Em 2010, União terá avaliação individual
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Funcionalismo: Ministério do Planejamento elabora série de decretos para permitir implantação do sistema
O governo prepara uma série de decretos que vão instituir sistemas de avaliação de desempenho individual dos servidores públicos federais do Poder Executivo. O Ministério do Planejamento está elaborando os atos legais para serem editados ainda este ano, informou a secretária-adjunta de Recursos Humanos do ministério, Maria do Socorro Mendes Gomes. A ideia do governo é começar a colocar esse sistema em prática já no início de 2010.
Essa iniciativa vai preencher um vácuo na administração federal direta (ministérios, por exemplo) e em parte da indireta (no caso, autarquias e fundações), totalmente carentes de mecanismos de avaliação objetiva e de métodos de aferição sobre se cada um de seus servidores está tendo um desempenho satisfatório e se contribuem, de fato, para os resultados pretendidos pelo respectivo orgão ou entidade. O desempenho individual até é verificado, mas, por falta de normas de medição mais sofisticadas, se atém apenas a aspectos mais elementares, como pontualidade e assiduidade.
O Ministério do Planejamento não informou qual o impacto fiscal previsto com a implantação desses sistemas, mas disse que ele foi considerado nos dados repassados ao Congresso Nacional, relacionados ao custo total das diversas medidas provisórias que promoveram aumento de salários e reestruturação de carreiras desde 2008.
Até 2012, a implementação dos aumentos, inclusive os concedidos aos militares, representarão um acréscimo de mais de R$ 40 bilhões no gasto da União com pagamento de pessoal, em relação à folha salarial de 2007. A soma dos vencimentos de ativos, inativos e pensionistas dos três Poderes representou, em 2007, despesa de R$ 126,8 bilhões.
Para 2010, quando boa parte do impacto das MPs já terá acontecido, a despesa da União com pessoal (que cresce também em função de outros fatores, como contratações) está orçada em R$ R$ 167,95 bilhões.
A adoção de novas formas de avaliação já estava prevista em diversas medidas provisórias editadas desde 2008, já convertidas em lei e que são as mesmas que promoveram reestruturações de carreiras e aumento da remuneração de praticamente todo o quadro do Poder Executivo Federal abrangido pelo Siape, sistema de gestão de pessoas da SRH (que não inclui os militares, os servidores do Ministério Público da União nem empregados de empresas estatais, que têm sua própria gestão de recursos humanos.
Até porque os critérios teriam de variar conforme a carreira ou grupo de carreiras, as MPs e leis delas decorrentes deram apenas referências mais genéricas, deixando o detalhamento para os decretos que serão editados. Embora prevista, a regulamentação dessas leis, portanto, será um "passo muito importante" na busca de qualidade na administração pública no Brasil, diz Maria do Socorro.
A expectativa é que, no longo prazo, a qualidade dos serviços públicos melhore, tanto em atividades-meio quanto nas atividades-fim, porque as avaliações individuais de desempenho passarão a fazer diferença na remuneração e na evolução do servidor dentro da carreira. O impacto será mais imediato e maior sobre as carreiras que têm salário mensal separado em duas ou mais partes.
Essas carreiras, que recebem vencimento básico mais gratificações, são a maioria do quadro abrangido pelo Siape, sistema que alcançava cerca de 544 mil de um total de 583 mil servidores civis ativos do Executivo no fim de 2008. No caso desses servidores, as reestruturações feitas nos últimos anos reduziram o número de gratificações, mas não as extinguiram totalmente, para que parte da remuneração pudesse ser variável, de acordo com o desempenho, e não passível de "carregamento" para a aposentadoria (em alguns casos, os aposentados têm apenas percentual da gratificação dos ativos).
As gratificações são medidas em pontos, limitados a cem, explicou Maria do Socorro. Desses cem pontos máximos, 80 correspondem ao desempenho institucional e 20 ao desempenho individual. Como os sistemas de avaliação ainda não foram implantados, os órgãos e entidades da administração federal estão pagando, por enquanto, apenas a parcela da gratificação correspondente ao desempenho institucional. Quando os sistemas estiverem funcionando, portanto, haverá ganho salarial para os funcionários e este será maior quanto melhor for a sua avaliação individual.
Há carreiras que recebem remuneração em parcela única, não variável, por meio de subsídio. Embora elas não recebam gratificação, para esses servidores os sistemas de avaliação individual também serão importantes, só que a médio e longo prazos, disse Maria do Socorro. Isso porque o desempenho individual passará a pesar tanto para as progressões (mudança de padrão dentro de uma mesma classe) quanto para as promoções (mudança de classe) ao longo da carreira. Hoje, a ascensão dos servidores é feita, em geral, em função de aspectos mais automáticos, como tempo de serviço, sem levar em conta o mérito individual. Os sistemas em implantação vão valorizar o mérito para ascensão funcional, tanto do grupo que recebe subsídio quanto das demais carreiras. A diferença é que, nesse segundo caso, a avaliação influenciará ainda na gratificação.
