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Com novo perfil, serviços lideram contratações

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Trabalho: Empregos ligados ao turismo, administração de imóveis e call centers são os que mais crescem no país

João Villaverde, de São Paulo

De cada dois empregos criados no ano passado, um foi no setor de serviços. Desses, metade ocorreu entre trabalhadores ligados ao turismo e ao comércio e administração de imóveis. Essas categorias são as campeãs de vagas dentro no setor que mais cria empregos no Brasil e 2009 repetiu esse padrão. Ao todo, segundo dados oficiais, os serviços já empregam mais de 13 milhões de pessoas – pouco menos que os trabalhadores do comércio e indústria somados.

Até 2006, o setor criava empregos formais a uma taxa inferior à soma das demais atividades – indústria, comércio e agricultura. Esse quadro se alterou nos últimos três anos. Nos primeiros cinco anos da década, o mercado de trabalho, sem as vagas de serviços, cresceu 22,4%, enquanto o setor ampliou vagas em 18%. A partir de 2006, com o aumento da renda das famílias, a relação se inverteu. Enquanto indústria, comércio e campo ampliaram pessoal em 14%, o setor de serviços cresceu 16,9%.

Na década, a heterogeneidade característica do setor – que engloba desde operadores de telemarketing a administradores terceirizados, passando por professores, médicos, motoboys e garçons – aumentou. Os serviços, tradicionalmente concentrados em intermediação financeira nos grandes centros urbanos, mudaram de perfil: cresceram mais as atividades voltadas às famílias, como turismo, restaurantes, call centers e transportes.

A taxa de geração de empregos no setor de serviços foi superior ao Produto Interno Bruto (PIB) em todos os anos da década. Entre os subsetores capturados pela Relação Anual de Informações Sociais (Rais), até 2008 e pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) no ano passado os que obtiveram maior expansão média na década foram os setores de comércio, administração de imóveis e serviços técnicos (56,5% em dez anos), e serviços de alojamento e comunicação, com 53,1%. Nos últimos anos, no entanto, é essa última quem cresce rapidamente. A categoria agrega os funcionários de hotéis e pousadas, além de trabalhadores em restaurantes e lanchonetes. Nos últimos três anos, esse subsetor ampliou sua participação em mais de 5% ao ano.

Por outro lado, o período entre 2000 e 2009 viu o setor de transportes e comunicação, que agrega motoristas e também operadores de telemarketing e call center, passar de 1,3 milhão de pessoas para quase 2,1 milhões – crescimento de 48,2% – ao mesmo tempo que o setor de instituições financeiras, preenchido por bancários, obter o menor crescimento – 32,5%.

A forte alta dos serviços no ano passado, que responderam por 500 mil das 995 mil vagas criadas, serviu para amortecer os efeitos da crise mundial na atividade e no mercado de trabalho, afirmam os analistas. Para eles, parte expressiva dessa ampliação decorre do caráter endógeno do setor, uma vez que depende mais das oscilações do mercado doméstico, como viagens de turismo interno, refeições fora de casa ou serviços de telecomunicações, que do exterior.

Segundo Luís Kubota e João Maria de Oliveira, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as atividades de serviços de alojamento e de alimentação, as mais expressivas do segmento, suportaram a crise graças ao mercado interno do turismo, que manteve seu desempenho e até substituiu os ganhos advindos do mercado externo. A indústria teve saldo de 10,8 mil postos em 2009, enquanto comércio encerrou o ano com pouco mais da metade do gerado em serviços – 297,1 mil empregos.

Segundo Oliveira, há neste movimento um processo de corte de custos natural em períodos de crise. "Uma firma industrial, pressionada pelos custos, resolve demitir parte de seu pessoal e contrata uma empresa de terceirizados que presta o mesmo serviço. Na ponta do lápis, diminuiu o pessoal ocupado na indústria e aumentou em serviços", afirma. Para Kubota, a indústria está sendo "artificialmente contaminada por esse fenômeno. Trata-se de uma questão contábil que ilustra a dificuldade que é realizar mensurações do setor".

Concomitantemente ao processo de incremento econômico dos serviços, há, na atual década, um processo de descentralização regional. Entre 2000 e 2009, o pessoal ocupado no setor aumentou em média 36,4% ao ano, tendo Norte (42,5%) e Nordeste (39,4%) à frente. Na década, a região que menos criou empregos no setor foi o Sudeste – dez pontos percentuais menos que o Norte.

