Lula escuta as bases
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Isto é Dinheiro
Menos impostos, juros menores e mais estímulos ao setor industrial. Nos 15 anos do Real, a política econômica ganha um toque expansionista, mas pode ameaçar o equilíbrio fiscal
Denize Bacoccina e Luciana Oliveira
Na semana em que o País comemorou os 15 anos do Plano Real, que plantou a semente da estabilidade econômica, pela primeira vez o Brasil pôde dizer que uma crise trouxe uma oportunidade. Na segunda-feira 29, entre a candidata Dilma Rousseff e o ministro Guido Mantega, Lula anunciou medidas que nada têm a ver com planos de arrocho anunciados em crises anteriores. Ao contrário. O governo prorrogou reduções de impostos para vários setores da economia e, ao sinalizar que dará continuidade aos estímulos fiscais, também deixou claro que não mexeria na meta de inflação.
Um dia depois, o Conselho Monetário Nacional decidiu que os alvos de 2010 e 2011 continuam sendo de 4,5%, o que abre espaço para reduções de juros. Ficou claro, portanto, que Lula deu ouvidos a suas bases. À ministra Dilma, interessa ampliar os investimentos. O ministro Mantega, que não é propriamente um fiscalista, também ficou satisfeito com as medidas, que estão puxando vendas de vários setores, especialmente da indústria automobilística. Empresários e trabalhadores há anos também clamam por redução de impostos e de juros no Brasil. Significa, então, que todos saíram satisfeitos? Na verdade, quase todos. O que alguns especialistas apontam é que essa nova política econômica, mais expansionista, poderá gerar problemas futuros nas contas públicas. "Em algum momento, o governo vai ter que aumentar impostos ou cortar gastos", avisa o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.
A equipe de Lula, porém, desfila uma série de argumentos para defender sua posição. A primeira delas é que as medidas de desoneração deram resultado. Mais de 1,4 milhão de carros foram vendidos no País no primeiro semestre, um recorde. "Se continuarmos neste ritmo, devemos ter o melhor ano da história", disse o presidente da Anfavea, Jackson Schneider. A redução do imposto para a linha branca também fez as vendas de geladeiras aumentarem 26% e de lavadoras crescerem 30% em maio. O aquecimento das vendas desovou os estoques da indústria, que voltou a produzir. Em maio a indústria cresceu 1,3% em relação a abril. Para manter as máquinas rodando, o governo atendeu aos apelos dos empresários e na segunda-feira 29 prorrogou os cortes de IPI da linha branca, veículos e material de construção e ainda anunciou novas medidas. Ampliou a desoneração para bens de capital, um dos setores mais afetados pela crise. Além disso, aumentou o volume de crédito, reduziu a taxa de juros do BNDES e criou dois fundos garantidores de crédito para micro, pequenas e médias empresas para empréstimos do BNDES e do Banco do Brasil. O governo também reduziu pela metade a taxa de juros para a compra de caminhões, com a manutenção do IPI em zero. A estimativa é vender 20 mil unidades até o fim do ano. "É uma medida importantíssima para reduzir o custo de produção e fundamental para os autônomos", disse à DINHEIRO o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge.
A prioridade para aquecer a economia também é confirmada pela decisão do CMN de manter em 4,5% a meta de inflação para os próximos dois anos, abrindo espaço para nova queda de juros no futuro. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que queria uma meta mais baixa, de pelo menos 4%, foi voto vencido. Mantega e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ganharam mais flexibilidade para perseguir o crescimento econômico sem correr riscos de estourar a inflação.
A política expansionista deu resultado na reativação da atividade econômica e manutenção do emprego, mas também tem seu preço. Nos primeiros cinco meses do ano, a arrecadação tributária caiu 7% em relação ao mesmo período do ano passado, o que já coloca pressão sobre a secretária da Receita, Lina Vieira. Com as desonerações, a queda mais acentuada foi no IPI, de 29,7%. Enquanto isso, os gastos subiram 11,6% no mesmo período. O superávit primário, diferença entre receitas e despesas sem o pagamento dos juros, ficou em 2,28% no acumulado de 12 meses até maio, abaixo da meta de 2,5%. Técnicos da Fazenda acreditam que a receita será recuperada no segundo semestre, quando a economia estará num ritmo de 3,5% a 4% no último trimestre. "O superávit de 2,5% será cumprido", diz um assessor do ministro Guido Mantega. Economistas de fora do governo que acompanham as contas públicas não estão tão confiantes. "Não acredito que o governo vai cumprir a meta", diz o economista Mario Sergio Carraro Telles, da Confederação Nacional da Indústria. Ele estima que o ano deve fechar com um superávit primário de 2,03%, e um déficit nominal de 2,85%. Com isso, a relação dívida/PIB deve reverter a tendência dos últimos anos e subir de 38,8% do PIB no ano passado para cerca de 42% este ano. "Essa aceleração dos gastos, logo adiante, vai exigir um ajuste nas contas", reforça a economista-chefe do banco ING, Zeina Latif. O estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, acha que o governo tem espaço para cumprir a meta este ano. "Desde que retome os patamares dos impostos e corte os gastos", afirmou.
Ajuste fiscal não parece ser a prioridade neste momento. Só o aumento de salário prometido aos funcionários públicos para este mês de julho vai aumentar as despesas da União em R$ 29 bilhões este ano. O governo também deve aumentar o Bolsa Família, mas pode usar R$ 14 bilhões do Fundo Soberano para evitar um rombo maior nas contas públicas. O que fica claro é que Lula tentará encerrar bem seu mandato, ainda que deixe uma conta para o sucessor.