Em ambos os casos, as avaliações serão feitas a partir de metas institucionais a serem estabelecidas pelos ministros e/ou dirigentes de outros órgãos e entidades da administração federal. A secretária-adjunta salientou que, além da avaliação individual, também passaram a ser exigidos cursos de capacitação para mudança de padrão ou de nível dentro das carreiras.
Setor público: Para secretária, salário de ingresso precisa ser alto para atrair e reter mão de obra qualificada
Governo vê salário alto como investimento
A forte queda das receitas tributárias este ano fortaleceu as preocupações e as críticas da oposição e de diversos setores da sociedade em relação à política de pessoal do governo. Mesmo tendo a alternativa legal de adiar os generosos aumentos salariais negociados em 2008, o governo preferiu cortar outras despesas e reduzir o esforço fiscal, com reflexos negativos na dívida pública, a descumprir o que foi pactuado com o funcionalismo público.
A secretária em exercício de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Maria do Socorro Mendes Gomes, em entrevista ao Valor, fez, porém, uma contundente defesa da política de gestão de pessoal do governo Lula, em especial no que diz respeito aos elevados salários de ingresso alcançado pelas carreiras remuneradas por subsídio .
Essa forma de remuneração, que é em parcela única (em vez de vencimento básico mais gratificação), inicialmente foi concebida para agentes públicos políticos (juízes, parlamentares, presidente da República e seus ministros, no caso da União). Mas, por permissão da emenda constitucional 19/2008, vem sendo estendida, nos últimos anos, a algumas carreiras de servidores públicos, que, assim, acabaram tornando bastante atraente o ingresso no serviço público federal.
Não por acaso, disse Maria do Socorro, melhoraram muito os salários de ingresso das carreiras voltadas a atividades típicas de Estado (Polícia Federal e diplomacia), ou as consideradas estratégicas para sustentar as demais atividades do Estado, como as que cuidam da fiscalização da arrecadação de tributos (carreiras de auditorias), da gestão de projetos, da defesa do interesse público nos tribunais (advogados e procuradores da União), por exemplo.
Também foram valorizadas, entre outras, as carreiras de órgãos reguladores, como o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros (Susep), que regulam e fiscalizam os mercados financeiros e de capitais. Esses são setores onde qualquer problema é potencialmente extensivo a todo o resto da economia, como se viu na recente crise mundial.
Para a secretária, os salários de ingresso precisam ser altos não só para atrair, mas, principalmente, para reter a mão de obra altamente qualificada inerente a essas carreiras. "Não há Estado Nacional de nenhum país do mundo que tenha fortalecido sua inserção internacional, seja na política, seja na economia, sem ter uma boa estruturação de quadros qualificados. Isso não vem de graça", disse.
Alheia às críticas, ela entende que é necessário considerar o gasto de pessoal como "investimento na inteligência operacional e estratégica do Estado". Maria do Socorro assinalou que, assim como as grandes e mais eficientes empresas privadas preocupam-se em remunerar bem para reter quadros qualificados, o Estado também precisa fazê-lo.
Ela reconheceu que em algumas carreiras, como as jurídicas, a diferença entre salário de ingresso e o de fim de carreira é pequena, de apenas 26% , o que poderia ser um desestímulo ao bom desempenho. "Mas não há que se defender grande amplitude para salários iniciais, que já são altos", disse a secretária.
O diretor de Relações Institucionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fernando Ferreira, não vê problema no patamar de salário de ingresso, mas admite que essas carreiras, incluindo a do próprio Ipea, conseguiram as melhores remunerações por terem maior poder de organização e de pressão sobre os agentes políticos.
Falta ao Estado brasileiro, na avaliação do diretor do Ipea, a institucionalização da necessidade de se pagar melhor algumas categorias do serviço público. Essa visão existe, mas está dispersa nas exposições de motivos de medidas provisórias e projetos de lei de reestruturação de carreira. Para Ferreira, talvez a população compreendesse melhor os aumentos salariais, se houvesse, no Brasil, um marco legal ligando a política de pessoal ao modelo de Estado visto como o melhor pelos governantes. Também faltam referências legais de ascensão funcional com critérios voltados à necessidades do setor público.
Maria do Socorro reconhece que é preciso evitar grandes discrepâncias em relação aos maiores e também aos menores salários do setor privado. O problema dos altos salários no governo está nos cargos de nível médio e não nos de nível superior. Nos cargos de nível superior, o setor privado remunera melhor e o governo, segundo a secretária, ainda tem que corrigir muitas distorções. Por isso, disse, a reestruturação de carreiras com aumento salarial precisa continuar, mesmo depois de uma elevação expressiva da folha de salários da União.
Como exemplo, ela citou os médicos de hospitais universitários e os engenheiros responsáveis por projetos de obras públicas, em diversas áreas. Ela atribui aos baixos salários, o déficit desses profissionais no setor público. Quando consegue contratar, o governo tem dificuldade em manter o profissional no cargo, disse.
