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‘O foco está em grandes empresas’

Publicado em:

estadao.com.br

Ex-secretária diz que a Receita ‘saiu do pé dos pequenos’ e correu atrás do imposto sonegado pelos ‘grandes’

Beatriz Abreu

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Lina Vieira deixou o comando da Receita Federal convencida de que a causa de sua demissão – a política de concentrar o combate à sonegação nas grandes empresas – "é irreversível". Ela não cita a Petrobrás, mas admite que a ação contra grandes empresas, deixando de lado "os velhinhos", provocou conflito no governo. Lina diz que o foco nos grandes contribuintes, os "tubarões brancos", "incomodou muita gente".

A contundência das declarações contra as grandes empresas que recorrem à compensação de créditos para não pagar imposto e o diagnóstico de que existe corrupção na Receita Federal traem os gestos suaves e a voz pausada. A secretária recebeu a reportagem da Agência Estado no gabinete da Receita, na sexta-feira, minutos antes de recolher as mensagens de apoio dos superintendentes que, na semana passada, se rebelaram contra sua demissão. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como a sra. soube da demissão?

Na quinta-feira retrasada, o ministro me chamou e disse que precisava mudar o comandar da Receita e teria de ser logo. Na quarta, recebeu os superintendentes e os comunicou que Cartaxo (Otácilio Cartaxo, secretário adjunto) ficaria como interino.

Qual o motivo que ele apresentou para sua demissão?

Ele não apresentou o motivo. Só disse que precisava substituir o comando da Receita.

Por que os superintendentes se revoltaram?

Porque não queriam a minha saída.

Qual era o seu projeto para a Receita?

O grande desafio foi o de trazer a mudança para a Receita. Conseguimos fazer isso. Essa mudança da Receita e de seus integrantes é irreversível.

Irreversível?

É irreversível. Hoje, temos a posição de não aceitarmos ingerência política na administração tributária, de conduzir a administração tributária com obediência à lei. Se há problemas na legislação e de interpretação, que se discutam esses problemas nos tribunais. Ao auditor fiscal cabe cumprir a lei, e não interpretar a lei.

Isso significa a prevalência do poder dos superintendentes, que são taxados de sindicalistas?

Desde que cheguei aqui ouvimos que a Receita foi povoada de sindicalistas. É um mito, não é verdade. Todos nós somos sindicalizados.

Todos têm atuação sindical ideológica.

Mais de 90% dos sindicalizados têm atuação efetiva. Na minha gestão, esses foram valores importantes, que estavam esquecidos e encostados. A Casa está fervendo de motivação.

E de ideologia …

Não. Não.

Como estava a Receita quando a sra. chegou?

Encontrei pessoas desmotivadas, uma fusão mal realizada entre a Receita Federal e a Previdenciária.

A sra. identificou casos de corrupção na Receita?

Quando cheguei aqui encontrei caso já julgado na Justiça e com condenações.

Essa situação acabou?

Fortalecemos a corregedoria e queremos cortar na própria carne e extirpar da instituição aqueles que são corruptos. Fortalecemos a inteligência da Receita, que atua para fora e para dentro da instituição.

A sra. errou na dosagem da orientação de focar os grandes contribuintes?

A Receita deve buscar na sociedade o que foi sonegado.

O Cartaxo veio para ficar?

Não. O ministro disse que ele vai ficar na interinidade. Eles foram surpreendidos. Acharam que era fácil me tirar e colocar outra pessoa.

A sra. não teve apoio político.

E nem fui atrás. Nem para chegar nem para sair e nem para permanecer.

A sra. não está politizando a sua saída?

Não. Como?! O que você entende por politizar a saída?

Esse levante dos superintendentes não é político?

Não é politização. É ser querida. É ser reconhecida como competente.

Mas esse movimento deixou mal o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que não conseguiu um sucessor imediatamente.

Não. Certamente ele conseguirá fazer. A Casa não estava esperando a minha demissão.

