Receita cresceu “2 CPMFs”, mas verba não foi para saúde
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Portal Fenacon
Folha de S.Paulo
Governo Lula usou ganhos para ampliar Bolsa Família e pagar aposentadorias
Gastos da gestão federal na área de saúde apenas oscilaram em torno de uma mesma média ao longo desta década
GUSTAVO PATU
A receita do governo federal cresceu, ao longo do governo Lula, o equivalente a duas vezes a arrecadação da CPMF, mesmo com a derrubada, pelo Congresso, da contribuição sobre movimentação financeira.
Praticamente nada desse ganho, porém, significou aumento do gasto em saúde, que, ao longo desta década, apenas oscilou em torno de uma mesma média.
Não houve alta antes nem queda depois da extinção do tributo, hoje novamente cogitado como solução para o financiamento do setor.
Segundo levantamento da Folha, o Tesouro Nacional absorvia em 2003, primeiro ano de Lula, 21% da renda nacional, por meio de impostos, taxas, contribuições e outras fontes. Em 2011, com Dilma Rousseff, a proporção deverá se aproximar de 24%.
Não fosse uma escalada de despesas públicas (sobretudo as vinculadas ao salário mínimo) em ritmo intenso, a expansão das demais receitas teria compensado com folga a extinção do antigo imposto do cheque, que rendia algo como 1,4% do Produto Interno Bruto ao ano.
A primeira gestão petista trabalhou para elevar as contribuições sociais, cujos recursos são destinados à previdência, à assistência social, ao seguro-desemprego e à saúde. Criou-se a contribuição previdenciária dos servidores inativos e elevaram-se alíquotas da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Os programas de transferência de renda absorveram a maior parte dos recursos adicionais devido ao lançamento do Bolsa Família e, principalmente, aos reajustes do salário mínimo, piso de aposentadorias, pensões, auxílios e benefícios deficientes e desempregados.
Já as verbas da saúde seguiram a regra, instituída em 2000, que fixa aumento correspondente ao crescimento da economia: com isso os recursos ficaram estáveis, com pequenas variações para cima ou para baixo, em torno de 1,7% do PIB.
No início do segundo mandato de Lula, durante as negociações para prorrogar a CPMF, o governo prometeu elevar o orçamento da saúde -que, com a contribuição de Estados e municípios, fica em 3,6% do PIB, metade do padrão do Primeiro Mundo.
Com a derrota no Congresso, os planos foram abandonados, embora a arrecadação tenha continuado em alta. Elevaram-se o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), mas os maiores ganhos vieram da expansão da renda, da formalização de empregos e empresas.
Para o ano que vem, o Congresso chega a estimar uma receita na casa dos 25% do PIB, ou R$ 985 bilhões. O comportamento da arrecadação neste ano, entretanto, aponta para algo mais próximo dos 24%.
ANÁLISE
Caminho para imposto ficará mais fácil com o Congresso que assume em 2011
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA
O presidente Lula já deu uma primeira mostra de como pode atuar num futuro governo Dilma quando defendeu publicamente a recriação da CPMF, o antigo imposto do cheque.
Nos temas espinhosos e de interesse de sua pupila, ele tende a se expor e comprar brigas. Afinal, fora do governo, fica mais livre para atuar nessa linha sem se preocupar com repercussões na sua popularidade.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, do seu lado, seguirá mais na retaguarda nessa fase inicial, buscando dividir com outros atores a responsabilidade pelas negociações sobre uma nova fonte de financiamento da saúde.
Principalmente ela, que foi orientada por sua equipe durante toda a campanha presidencial a evitar o tema. Não só isso mas também a prometer que, ganhando a eleição, ela não elevaria a carga tributária.
No início, Dilma chegou até a escorregar e defender a volta da CPMF, imposto derrubado pela oposição durante o governo Lula. Depois, seguiu o roteiro traçado por seus assessores ao pé da letra e fugiu do assunto.
Daí que não pegaria nada bem sair defendendo abertamente mais impostos logo após ser eleita. Assim se comportou na entrevista coletiva concedida no Palácio do Planalto, onde apareceu ao lado do presidente Lula.
Nas entrelinhas, contudo, a futura presidente emite sinais de que se interessa pelo tema e vai estimular o debate. O mesmo teatro é encenado por seus assessores, que fazem questão de dizer que são os governadores os principais interessados, mas não descartam a medida.
A ideia, porém, fica para uma segunda etapa. Mais precisamente no próximo ano, quando um novo Congresso, bem mais amigável ao governo, tomará posse. O caminho ficará mais fácil. Hoje, sem maioria no Senado, seria quase impossível.
Dilma não escapará, porém, das cobranças do mundo empresarial, que dela espera não aumento de impostos, mas redução. Não só da carga tributária mas também de gastos públicos.
