código, definir empresa de forma clássica como “atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços”, diferenciá-la de outras atividades e dispor sobre os princípios que deverão reger todas as disposições do Código, quais sejam: a liberdade de iniciativa, a livre competição e a função social da empresa.
Já o segundo livro trata das sociedades empresárias e, curiosamente, inclui o tratamento das sociedades anônimas, propondo então não só a revogação das normas de Direito Societário propostas pelo Código Civil, sabidamente problemáticas, mas também a revogação de parte da Lei 6.404/76 e suas alterações, a usualmente chamada Lei das S/A. Digo parte pois o artigo 144, parágrafo único, do Projeto traz a remissão a aplicação subsidiaria de lei especial no que não for regulado naquele Código.
E não há como ser diferente. Afinal, as regras atualmente atinentes às sociedades anônimas abertas e sua atuação no mercado de capitais estão calcadas não só na Lei das S/A, mas em diversas instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além de diretivas dos órgãos autorreguladores. Além disso, em que pese a argumentação de que a legislação esparsa em matéria de Direito Empresarial é abundante e isso atrapalha o exercício da atividade do advogado, importa também ressaltar que esse fato existe, pois a atividade empresarial é muito dinâmica, o empresariado é muito criativo e a legislação codificada não dá conta de tutelar todas as situações vividas pela prática empresarial, em constante desenvolvimento
Já o terceiro livro da legislação projetada trata das “obrigações dos empresários” por meio das “das normas específicas sobre as obrigações entre empresários”. O seu artigo 268 define critério subjetivo para classificação da obrigação como empresarial eis que, segundo o preceito, aplicar-se-iam as normas especificas da legislação projetada quando a relação obrigacional envolver, como credor e devedor principal, apenas empresários ou em caso de credor ou devedor sócio ou administrador de sociedade empresária e a outra parte, empresário. O critério objetivo, porém, também foi trazido pelo parágrafo único do mesmo artigo, estendendo a aplicação das normas aos contratos e títulos de crédito disciplinados no Código ou na legislação comercial, deixando margem para o debate sobre a aplicação desses preceitos. Afinal, uma nota promissória é um título de crédito que pode ser utilizado em qualquer contrato de mútuo ou compra e venda não mercantil celebrada entre não empresários e a presença deste, por si só, deveria configurar a obrigação objeto do contrato como empresarial?
Ainda no Livro III, são tutelados diversos contratos em espécie, tidos como “contratos empresariais”, e a referida matéria dos títulos de crédito, incluindo desde as matérias reguladas pela Lei Uniforme de Genebra até os modernos títulos de crédito eletrônicos e suas assinaturas por meio de certificação.
O quarto e penúltimo Livro do Projeto trata “da crise da empresa”, o que levaria a crer que o projeto propõe seja revogada a nova Lei de Recuperação e Falências, promulgada em 2005 após longa tramitação e debates. O artigo 599 do Projeto, todavia, faz remissão a uma “Lei Processual de Recuperação e Falência”, que seria a reminiscência das matérias não tratadas no Código, em especial, as de cunho processual.
Segundo o referido artigo, a Lei Processual disciplinaria os requisitos e procedimento da recuperação judicial, da homologação da recuperação extrajudicial e da falência; o procedimento especial de recuperação judicial de microempresários e empresários de pequeno porte; a ação revocatória, o pedido de restituição, a verificação de créditos e demais incidentes; além das “demais disposições relativas à recuperação de empresa e falência”, não previstas no Código projetado.
Assim, o Projeto tenta fazer o que os falencistas nunca fizeram, ou seja, disseca o Direito Concursal e divide-o em matérias de cunho processual e substancial e pretende que o Código projetado trate, tão somente, da parte de direito material do Direito de Recuperação de Empresas em Crise e Falências.
O último é o Livro V, que cuida “Das disposições finais e transitórias”, delimitando ainda mais o alcance do Código Comercial projetado, indicando legislações esparsas que não devem ser revogadas pelo Código.
Colocados esses argumentos, fica o convite para que os juristas enviem suas considerações para que todos possamos contribuir para o debate do Direito Empresarial Brasileiro.