Existe uma versão de que a sra. não apresentou resultados.

Os números estão aí e números não mentem. As autuações são apenas lançamentos, que serão contestados. Parte dos lançamentos foi feito pela suspensão de compensações. O ano de 2008 foi um ano de arrecadação atípica. Conseguimos manter a tendência na arrecadação em meio à crise, com um volume muito grande de compensações sendo feitas. Tudo isso impacta. (O coordenador-geral, Marcelo Lettieri, comenta que no primeiro semestre de 2008 houve R$ 31 bilhões de receitas atípicas, por causa dos IPOs – emissões de ações – e que se isso estivesse acontecendo agora "até um poste teria bom resultado").

Então a sua demissão foi política?

Não sei. Você vai ter de perguntar ao ministro. Ele é que pode dizer.

É mito dizer que a razão da demissão foi o embate com a Petrobrás?

Não discuto porque eu saí.

O que a sra. identificou como procedimento passível de averiguação, no caso da Petrobrás, pode ter contribuído para a demissão?

Vários fatores mudaram o foco do nosso trabalho e pode ter criado isso. Descontentamos muitos porque tiramos o foco do velhinho, do assalariado e passamos para as grandes empresas.

Inclusive a Petrobrás?

As grandes empresas. Não falo em nome de contribuintes. Guardo o sigilo fiscal, sempre. Todas as grandes empresas passaram a ter um olhar mais atento do fisco.

A sra. defende autonomia e mandato para o secretário da Receita?

É muito importante para o País. Esse assunto está na discussão da nossa Lei Orgânica.

Na sua gestão, não houve a liberdade de aumentar arrecadação com aumento de imposto?

Nas crises econômicas do passado se lançava mão de aumento de alíquotas. Agora, não é questão de liberdade. A crise estava instalada. Tínhamos de socorrer o País para manter os empregos e a renda. O governo fez a opção correta.

Então não é sua a responsabilidade pela queda na arrecadação.

Lógico que não. Foi uma opção do governo. (O assessor Alberto Amadei intervém e diz que os que alegam questão de competência querem comparar situações que não se comparam. Lembra que na crise da Ásia a alíquota da Cofins subiu 50% e que assim até um poste resolve problema de arrecadação).

A sra. concorda que com aumento de imposto até um poste pode gerir a Receita?

Claro. Com a arrecadação por meio de aumento de alíquota não precisa ter ninguém sentado aqui.

Existe má fé nesse debate em torno da sua saída?

Se estão comparando dessa forma, sim. Existe má fé. Abrimos mão de R$ 13 bilhões com as desonerações e enfrentamos as compensações, que minam a arrecadação. Com as compensações não há previsão de arrecadação.

Qual o problema?

Eu não sei quanto as empresas vão compensar. É automático.

Temos de mudar o sistema. Hoje, a empresa entra na internet registra o seu crédito e não paga o imposto.

Foi o que a Petrobrás fez.

As empresas podem fazer. Estamos tirando a mão de obra fiscal, que deveria estar fiscalizando as empresas, para ficar checando a qualidade do crédito usado pelo contribuinte.

A carga tributária é elevada?

Temos a maior carga tributária se comparada a de outros países do mesmo nível que o Brasil. Nosso modelo é muito complexo. A carga tem de ser reduzida e a tributação tem de ser simplificada.

Qual sua proposta para combater a sonegação?

Fortalecermos a comunicação com Estados e Municípios. O crime é organizado. Se não atuarmos em conjunto , sendo parceiros, cruzando dados não vamos conseguir combater o crime organizado da sonegação, do contrabando, do descaminho, da pirataria… que tira emprego dos brasileiros.

Seu depoimento na CPI da Petrobrás é um risco para o governo?

Tanto faz eu estar aqui ou não. Se for convocada eu atenderei.

O que a sra. tem a dizer?

Respeitado o sigilo fiscal que tenho de cumprir, posso dizer como é a legislação no caso da compensação.

