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ISS competência territorial

Publicado em:

Moacyr Pinto Junior*

 
Introdução

O Brasil é uma república continental dividida em instâncias estaduais e municipais que compartilham com a União autonomias e competências sociais, políticas, econômicas e tributárias, dentre outras.

Não foi uma tarefa fácil para o constituinte de 1988, atribuir e dividir tais autonomias e competências. No caso da divisão de competências tributárias, decorridos apenas cinco anos da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (Constituição), houve a primeira alteração no texto constitucional, em 1993. Reforma Tributária é uma expressão cotidiana em discursos de autoridades, em trabalhos acadêmicos, em notícias publicadas pela imprensa.

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é um tributo que os Municípios e o Distrito Federal podem exigir de prestadores de determinados tipos de serviços. A intuição possibilita, prima facie, saber que o imposto poderá ser exigido quando ocorrer prestação de serviço e que o seu montante deverá ser proporcional ao valor do serviço. Mas é tormentoso saber qual Município poderá exigir o imposto quando o prestador de serviços for domiciliado num e prestar serviço noutro.

Decorridos quinze anos da promulgação da Constituição, em 2003 o Congresso Nacional aprovou, finalmente, lei complementar para dispor a respeito do ISS. A norma determinou que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador, relacionando, entretanto, vinte e duas exceções a tal disposição. É certo que as exceções legais ao princípio geral que rege a competência tributária para exigir ISS e a instituição de substituição tributária resultaram em inumeráveis litígios entre Municípios e entre Municípios e contribuintes do tributo.

Geralmente, quando um contribuinte presta serviços em município diverso daquele onde está domiciliado, os tomadores dos serviços – cumprindo as legislações de seus municípios – retêm do preço cobrado o valor do ISS para recolher aos respectivos erários municipais, sistemática conhecida como substituição tributária. Tal configura conflito de competência tributária quando os serviços prestados pelo contribuinte incluem-se dentre os discriminados pela lei complementar cujo ISS deve ser pago ao Município onde está localizado o seu estabelecimento ou o seu domiciliado.

Regra matriz do ISS

A competência dos Municípios para exigir ISS tem fundamento legal no artigo 156 da Constituição e na Lei Complementar 116 de 2003.

O artigo 156 da Constituição dispõe que compete aos Municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos dentre os discriminados no inciso II do seu artigo 155, conforme forem definidos por lei complementar (inciso III do artigo 156). O parágrafo 3º do referido artigo 156 dispõe que cabe à lei complementar fixar as suas alíquotas máximas e mínimas (inciso I), excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior (inciso II) e regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (inciso III).

Na verdade, a Constituição não institui tributos, mas outorga competências tributárias para a União, para os Estados e o Distrito Federal e para os Municípios. Cada competência tributária outorgada pela Constituição é limitada através da descrição de uma regra matriz. Pois, o exercício da referida competência, isto é, a instituição do tributo através de atividade legislativa, é limitada pela regra matriz estipulada pela Constituição. A regra matriz do ISS está formulada no artigo 156 da Constituição.

Conseqüentemente, além de observar a regra matriz formulada pela Constituição, os Municípios e o Distrito Federal, para o exercício de sua competência tributária relativamente ao ISS, estão limitados também às normas gerais e definições estabelecidas pela Lei Complementar 116 de 2003.

Tendo em vista ainda o que dispõe o artigo 150 da Constituição – (…) é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (…) exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça -, o exercício da referida competência exige também lei municipal cuja amplitude não poderá exceder a regra matriz constitucionalmente formulada e o que dispõe a já referida lei complementar.

Deve-se levar ainda em conta que o CTN impõe uma limitação geral para o exercício de competências tributárias. É a prescrita no seu artigo 110.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Assim sendo, para instituir o ISS os Municípios e o Distrito Federal estão limitados pela regra matriz estipulada pela Constituição, pelas normas gerais e definições estabelecidas pela Lei Complementar 116 de 2003, pelos princípios constitucionais tributários gerais e pelos princípios tributários gerais estabelecidos pelo CTN.