Lula e Dilma vão atuar por nova CPMF
São Paulo, sábado, 06 de novembro de 2010
Nova fonte de recursos para a saúde pode ser a CSS ou uma taxa sobre consumo de cigarro, bebida e combustível
Expectativa é ter apoio dos governadores, com a promessa de que não agora haveria desvio de verba para outras áreas
KENNEDY ALENCAR
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora Dilma Rousseff não querem votar a recriação da CPMF neste ano, mas vão trabalhar para que o Congresso defina em 2011 uma nova fonte de receitas para a saúde.
Assessores de Lula disseram à Folha que essa nova fonte pode ser a CSS (Contribuição Social para Saúde), em tramitação no Congresso e cópia do antigo imposto do cheque, ou uma taxa sobre consumo de cigarro, bebida e combustível.
A depender das negociações com governadores e futuro Congresso, o assunto pode ser votado isoladamente ou mesmo dentro de uma reforma tributária.
Lula já disse a auxiliares que vai trabalhar para a recriação de uma contribuição específica para financiar a saúde. Dilma também quer, mas vai deixar a batalha com governadores e partidos.
Na avaliação do governo, não há clima para votar o tema ainda neste ano.
Nas palavras de um assessor do petista, seria o mesmo que dar "munição" a uma oposição "magoada e derrotada", principalmente no Senado, para criar "confusão" no final do mandato de Lula.
A ordem agora é evitar temas polêmicos e aguardar o próximo Congresso, no qual a presidente eleita terá uma maioria mais folgada na Câmara e reverterá o quadro desfavorável no Senado.
Além disso, a expectativa é obter o apoio da maioria dos próximos governadores e dos reeleitos a favor de uma fonte de financiamento da saúde, principalmente com a promessa de que não haveria desvio para outras áreas.
O envolvimento de Lula também envolve um fator político. É seu desejo dar o troco na oposição, que derrubou a CPMF, que rendia cerca de R$ 40 bilhões por ano.
O presidente disse nos últimos dias que investiu eleitoralmente para deixar um Congresso mais amigável a Dilma para evitar surpresas como a queda da CPMF.
Neste final de ano, a prioridade do governo é votar o marco regulatório do pré-sal, o Orçamento e o valor do salário mínimo. Uma discussão sobre CPMF pode emperrar a votação desses temas e prejudicar o início do governo.
No caso do salário mínimo, Dilma, com o apoio de Lula, topa negociar com as centrais sindicais uma antecipação de parte do reajuste real que seria concedido em 2012, quando pode atingir 8%, mas desde que ela seja descontada no futuro.
Na avaliação da equipe da presidente eleita, abrir mão desse desconto criaria um precedente que pode prejudicar as contas públicas.
Dilma quer assegurar que o mínimo não cresça além da variação do PIB, sinalizando ao mercado que sua gestão buscará reduzir o ritmo de crescimento dos gastos.
Congresso irá discutir tributo apenas em 2011
O Congresso vai deixar para o ano que vem a discussão sobre a recriação da CPMF, apesar da pressão de um grupo de governadores pela volta do imposto da saúde. Nem os governistas consideram o assunto prioritário para o Legislativo até dezembro.
"A CPMF [neste ano], nem pensar", afirmou o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).
Hoje, a alternativa mais viável para a volta do tributo seria a aprovação da CSS (Contribuição Social para a Saúde), que está pronta para ser votada na Câmara.
Em 2008, o Congresso chegou a votar o texto base do projeto, mas falta um destaque do DEM, que suprime o artigo que estabelece a base de cálculo da contribuição.
Empresários fazem críticas à cobrança
Paulo Skaf, presidente da Fiesp, disse que o problema não é falta de dinheiro, "mas má gestão". Ele promete retomar o movimento "Xô CPMF", caso a ideia prospere.
O presidente da Fecomercio, Abram Szajman, propôs um debate sobre reforma tributária mais ampla. "A retomada desse assunto é inaceitável." Robson Braga de Andrade, que preside a CNI, também critica a carga tributária.
Governadores da oposição são contra imposto
A maioria dos governadores da oposição eleitos e reeleitos diz que é contra a volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mas defende mais dinheiro para a saúde.
O governador eleito do Paraná, Beto Richa (PSDB), disse que a saúde precisa de planejamento e qualidade no gasto. "A sociedade brasileira não suporta mais aumento de impostos", afirmou.
A governadora eleita do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini (DEM), disse ser contra a recriação da contribuição, mas defende a regulamentação da Emenda 29, que disciplina gastos e amplia os recursos para saúde.
O governador de Roraima, Anchieta Júnior (PSDB), eleito para mais um mandato, defendeu recursos para a saúde, mas disse ser contra uma nova contribuição.
Segundo tucanos, Alckmin deverá ser contra a CPMF. A abordagem, no entanto, é sutil. Ele disse ser fundamental repassar verbas para saúde, mas o ideal é não depender de novos tributos.
A voz discordante na oposição é o governador Antonio Anastasia (PSDB), reeleito em Minas. Ele defendeu a volta da CPMF para financiar a saúde, que, segundo ele, tem "demanda infinita".