Se a lei permite a compensação e a mudança do regime tributário (a Petrobrás alterou o regime), o que a Petrobrás fez de errado?

Não posso falar sobre isso. O que houve foi uma consulta e respondi a essa consulta. Não posso quebrar o sigilo fiscal. A sistemática da compensação eu posso explicar como é.

Como é?

A empresa pode compensar, observando o regime de caixa ou competência. E ela deve fazer a opção no início do exercício. Nós lemos a legislação e interpretamos o que diz a Lei. Para a gente, está muito claro quando a empresa pode fazer a opção. Lógico que em cima do que fazemos, todas as empresas se cercam de bons advogados, pareceristas. É o direito que o contribuinte tem de discutir a legislação.

Sua demissão foi uma injustiça?

Não considero. O importante é termos a nossa Lei Orgânica aprovada e definindo um mandato para permanecer no cargo, sem qualquer ingerência.

Nos bastidores, dizem que a sra. não quer sair como incompetente.

Sempre tive posições firmes. Nunca fiquei em cima do muro em relação a nenhum assunto. Os resultados das minhas administrações mostram a minha trajetória exitosa.

Qual seu projeto ao sair da Receita?

Retornar à delegacia da Receita em Natal, tirar férias e gozar a licença prêmio de 9 meses. Voltar para minha casa e minha família. Tenho projeto de vida fora da Receita, mas não vou dar consultorias.

Por quê?

Eles não querem a competência. Querem as informações.

É uma critica a quem saiu da Receita e passou a ser consultor?

É. Precisamos discutir essa questão do conflito de interesses.

Quem sai da Receita tem muitas informações…

Muitas e privilegiadíssimas.

A sua saída pode representar a ruptura com essa nova mentalidade da Receita?

Não acredito em retrocesso.

Como secretária da Receita, faltou apoio do governo federal?

Não. Recebemos as diretrizes do ministro para dar uma nova formatação à Receita e fizemos isso em pouco tempo.

No futuro será possível conhecer o verdadeiro motivo da sua demissão?

Não sei. Talvez o ministro queira revelar.

A Receita quer fazer uma fiscalização em bloco, setorizada, de potenciais sonegadores? Não é pegar pesado?

Não. A sociedade não aguenta mais. Grande parte do imposto que a sociedade paga não vai para os cofres públicos. É imposto sonegado.

Sonegado por má fé ou por que o empresário não suporta o peso dos impostos?

Saímos do pé dos pequenos. Só estamos indo nos grandes. (Almadei fala na ação contra tubarões brancos…)

A sra. concorda que grandes empresários são tubarões brancos, que sonegam imposto?

Concordo.

Os ?tubarões? sonegam por má fé?

Grande parte das sonegações é permeada por grandes fraudes, por planejamentos tributários agressivos. Isso tem de ser combatido.

Mas o planejamento tributário é previsto em Lei.

Alguns se utilizam das brechas da lei para pagar menos imposto. Outros omitem um ganho e, depois, em uma fiscalização se verifica que não havia brecha na lei para agir daquela forma.

Os empresários alegam que a tributação é alta.

Ah. E eles reclamam dos juros? Na verdade, a Receita Federal virou um banco de compensações. Tem impostômetro para mostrar quanto eu pago, mas quando eles vendem eles retiram PIS/Cofins/ ICMS da mercadoria? Quem paga é o cidadão.

Então qual a razão da compensação? Para aumentar o lucro?

É. Precisamos municiar o cidadão para ele entender essa engenharia. É um caminho longo a percorrer.

É o país da cultura da sonegação e da corrupção?

Temos grandes empresários, que fazem um trabalho bonito. Mas, como tudo na vida, há os dois lados da moeda: temos os que são inescrupulosos, efetivamente, e os que causam grande mal à sociedade.

Com esse discurso a senhora teria de ficar…

Pois é… (risos).

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