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Um rombo trilionário

Publicado em:

Geralda Doca
BRASÍLIA

Uma conta astronômica dá a exata noção do impacto da Previdência nas finanças públicas brasileiras. Somados ano a ano, os déficits acumulados pelos regimes previdenciários no Brasil — INSS, União, estados e municípios — superaram a marca de um trilhão de reais nos últimos dez anos. Um valor superior ao da dívida pública doméstica do país (R$ 1,002 trilhão). Segundo cálculos do especialista José Cechin, ex-ministro da Previdência e consultor da Aggrego, entre 1995 e 2005 o rombo, em valores corrigidos pela taxa Selic, atingiu R$ 1,097 trilhão:

— Toda a dívida pública do Brasil pode ser atribuída ao déficit dos regimes de Previdência. Esse dinheiro poderia ter sido aplicado em educação, saúde, assistência social, segurança, estradas e outros investimentos.

As despesas com aposentadorias e pensões cresceram apesar das duas reformas da Previdência, uma com foco no INSS, na era FH; e outra no regime dos servidores públicos, no inicio do atual governo. Mas, segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o gasto com a Previdência no país está no mesmo patamar da Europa, onde a população idosa é bem maior. No Brasil, apenas 8% têm mais de 60 anos.

— Imagina o que acontecerá em 30 anos, quando os velhos superarem 20% da população? — pergunta Vinícius Pinheiro, da Organização Internacional do Trabalho, na Itália.

Países emergentes como Índia, China e Coréia do Sul gastam menos de 5% do PIB com aposentadoria, enquanto no Brasil a taxa já alcança 13%. Diante da gravidade da situação — só o déficit do INSS este ano deverá bater na casa dos R$ 50 bilhões — especialistas propõem uma agenda para quem vencer as eleições este ano.

Vinculação ao mínimo novamente na berlinda

Fixação de idade mínima (entre 158 países, só Brasil, Malauí, Argélia e Miamar não fazem essa exigência), redução das diferenças nas regras para homens, mulheres e professores e a desvinculação do salário-mínimo do piso da Previdência são as principais propostas. Para os especialistas, será preciso mexer novamente na aposentaria dos futuros servidores públicos.

As alterações constam de estudo de Fabio Giambiagi, do Instituto Pesquisa Econômica Aplicada, sobre questões a serem enfrentadas de 2007 a 2010. Cálculos mostram que o impacto do mínimo nas contas do INSS em 2005 e 2006 (R$ 26,1 bilhões) consumirá mais da metade da economia, de R$ 49 bilhões, projetada para os próximos 20 anos:

— O que aconteceu nos últimos dez anos é uma aberração sem tamanho. O aposentado tem que ser protegido, sim, mas da inflação.

Para o aposentado Illis Emanuel Tocantins, o Estado tem que garantir um meio de sobrevivência a todas as pessoas acima de 65 anos:

— Aposentadoria é obrigação do Estado — diz ele, que contribuiu por 28 anos e se aposentou por idade (se fosse por tempo de contribuição, teria que pagar por mais sete anos).

Para o professor da Coppe/UFRJ, Benedito Passos, é preciso coragem para mexer em tabus, como a paridade entre ativos e inativos e a desvinculação do mínimo. Porém, fatores como a elevada carga tributária precisam ser discutidos. A contribuição de 20% dos empregadores sobre a folha, citou, inibe a contratação formal, que melhoraria a arrecadação

Quem ganha e quem perde

BRASÍLIA. O desequilíbrio da Previdência produz ganhadores — trabalhadores que não contribuíram o suficiente na ativa e recebem aposentadoria. E perdedores — aqueles cujas contribuições do passado acabam bancando o primeiro grupo. Segundo o Ipea, os maiores financiadores do sistema são homens que começam a trabalhar com carteira assinada aos 25 anos e se aposentam por tempo de contribuição, com benefício acima do salário-mínimo.

A conta é rateada com mulheres que entram no mercado aos 19 anos e pedem aposentadoria pelos mesmos critérios; e professores homens que começam a contribuir aos 18 anos. Eles perdem porque seus benefícios acabam sendo inferiores ao que teriam direito, considerando o que recolheram. Nesses casos, a rentabilidade fica bem abaixo da usada por fundos de pensão (6% ao ano): 1,6% para os homens; 2,5%, mulheres; e 2,7%, professores.

— As reformas não tiveram impacto em redução de despesa e aumento de receita. O foco foi mais distributivo, em que a classe média financia as aposentadorias do trabalhador de baixa renda — disse o autor do estudo, Marcelo Abi-Ramia, ressaltando que parte dos efeitos positivos das mudanças foi anulado pelos ganhos reais do mínimo nos últimos anos.

A situação melhora para mulheres (contribuinte individual) que entram no mercado aos 18 anos e se aposentam com um mínimo: retorno de 6,2%. Todas as aposentadorias por idade obtêm rentabilidade acima dessa taxa (reforçando a tese de que é preciso fixar uma idade mínima). E os benefícios rurais e assistenciais (Loas) são totalmente subsidiados.

O vendedor Rafael Ramos, pai de um filho, começou a contribuir para a Previdência há um ano e está entre os que pagam a maior conta. Aos 23 anos de idade e salário em torno de mil reais, defende um sistema mais igualitário:

— O governo devia estimular todos a contribuírem e não pagar aposentadorias às custas de parte da população.

Já a dona de casa Sueli Martins, 62 anos, que contribuiu por 16 anos e acaba de pedir aposentadoria por idade, defende o benefício para todos os idosos:

— O governo tem que pagar pelo menos o mínimo porque muita gente trabalhou sem carteira e não teve como contribuir.

No Loas há três anos, Jovita Assunção contou que ajudou o marido na roça e nunca recolheu para o INSS:

— Todo idoso tem direito. Uso o dinheiro para viver e comprar remédios.

Sem discutir o papel da Previdência de distribuir renda, o consultor Marcelo Estevão lembra que é preciso encontrar fontes de financiamento para evitar o sacrifício de alguns segmentos:

— O sistema atual não incentiva os mais pobres a darem sua cota de participação, pois eles receberão o mesmo de quem paga durante toda a vida