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A inflação do cigarro

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Isto é Dinheiro

Em uma sociedade que fuma cada vez menos, o tabaco ainda influencia mais a inflação do que o arroz e o feijão

Hugo Cilo

H á 20 anos, 35% da população brasileira era fumante. Hoje, esse grupo representa 15,2%, segundo o Ministério da Saúde. Nesse mesmo período, passou de 97% para 98% o total de famílias que comem arroz e feijão mais de cinco vezes por semana. Diante desses números, seria natural imaginar que os alimentos pesassem mais na inflação do que o cigarro.

Mas é o contrário. Nos cálculos do IBGE, o fumo tem participação de 0,86% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), composto por 386 itens. Juntos, arroz (0,62%) e feijão (0,21%) respondem por 0,83%. Isso significa que o preço do tabaco, quando sobe ou desce, tem influência direta no seu bolso, mesmo que você não seja fumante. Quando as tarifas públicas e os contratos de aluguel são reajustados – ambos pelo IGPM, que é formado também pelo IPCA – lá está ele, o cigarro.

No mês passado, essa realidade ficou mais evidente. Puxado pela alta de 18% do cigarro – que teve o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) elevado em 30%, para compensar parte das desonerações de eletrodomésticos, materiais de construção e veículos -, o IPCA subiu 0,48%, mais que o dobro do 0,20% registrado em março.

Outros fatores, como remédios e energia elétrica, também contribuíram para a elevação, mas não tiveram peso tão significativo. Se o cigarro fosse excluído do cálculo, a inflação seria de 0,35%. O IBGE afirma que o peso do cigarro na inflação pode cair se o aumento de preços e as campanhas antitabagismo resultarem na diminuição do consumo. "O cigarro não tem um peso desprezível na inflação porque tem grande influência no orçamento das famílias", justificou o economista do Instituto Brasileiro de Economia, da FGV, André Braz.

Segundo ele, o critério para medir o peso do fumo no País é a entrevista porta a porta, com famílias de renda mensal de até 40 salários mínimos. "Quanto menos as pessoas gastarem com cigarro, menos impactará nos indicadores econômicos", garantiu Braz. Essa esperada redução do impacto, caso se concretize, poderá ser vista ainda este ano. O IBGE atualiza a composição do IPCA a cada quatro ou cinco anos.

O último levantamento, colocado em prática em 2006, será modificado nos próximos meses. "Estamos em fase final de ajuste da pesquisa. A nova estrutura pode aumentar ou reduzir a participação do fumo", destaca Braz. Mas a nova fórmula do IPCA pode trazer surpresa. O economista Adriano Gomes, professor de finanças da ESPM, acredita que a influência do cigarro tende a subir neste ano. "Por se tratar de um vício, e o cigarro ter ficado mais caro com o aumento do IPI, não causaria espanto ver o fumo ter peso ainda maior no IPCA", disse Gomes.

Não é a primeira vez que personagens peculiares se destacam como os vilões da inflação. Um episódio semelhante entrou para a história. No início dos anos 70, em meio a uma crise econômica, a inflação fugiu ao controle. A culpa foi de um aquoso legume, que subiu 173%. O então ministro Delfim Netto veio a público para resumir o ocorrido. "O culpado da inflação é o chuchu."