Sistema de compensações é ruim, diz procurador
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Arnaldo Galvão, de Brasília
A Receita Federal não tem estrutura para fiscalizar de maneira adequada as compensações de tributos. A conclusão é do procurador da República Lauro Pinto Cardoso Neto, ao citar resultados parciais de um inquérito civil que esteve sob sua responsabilidade até fevereiro deste ano.
Segundo ele, em maio de 2005, a 8ª Região Fiscal (São Paulo) tinha R$ 266 milhões em créditos requeridos. Aplicando a correção da taxa Selic, o valor foi a R$ 628 milhões. Do total, 87,26% (R$ 541 milhões) deixaram de ser verificados pela Receita Federal, R$ 44,94 milhões foram indeferidos e R$ 41,03 milhões receberam homologação. "É um sistema que não funciona, porque a Receita não tem meios para conferir se as compensações são devidas. Esse modelo não serve ao interesse público", afirma Cardoso.
O inquérito civil do Ministério Público Federal (MPF), que investiga irregularidades em compensações de tributos, foi aberto em 2005, mas continua em andamento sob o comando da procuradora Ana Paula Coutinho. O inquérito espera mais informações da Receita sobre uma auditoria interna que está sendo conduzida, e também aguarda dados da corregedoria da Receita sobre o suposto envolvimento de funcionários em ilegalidades.
Cardoso argumenta que a lei que criou o atual sistema de compensações (lei 9.430 de 1996), meramente declaratório, desrespeita o Código Tributário Nacional (CTN), que é uma lei complementar. De acordo com a avaliação do procurador, o CTN exige créditos líquidos e certos para a homologação das compensações. Para ele, a lei tem de ser reformada por meio de medida provisória ou aprovação de projeto de lei no Congresso.
As normas legais que estão em vigor permitem às empresas declararem créditos, o que, automaticamente, evita o pagamento de tributos. Isso, segundo a Receita criou uma espécie de "banco fiscal" que, na prática, dá capital de giro para as empresas. Depois de declarado o crédito, é a Receita Federal que tem cinco anos para investigá-lo.
Cardoso conta que a pior situação ocorreu entre 1997 e 2000, quando vigorou a instrução normativa 21. Ela permitiu usar créditos de terceiros nas compensações. A instrução normativa 41 revogou essa permissão em 2000, mas o Ministério Público Federal abriu outro inquérito civil sobre esse período, que está sendo comandado pela procuradora da República Valquíria Quixadá. "Há problemas de toda a ordem, desde desvios funcionais até uso de documentos falsos por parte de contribuintes", revela Cardoso. A Receita Federal foi procurada para comentar o assunto, mas preferiu não se manifestar.
Apenas no primeiro trimestre, a Receita Federal contabilizou compensações de R$ 48,8 bilhões em créditos das contribuições PIS (Plano de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). As empresas que apresentaram declarações nesse valor ficaram com sobra de R$ 20,1 bilhões após as compensações que fizeram com suas obrigações tributárias.
Um grupo de estudo foi criado pela ex-secretária Lina Maria Vieira para preparar alternativas ao atual sistema declaratório. Há, para os dirigentes da administração tributária, um efeito perverso das normas de compensação sobre as previsões de arrecadação. Elas inviabilizam projeções com margem aceitável de segurança, porque não há padrão nas compensações.
Os números do inquérito civil do MPF reforçam a estimativa da Receita Federal sobre a alta incidência de irregularidades. Na média nacional, entre 40% e 60% dos créditos declarados pelas empresas nas compensações de tributos são inexistentes.
As compensações do primeiro trimestre mostram que as empresas que mais declararam créditos de PIS e Cofins foram as do setor de fabricação de alimentos, com R$ 9,29 bilhões. Em seguida, vêm R$ 7,58 bilhões do comércio atacadista, com exceção de veículos automotores e motocicletas. O terceiro lugar na lista dos setores que mais apresentaram créditos de PIS e Cofins ficou com a indústria química, com R$ 4,77 bilhões.
No caso do IPI, os três setores que mais declararam créditos no primeiro trimestre foram o comércio atacadista (exceto veículos e motocicletas), com R$ 2,75 bilhões, fabricação de alimentos (R$ 2,61 bilhões) e produção de máquinas e equipamentos (R$ 2,06 bilhões).
As atuais normas de compensação servem, para a Receita Federal, como arma de planejamento tributário "agressivo". No caso de grandes empresas, uma fiscalização sobre compensações pode durar até um ano. Nesse cenário, prevalece a opinião, na Receita, sobre a inversão do princípio da indisponibilidade do interesse público. Isso significa que a arrecadação tributária que financia despesas públicas fica subordinada a interesses particulares.