Características do ISS

No caso do ISS sujeito ativo é o Município ou o Distrito Federal. Não se olvide que cabem ao Distrito Federal os impostos municipais, conforme dispôs expressamente a Constituição (artigo 147).

É certo que a própria matriz constitucional do ISS – imposto sobre serviços – já permite ao intérprete deduzir que é o prestador de serviços quem tem relação pessoal e direta com o fato gerador do imposto. A Lei Complementar 116 de 2003, entretanto, é expressa e definitiva: Contribuinte é o prestador do serviço (artigo 5º). A referida lei complementar prevê, também expressamente, a possibilidade de substituição tributária (artigo 6º), mas mediante lei, no caso, lei municipal.

Também com relação ao fato gerador do ISS, a sua matriz constitucional – imposto sobre serviços – possibilita a sua identificação: Prestação de serviços definidos em lei complementar. A tal lei complementar, como já foi dito anteriormente, é a Lei Complementar 116 de 2003 a qual prevê que o ISS tem como fato gerador a prestação de serviço constante de lista anexa a ela (artigo 1º).

No caso do ISS, conforme dispôs a Lei Complementar 116 de 2003, a base de cálculo do imposto é o preço do serviço (artigo 7º).

A Constituição dispõe que as alíquotas máximas e mínimas do ISS serão fixadas por lei complementar. Contudo, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Constituição dispõe que até que lei complementar estabeleça uma alíquota mínima ela será igual a dois por cento (inciso I do artigo 88). A Lei Complementar 116 de 2003 fixou a alíquota máxima do ISS em cinco por cento (inciso II do artigo 8º).

Competência para exigir ISS

Tendo em vista que a Constituição não institui tributo, mas outorga competências para que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal o façam, é certo que a lei tributária vige no território da entidade política a qual foi outorgada competência para instituir o tributo respectivo.

Até março de 1967, o ISS era devido no local onde o serviço fosse prestado, uma vez que nem a Constituição, nem lei complementar, nem o CTN ou outra norma regulamentar tratavam de local de prestação de serviço. A falta de regulamentação sobre local de prestação de serviço provocou inúmeros conflitos entre contribuintes e Municípios, principalmente nos casos em que contribuintes domiciliados em um município prestavam serviços em outro.

O Ato Complementar 36 de 1967 foi a primeira norma que dispôs a respeito de local de prestação de serviço. Ele estabeleceu que, no caso de contribuintes que prestam serviços em mais de um município, deve ser considerado local da operação (1) aquele onde se efetuar a prestação do serviço – no caso de construção civil ou de serviço prestado em caráter permanente por estabelecimentos, sócios ou empregado de contribuintes sediados ou residentes no Município – ou (2) aquele da sede do contribuinte – nos demais casos (artigo 6º). O referido ato complementar não tratou de contribuintes que prestam serviços em um único município. Portanto, neste caso o local de prestação de serviço continuou a ser aquele onde o serviço for efetivamente prestado. Na verdade, a regulamentação a respeito de local de prestação de serviço promovida pelo Ato Complementar 36 de 1967 não foi suficiente para encerrar os conflitos entre contribuintes e Municípios.

O Decreto-lei 406 de 1968 modificou as citadas disposições a propósito de local de prestação de serviços. Aquele decreto-lei determinou que devessem ser considerados locais de prestação de serviço, para fins de ISS, o local do estabelecimento prestador ou, na sua falta, o local do domicílio do prestador, exceto no caso de construção civil, hipótese em que deveria ser considerado local de prestação de serviços aquele onde o mesmo foi prestado (artigo 12). É certo que o falado decreto-lei determinou com clareza o local de prestação de serviços: Afora no caso de prestação de serviços de construção civil, hipótese em que o local de prestação deveria ser considerado o local onde efetivamente aconteceu a feitura do serviço, em todas as demais hipóteses o local de prestação de serviço deveria ser considerado aquele onde se encontra o estabelecimento prestador ou aquele onde se encontra domiciliado o prestador, caso não exista estabelecimento. Era irrelevante para a determinação da competência tributária ativa do ISS o município onde os serviços eram prestados. Menos no caso da construção civil, os Municípios podiam cobrar ISS de estabelecimentos prestadores de serviços localizados no seu território e de prestadores de serviços nele domiciliados.

