A tributação de controladas e coligadas
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A chamada "Controlled Foreign Corporations" (CFC), aqui denominada tributação dos lucros das controladas e coligadas estrangeiras, é adotada por alguns países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para impedir o diferimento e o não-pagamento do imposto sobre a renda, uma vez que determina que o seu recolhimento – para fins de Imposto de Renda (IR) e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – seja efetuado na ocasião da sua apuração.
É fato que a tributação tem, na prática, se mostrado eficaz nos casos que envolvem sociedades sediadas em países de tributação favorecida – os denominadas paraísos fiscais – mas no Brasil, por conta da Medida Provisória nº 2.158-35, o instituto da tributação dos lucros das controladas e coligadas estrangeiras acabou tendo seu real objetivo distorcido. Isso porque, em muitos casos, o valor apurado na empresa situada no exterior, na qualidade de coligada ou controlada, já tem outra destinação, como, por exemplo, o reinvestimento na própria empresa, o que faria, por certo, que essa quantia jamais estivesse colocada à disposição da empresa brasileira – não havendo, pois, motivo que justificasse o pagamento do tributo.
A tributação dos lucros das controladas e coligadas estrangeiras já esteve presente em nosso ordenamento em ocasiões pretéritas, mas seus dispositivos sempre causaram controvérsias, que acabaram por culminar na última lei que dispõe sobre o assunto – a Lei nº 9.532, de 1997, que, de forma acertada, condicionou seu pagamento à efetiva disponibilização jurídica e econômica. Ora, não é preciso muito esforço para verificar que somente dessa forma é que seria possível a compatibilização da norma com o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), que prevê, como fato gerador do IR, a quantia disponibilizada econômica ou juridicamente.
A questão em tela – que parecia, por fim, ter se adequado ao ordenamento jurídico vigente – sofreu uma profunda alteração com a edição da Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, que, em seu artigo 74, determinou a tributação das empresas coligadas e controladas, quando da apuração de seus resultados, independentemente da sua disponibilização jurídica e econômica. Não fica difícil vislumbrar a inconstitucionalidade desse dispositivo, pois que, além de ser uma releitura do artigo 25 da Lei nº 9.249 – a antiga legislação que versava sobre o assunto e cujo teor, inclusive, foi rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) -, ignorava as regras contidas no CTN e, principalmente, os princípios constitucionais.
Aliás, no que tange aos princípios constitucionais, vemos que o artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35 afronta diversos deles, quais sejam, o artigo 150, inciso III, alínea "a" (princípio da irretroatividade) e "b" (princípio da anterioridade) e o inciso IV (vedação ao confisco) da Constituição; o artigo 145, parágrafo 1º (por desconsiderar a personalidade jurídica das coligadas e controladas, propondo a tributação diretamente sobre o patrimônio); o artigo 146, inciso III, alínea "a", e o artigo 154, inciso I (por extrapolar a competência atribuída pela Constituição à lei complementar), além dos artigos 43 e 98 do CTN.
E foi diante desse cenário que começaram a se multiplicar os questionamentos afetos à constitucionalidade do dispositivo citado. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 2.588, que pugna pela declaração da inconstitucionalidade do artigo 74, bem como do parágrafo 2º do artigo 43 do CTN, incluído pela Lei Complementar nº 104, de 2001, para justificar a deturpação dos conceitos utilizados na medida provisória.
O assunto, levado ao Supremo para julgamento em 2001, ainda não tem uma decisão final – não havendo sequer a apreciação da liminar requerida -, estando paralisado por conta de um pedido de vista do ministro Carlos Britto, que compõe a corte. Apesar de paralisada, já temos alguns posicionamentos: três votos a favor da inconstitucionalidade, dois contrários e um parcialmente favorável. Não há dúvidas, pois, quanto às extrapolações encontradas nos dispositivos contestados e que os mesmos, de fato, contrariam os princípios constitucionais – considerados balizadores das normas do direito pátrio. Entretanto, não podemos nos esquecer daqueles países onde existem tratados internacionais em vigor.
Bem, sabemos que os tratados internacionais celebrados pelo Brasil adotam o modelo VII estabelecido pela OCDE, ou seja, observam a questão da dupla tributação e têm especial preocupação com a elisão fiscal. Esses tratados reconhecem a personalidade jurídica própria das sociedades coligadas e controladas – o que significa dizer que consideram, como competente em caráter exclusivo, o Estado de residência para fins de tributação, não cabendo, pois, qualquer imposição tributária ao Estado de residência do controlador. Assim, quando houver a existência de tratado internacional, ele terá, obrigatoriamente, preferência com relação à lei interna – em consonância com as normas contidas no CTN -, significando que, nessas ocasiões, não haverá a tributação nos moldes do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35.
Finalizando esse breve estudo acerca da tributação dos lucros das controladas e coligadas estrangeiras, pudemos constatar que, de fato, as regras que tratam do tema estão eivadas de inconstitucionalidades, carecendo de um tratamento mais adequado. É certo que, apesar de "inacabadas", são elas que estão vigorando até a decisão do Supremo, cabendo às empresas brasileiras uma atenção, cada vez maior, ao planejamento tributário de suas organizações, de modo a minimizar os riscos e prejuízos advindos de uma legislação capciosa e, por vezes, inconstitucional e prejudicial ao contribuinte.
José Oswaldo Corrêa e Maria Eugênia Muro são, respectivamente, sócio titular e advogada do Escritório de Assessoria Jurídica José Oswaldo Corrêa
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