Os serviços no Norte e Nordeste cresceram, na última década, apoiados em diferentes vetores. Enquanto no Norte o principal segmento empregador de mão de obra dentro do setor é a prestação de serviços às empresas – especialmente na Zona Franca de Manaus (AM) -, no Nordeste é o turismo, com bares, hotéis e restaurantes, que lidera. Assim, em 2009, o saldo de empregos criados foi distinto entre as duas regiões na comparação com o resto da década. Os Estados do Norte registraram a menor expansão entre as regiões, com 2,8%, enquanto o Nordeste apresentou o melhor resultado: 4,5%.

A difusão do crescimento, segundo analistas, deriva de uma mudança estrutural no eixo econômico do país, que até a década de 1990 era muito concentrado no setor industrial. Antes orientados pela indústria, que contratava serviços de apoio à sua produção – como transporte e atendimento ao cliente -, os serviços, agora, se difundem em subsetores mais ligados à atividades da família. Segundo analistas, isso decorre das políticas de ampliação do salário mínimo e de transferências de renda implementadas desde o ano 2000.

Em ano de crise, setor ganha espaço e segura PIB

Até setembro do ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) acumulava queda de 1,7%, puxado pelo mergulho da indústria (-8,6%) e do campo (-5,3%). No mesmo período, o setor de serviços cresceu 1,9%. No ano anterior, quando o PIB fechou com forte crescimento de 5,1%, a agricultura contribuiu mais (com 5,7%), enquanto serviços e indústria registraram taxas semelhantes – de 4,8% e 4,4% respectivamente. Segundo cálculos do economista Silvio Sales, consultor da FGV, o peso do setor de serviços no PIB era de 66,6% no começo de 2008 – para ele, essa conta pode beirar os 70% após a crise.

Segundo Sales, que trabalhou com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para medir a participação dos setores por valor agregado, entre 2002 e 2007 a indústria pouco avançou em participação na atividade, passando de 16,85% para 17%. No mesmo período, o setor de serviços, que é calculado junto com comércio e serviços de manutenção e reparação, passou de 66,3% para 66,6%.

Entre os pesquisadores do setor, o economista Ricardo Azevedo Silva, doutor pela Unicamp, olha de forma diferente e avalia que os serviços perdem participação no PIB. Segundo calcula Silva, desde 1950, em apenas uma década o PIB dos serviços cresceu mais que o produto industrial – nos anos 80, quando serviços cresceram 2,7% ao ano e a indústria 2,3%. Na década de 90, a indústria voltou a crescer mais que serviços – 2,9% e 2,7%, respectivamente. Para o economista, há "um mito de que os serviços crescem muito".

Segundo Silva, são necessários quatro fatores para o desenvolvimento do setor de serviços: urbanização, renda mínima, aumento da produtividade, e terceirização da mão de obra. O número de municípios quase dobrou em vinte anos, mas, para Silva, isso não significou urbanização. "A grande maioria dos municípios é muito pobre, não há renda mínima para atrair um restaurante ou um salão de beleza", diz. As atividades de serviços, afirma ele, estão limitadas aos grandes centros que, por sua vez, "não desenvolvem a periferia porque os moradores de cidades próximas vão utilizar os serviços de cinema, shopping ou mesmo tribunal de justiça nos grandes centros."

Da mesma forma, avalia o pesquisador, a indústria apresenta taxas de produtividade muito maiores – o que conta no PIB – e atrai os serviços de mão de obra terceirizada. "Esses serviços, portanto, estão próximos às fábricas, nos grandes centros urbanizados".

Para Luís Kubota e João Maria de Oliveira, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a perda de espaço dos serviços não se verifica. De acordo com eles, no início de 2008, os serviços representavam 36,5% das empresas brasileiras – inferior aos 57,8% do comércio, mas nove vezes mais que a indústria, que equivalia a 5,9% do total. Em pessoal ocupado, os serviços lideravam, com 35,7% – seis pontos percentuais acima da indústria -, mas, como destacam os pesquisadores, ainda conta com baixa produtividade. "O setor é muito diversificado e sua composição é extremamente abrangente", ressalta Oliveira.

"Os serviços, no mundo moderno, são um indicador de desenvolvimento. Quanto mais complexa se torna a atividade econômica, maior é a participação do setor", afirma Sales, da FGV. (JV)