Receita e MP querem cadeia para sonegador
Publicado em:
estadao.com.br
Plano é mudar a lei e acabar com benefício da extinção do processo de quem paga a dívida com o Fisco
David Friedlander
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A Receita Federal e o Ministério Público vão atuar juntos para pôr o sonegador na cadeia. Hoje, essa hipótese é tão remota que não assusta mais ninguém. Motivo: pela legislação em vigor, mesmo apanhado com notas fiscais frias, documentos falsos ou contas subfaturadas, o sonegador pode ter seus delitos perdoados. Basta pagar sua dívida com o Fisco e ele fica livre do processo criminal. Se desejar, pode parcelar o débito em até 60 meses. O plano da Receita e do MP, agora, é mudar a lei e acabar com esse benefício.
No ano passado, a Receita autuou 7.600 contribuintes acusados de cometer crimes tributários. Ao todo, sonegaram R$ 23 bilhões. Entre eles, há o médico que emite um recibo a cada 20 consultas, o comprador de imóvel e sua escritura com valor menor e o empresário que não registra os funcionários. Todos infringiram a lei para sonegar impostos. Mas as regras atuais permitem que escapem da Justiça se acertarem as contas com o Fisco, em prestações a perder de vista.
"Eles não têm medo porque a lei atual afasta a sensação de risco. Quem vai achar que sonegar é perigoso se, ao pagar a multa, ele se exime do crime?", questiona a secretária da Receita Federal, Lina Vieira. "A lei não pode acobertar o fraudador."
"Já passou da hora de rever essa legislação", afirma o procurador Lauro Cardoso Neto, chefe da Procuradoria da República no Distrito Federal. "Do jeito que é hoje, o sujeito tenta. Se for pego, tem um processo demorado dentro da Receita. Se perder, ainda pode recorrer à Justiça. Se der tudo errado, ele paga o auto de infração e se livra de tudo."
Esta semana deve ser publicado no Diário Oficial da União o convênio de cooperação assinado no último dia 8 pela secretária da Receita e pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. A parceria prevê ações de aplicação imediata, como troca de informações e investigações conjuntas com uma frequência bem maior do que hoje. Mas há também iniciativas delicadas, porque mexem com a genética da legislação tributária e precisarão passar pelo Congresso.
Para essas, já existe uma estratégia definida. Primeiro, serão organizados debates e seminários para propor mudanças na legislação. De lá, o assunto será espalhado para a opinião pública. A intenção é conseguir apoio para a elaboração de um projeto de lei que altere pelo menos dois pontos: uma nova regulamentação para os crimes tributários e o fim do perdão para quem comete crime tributário. "Essa conduta precisa ser punida, indiferente de a Receita vir a cobrar ou não o débito", diz a secretária da Receita.
Na visão da Receita e do MP, há dois itens na lei que precisam ser mudados. O principal é o artigo 34 da Lei 9.249. É ele que, desde dezembro de 1995, permite ao sonegador escapar dos tribunais pagando o auto de infração. Na linguagem jurídica, isso se chama extinção da punibilidade.
O outro item é o artigo 83, da Lei 9.430. Ele determina que os indícios de crimes tributários encontrados ao longo de uma fiscalização só podem ser informados ao Ministério Público depois do fim do processo na Receita. Como esses processos demoram sete, oito, alguns até 20 anos, e os crimes tributários prescrevem em oito ou nove, quando a notícia do crime tributário chega ao MP já não há muito o que fazer.
"Ninguém paga imposto porque gosta. Paga porque é obrigado. Se não houver punição, não adianta obrigar. No limite, o sonegador paga a Receita e sai impune", afirma Eurico Marcos Diniz de Santi, professor de direito tributário e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo.
O perdão mediante pagamento surgiu durante a implantação do Plano Real, diante da necessidade de fazer caixa rapidamente para sustentar o plano de estabilização econômica. "O momento hoje é outro", diz Diniz de Santi. Mas, entre os tributaristas, o fim do benefício não é unânime. "Entendo o efeito moralizador que pode ensejar, mas tenho receio de como isso seria aplicado no Brasil", afirma o advogado Paulo Ayres Barreto, professor de direito tributário da Universidade de São Paulo (USP). "O problema é quando a gente sai dos extremos, do que é sonegação, e entra na zona cinzenta. É uma dificuldade classificar o que é crime tributário."
O empenho extra contra a sonegação acontece num momento em que o governo está preocupado em recompor seu caixa. Com a arrecadação em queda há sete meses, por causa de uma economia enfraquecida pela crise, o Planalto tomou a decisão de desonerar vários setores produtivos, como a indústria de veículos e algumas linhas de eletrodomésticos, enquanto seus gastos cresceram. Como há pouca margem para aumento de impostos, o desafio é aumentar o número dos que deveriam contribuir, mas conseguem escapar das garras do leão.
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