Um professor assistente de universidade federal, por exemplo, começa ganhando R$ 4.442, se tiver concluído o mestrado. Se não tiver, começa a carreira ganhando R$ 3.035. Um engenheiro do Departamento de Infraestrutura de Transportes, que entra no serviço público com salário de R$ 5.571, já incluída a gratificação atual, também ganha bem menos que as carreiras do grupo com subsídio.
Estabilidade é atrativo para carreira no funcionalismo
"Crise à vista? Proteja-se na estabilidade da carreira pública: sem experiência anterior, sem limite de idade, ambos os sexos." É assim que um cartaz esteticamente questionável, pendurado em uma das salas de aula do cursinho Central de Concursos, promove o sonho de aprovação nos concorridos processos seletivos das administrações federal, estaduais e municipais.
Em meio aos cem alunos da classe, a jovem Carla Seppi, de 23 anos, ouve atentamente as explicações do professor sobre estrutura societária de empresas familiares e sociedades anônimas. Assim como os colegas, anota cada palavra, com ênfase nos termos técnicos, como fator de atualização de capital, por exemplo. Ela é um dos 3,5 mil candidatos a uma vaga na máquina pública federal matriculados em uma das cinco unidades do cursinho em São Paulo. Este ano, quatro alunos da escola foram aprovados em concursos estaduais e federal. No ano passado, a escola emplacou 55 concorrentes. Em 2009, o Ministério do Planejamento autorizou a abertura de 15.830 vagas para os quadros federais. No ano passado, foram 40 mil oportunidades oferecidas.
Ao entrar na faculdade de ciências contábeis, há quatro anos, Carla já sabia que queria seguir os exemplos dos pais e de parentes e se tornar funcionária pública. Mais especificamente, trabalhar na Receita Federal, um dos cargos mais concorridos. Nos últimos dois anos, ela gastou cerca de R$ 5 mil com o cursinho preparatório e, atualmente, estuda num estágio intensivo na unidade da rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo, à espera da abertura dos editais das provas que vão definir os novos analistas ou auditores da Receita, cujos salários iniciais variam de R$ 7 mil a R$ 14 mil.
Apesar de reconhecer que tem pouca experiência profissional – fez estágio num escritório de contabilidade por seis meses durante a graduação – e enfrenta dificuldades em matérias ligadas à rotina de trabalho de um servidor da Receita, como contabilidade e auditoria tributária, Carla está certa de que oportunidade oferecida pelo concurso é melhor do que começar uma carreira na iniciativa privada. "Fiz a faculdade já pensando em entrar para a Receita, pela estabilidade, pelo salário e também pela qualidade de vida. No mercado, a gente trabalha muito mais, há uma exigência maior, hora extra, para, no fim, receber menos", argumenta.
Para Carla, todo o esforço vale a pena e, mesmo que não seja bem-sucedida nas provas, não desistirá facilmente. "Além do curso, estou estudando umas três horas por dia, de manhã, à tarde e à noite, e procuro acompanhar a publicação de artigos sobre direito tributário, que é minha principal dificuldade, na internet", explica a candidata.
"Sou nova e se não entrar nesse, haverá outros concursos. Eu só me vejo trabalhando no setor público. Sei que experiência conta, mas os aprovados fazem cursos e recebem treinamento e isso só me motiva, porque terei chance de aprender muito e fazer o que eu gosto", diz Carla, ao ser questionada sobre se o curso é suficiente para qualificá-la para o cargo ou concorrer com outros milhares de candidatos.
Já para Rui Gonçalves Vicente, 53 anos, trabalhar no setor público representa superar a instabilidade da iniciativa privada. Formado em engenharia e em química, ele construiu sua carreira em empresas de grande porte do setor plástico, onde ocupou cargo de gerência por 20 anos. "Uma multinacional comprou a empresa em que eu trabalhava e eu fui descartado. Cheguei a ser indicado pelo presidente da empresa para uma filial, mas ele precisou voltar para os Estados Unidos para assumir uma nova atividade na matriz e o seu substituto me demitiu", lembra Vicente.
Frustrado, hoje ele sequer considera procurar emprego na iniciativa privada, pois está certo que não terá proposta salarial equivalente ao que recebia antes de ficar desempregado. Não aceita trabalhar por menos de R$ 7 mil. "Não é só o concurso, a área pública hoje valoriza também a experiência profissional e tem também a estabilidade e o salário, que garantem segurança muito maior. O destino do profissional não fica na mão de uma meia dúzia de executivos", critica Vicente, que há quase um ano estuda para concursos do Banco Central e da Receita Federal.
Enquanto a prova não chega, além da rotina de estudo, o desempregado por opção dá aulas particulares de química e agradece poder contar com o apoio da esposa e do filho, de 14 anos. "Sei que sou privilegiado. Minha mulher trabalha há 20 anos na mesma empresa e tem um bom salário, por isso tenho tempo para estudar. E a cobrança maior é minha, não vem deles."
As palavras "não passar" não existem no vocabulário de Vicente, embora esteja consciente das dificuldades das provas e da exigência do resto do processo, como análise de currículo e a entrevista. "Uma oportunidade no setor público não vai depender da minha idade e, sim, do que tenho a oferecer."