Durante a vigência do Decreto-lei 406 de 1968, os tribunais estaduais firmaram diversos entendimentos, muitos deles divergentes, sobre o local de prestação de serviços. Tais divergências jurisprudenciais perduraram até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou a jurisprudência sobre o assunto.

Segundo o entendimento que se consolidou no STJ, a competência para arrecadar o ISS é do município onde o serviço é prestado, apesar do que dispõe o artigo 12 do Decreto-lei 406 de 1968. O principal fundamento do entendimento foi a impossibilidade de prevalência de disposições do decreto-lei frente ao princípio constitucional da autonomia municipal, isto é, não é defeso à legislação infraconstitucional determinar que fato ocorrido em um município seja submetido à lei tributária de município diverso. Com outras palavras, o STJ privilegiou o princípio da territorialidade das normas tributárias.

A partir de julho de 2003 a Lei Complementar 116 instituiu novas regras para determinação do local de prestação de serviços. Segundo aquela lei complementar o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador. Entretanto estipulou vinte e duas exceções à referida regra geral (artigo 3º).

É certo que a discriminação foi para solucionar os conflitos decorrentes da legislação anterior que resultaram, inclusive, em pacificação de jurisprudência em sentido contrário ao da lei. A intenção do legislador fica ainda mais evidenciada com a leitura do artigo 4º da Lei Complementar 116 de 2003 o qual cuidou de definir o conceito de estabelecimento prestador e, assim, afastar controvérsias.

Ficaram, pois, determinada expressamente uma regra geral para estabelecer o local de prestação de serviços, discriminadas todas as exceções e definido precisamente o conceito de estabelecimento prestador.

A jurisprudência antiga do STJ não pode ser invocada em face da Lei Complementar 116 de 2003. O fundamento no qual se apoiava à citada jurisprudência foi superado pelo legislador que, expressamente revogou o artigo 12 do Decreto-lei 406 de 1968 e dispôs que a regra que antes se aplicava apenas a prestação de serviços de construção civil agora deve ser aplicada em vinte e duas hipóteses de prestação de serviços. Lembre-se que o artigo 102 do CTN autoriza, expressamente, a lei tributária estadual, distrital e municipal viger fora do território respectivo.

Contudo, a possibilidade de instituição de substituição tributária, isto é, de retenção do imposto municipal pelo tomador de serviços, sem reservas relativamente ao critério para a determinação do local de prestação de serviços, permite que dois municípios exijam ISS referente a uma mesma prestação de serviços. É o que ocorre quando o critério para a determinação do local de prestação é o do estabelecimento prestador ou do domicílio do prestador e os serviços são efetivamente prestados em município diverso que instituiu substituição tributária.

Atualmente, as jurisprudências de alguns tribunais têm prestigiado as disposições previstas na legislação complementar relativamente ao local de prestação de serviços.

Observe-se, por exemplo, que a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, durante o julgamento da Apelação Cível 1.0024.02.748504-4, decidiu que o ISS somente é devido no local de prestação de serviço nas hipóteses previstas pelos incisos I até XXII do artigo 3º da Lei Complementar 116 de 2003.

O tribunal mineiro também decidiu, no decorrer do julgamento da Apelação Cível 1.0188.03.017631-0, que o imposto municipal deve ser recolhido no local do estabelecimento do prestador do serviço, exceto no caso das vinte e duas hipóteses previstas no artigo 3º da lei complementar que regulamentou aquele tributo.

Pode-se concluir, pois, que atualmente o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto no caso das vinte e duas exceções à referida regra geral previstas pelo artigo 3º da Lei Complementar 116 de 2003.

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 Nota:  Moacyr Pinto Junior*