Nova chance para a reforma tributária avançar no País
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Portal Fenacon
Jornal do Comércio / RS
Base governista sinaliza com o início das modificações no sistema atual
Fernando Soares, especial para o JC
A intenção do governo federal de encaminhar uma série de propostas para começar a efetuar a reforma tributária reacendeu o debate sobre o tema. Ao abordar possíveis melhorias no sistema atual, questões como a simplificação da legislação e a promoção de justiça fiscal novamente entram em pauta. Mas se há consenso de que urge a realização de alterações no modelo vigente, o mesmo não ocorre com relação à forma como o processo deve ser conduzido. A sinalização da base governista em fatiar por etapas a iniciativa gera divergências.
“Se for gradual ou total, no frigir dos ovos, não importa, pois ela tem que acontecer. Mas ao escutarmos que será feita de forma fatiada, não levamos muita fé. Parece mais um remendo. Quando se trata de reforma tributária, muito se fala e nada se faz”, opina o advogado tributarista Fábio Canazaro. Da primeira parte do projeto que deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional, ele vê como positiva a desoneração na folha de pagamentos.Todavia, ainda não está estabelecida a forma como essa ação será tratada. Em discussões anteriores, o governo chegou a rechaçar proposta para reduzir a contribuição patronal de 20% para 14% em sete anos.
A legislação atual, marcada pela constante criação de rotinas fiscais, é outro fator que necessita de readequação, segundo Canazaro. No Brasil, são criadas 46 normas contábeis a cada dia útil. Neste sentido, a supressão de determinados tributos se torna imprescindível para aliviar o contribuinte. “O PIS e a Cofins, por exemplo, são tributos nefastos. Eles não tributam um fato econômico. Não atingem nem renda, nem patrimônio e nem consumo. São tributos híbridos, que estão em uma zona cinzenta de operações”, diz. Além da redução do número de taxas, alterações nas leis também poderiam ajudar a cobrir brechas existentes no sistema vigente, favorável à elisão, à informalidade e à sonegação.
O presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC-RS), Zulmir Breda, destaca que a simplificação das regras passa pelo fim do conflito de competências. Em alguns casos, o contribuinte fica em dúvida se o valor devido é para o estado ou o município. Com isso, o dinheiro vai para contencioso e fica por anos tramitando no judiciário. “Também precisamos reduzir as obrigações acessórias, que oneram demais as empresas e entram no bolo do chamado custo Brasil. Isso poderia ser solucionado com a implementação de um mecanismo de intercâmbio de informações entre os fiscos federal, estadual e municipal”, afirma Breda.
Quanto ao parcelamento da reforma tributária, o presidente do CRC-RS acredita ser uma boa alternativa para o projeto, finalmente, começar a sair do papel após tentativas frustradas durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva na presidência. “A única reforma capaz de tramitar no Congresso é uma partilhada, pontual e que avance em pontos específicos. São tantos os problemas do nosso sistema tributário que é difícil imaginar um projeto que consiga resolver tudo de uma só vez.
Deputado defende participação dos contadores
Em sessão realizada no dia 29 de maio na Câmara dos Deputados, alguns parlamentares defenderam a participação de profissionais ligadas à área contábil na execução da reforma tributária. Na ocasião, foi anunciada a criação de uma frente visando à apresentação de uma proposta. Esse grupo pretende agregar administradores, contadores e economistas à discussão do tema. A iniciativa também quer contar com a adesão de associações, do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e dos conselhos estaduais.
“Necessitamos de uma reforma tributária justa, que acabe com as diferenças regionais, promova a transparência na utilização dos recursos e não cobre imposto de um só segmento”, diz o deputado federal Chico Lopes (PCdoB-CE), um dos articuladores da ação. Contador aposentado, Lopes destaca a importância desse profissional no processo de modificação do atual cenário. “Nós não queremos ser só contabilizadores, mas sim agentes de transformação e de opinião em uma importante reforma para o País, que é a tributária”, destaca. A intenção da frente é começar os trabalhos após os integrantes serem encaixados em suas funções. Será realizada uma série de rodadas para se chegar a um consenso de uma reforma ideal. Como o objetivo é integrar o Congresso Nacional em torno do debate, apenas com a colaboração de deputados e senadores a intenção poderá ser levada adiante. Sem apoio político, torna-se inviável.
Padronização do ICMS estancaria a guerra fiscal
A padronização das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) no País é uma das prioridades da proposta de reforma tributária fatiada prometida pelo governo federal. O cenário de desregulamentação do tributo, hoje cobrado com diferentes valores em cada estado, foi crucial para a expansão da guerra fiscal. As localidades passaram a se digladiar com a finalidade de atrair investimentos, tendo a concessão de incentivos fiscais como o artifício para ganhar a concorrência.
“A guerra fiscal chegou ao seu limite e está ocasionando uma situação de quase rompimento da federação. O ICMS não pode ter 27 legislações e mais de 40 alíquotas. Um imposto com uma única legislação, com cinco faixas e que migre da origem para o destino frearia essa situação”, defende Germano Rigotto, ex-governador do Rio Grande do Sul e presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários. Para ele, o tributo deveria ser fracionado por categorias. Uma básica, como existe atualmente, mas com taxa uniforme conforme o produto.
Uma reduzida, igual em todo o território nacional. A faixa ampliada abrangeria os supérfluos e a especial, com índice próximo a zero, regularia produtos básicos, como alimentos e medicamentos. Por fim, bebidas, cigarros e combustíveis se encaixariam em um segmento seletivo. O governo almeja diminuir a alíquota nas operações interestaduais gradativamente, até 2016, de 12% para 2%.
Além disso, a intenção é deslocar a cobrança da origem para o destino. A iniciativa, entretanto, tem enfrentado a resistência de alguns governadores. Amazonas, Ceará, Goiás e Espírito Santo, onde cerca de 50% do ICMS arrecadado provém de importações, são alguns dos estados hesitantes às alterações, pois receiam uma futura falta de capacidade atrativa. Para aplacar essa situação, representantes estaduais encaminharam ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, uma série de reivindicações, entre elas a repactuação das dívidas com a União. A equipe econômica acatará a sugestão. Porém, há o receio de que a mudança exija a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A desenfreada diminuição de impostos para as companhias, porém, tem deixado sequelas. “A simples redução de carga tributária traz, muitas vezes, consequências inversas para os estados. É um círculo vicioso, pois você perde arrecadação e capacidade de investimento e, consequentemente, deixa de ter infraestrutura. A igualdade nas alíquotas incentivará que cada região se qualifique para atrair empresas pela qualidade da mão de obra e pela infraestrutura”, destaca o presidente do CRC-RS, Zulmir Breda.
Com o objetivo de ressarcir as perdas de seus federados, a União acena com a criação de fundo de compensação. Entretanto, ainda não houve definição de como funcionaria essa ação. “Mas que fundo é esse? O próprio governo ainda não tem certeza de como criá-lo e como vai conduzi-lo”, critica Rigotto. Nos últimos 20 anos, a participação dos estados na arrecadação brasileira diminuiu de 31,8% para 25,6%. Ao mesmo tempo, no âmbito federal houve um acréscimo de 65,5% para 69,8% nos recursos captados. O incremento neste período tem relação com a criação de novas contribuições sociais, algumas delas não partilhadas com outras esferas.
Redução da carga de impostos sobre a produção beneficiaria o consumidor
Uma carga tributária exorbitante, semelhante à de países desenvolvidos, e serviços deficitários. É neste contexto que o Brasil está inserido atualmente. Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Política Tributária (IBPT), os brasileiros trabalham o equivalente a 149 dias apenas para pagar impostos. Para 2011, a previsão de arrecadação com tributos é de R$ 1,450 trilhão. Como o sistema atinge principalmente o consumo, quem acaba sendo mais penalizado são os compradores.
Em média, um trabalhador destina 40% de seu salário mensal para cumprir as obrigações fiscais federais, estaduais e municipais. “O nosso sistema é injusto. Vamos à farmácia, ao supermercado e ao restaurante e pagamos muitos tributos que não estamos vendo e são embutidos nos preços. Tributos invisíveis, porque eles não vêm discriminados na nota. Quem tem uma renda baixa é mais prejudicado do que quem possui uma renda elevada”, analisa Fernando Steinbruch, diretor regional do IBPT.
De acordo com Steinbruch, os cidadãos, aos poucos, estão deixando a acomodação de lado para questionar a alta carga tributária, hoje equivalente a 35,13% do PIB do País. Iniciativas como o Dia Livre de Impostos, comemorado em 25 de maio, têm motivado essa mudança de comportamento. O dirigente lembra que uma reforma no sistema vigente é necessária, mas a simples redução de impostos pode ser feita através de decreto governamental.
A cobrança excessiva nos setores produtivos é outro fator responsável por influenciar o preço pago pelo consumidor. Além de elevar o custo do item, as variadas taxas acabam reduzindo a competitividade dos produtos. “No momento em que há uma carga tributária muito elevada sobre quem produz isso é transferido ao preço do produto. No caso atual, onde temos um câmbio desfavorável, isso prejudica a exportação e tira a competitividade. Precisamos de um investimento produtivo desonerado, o que não acontece hoje”, destaca o ex-governador Germano Rigotto.