Provisão para calote deve atingir R$ 50 bi
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Quantia reservada pelos bancos para cobrir perdas em 2009 deve crescer R$ 10 bilhões, afirma presidente da Febraban
Redução do “spread” pelo BB seria seguida pelos bancos privados, mas parcialmente, pois cliente não escolhe banco só pelos juros, afirma
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
Os bancos brasileiros devem provisionar, ao final de 2009, pouco mais de R$ 50 bilhões em créditos de recebimento duvidoso. É quase R$ 10 bilhões a mais do que o verificado em 2008 e o dobro das provisões para cobrir perdas feitas no final de 2005.
A estimativa é de Fabio Barbosa, presidente do Santander e da Febraban. Provisões são recursos que os bancos separam, em seus balanços, para fazer frente aos calotes e aos atrasos dos clientes.
Barbosa disse ainda que, se o Banco do Brasil reduzir agressivamente seu “spread” (a diferença entre sua taxa de captação e a que cobra dos clientes), os bancos privados terão de seguir a tendência.
“Mas apenas nos segmentos em que os juros já são mais baixos. Assim como o consumidor não compra apenas carros baratos, não é só o empréstimo mais barato que vende.”
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.
FOLHA – Durante a crise, os bancos privados reduziram o ritmo de aumento do crédito. Eles deixaram o país na mão?
FABIO BARBOSA – De modo algum. O sistema financeiro privado cresceu em termos nominais durante a crise. Aumentou mais nos bancos públicos, é verdade. Mas o total de crédito cresceu também nas instituições privadas, algo que não se verificou praticamente em nenhuma outra economia relevante no mundo. Os bancos de maior porte, aliás, aumentaram o crédito sensivelmente.
FOLHA – De onde vem a sensação de que o dinheiro ficou escasso?
BARBOSA – O crédito aumentou em uma proporção menor do que seria necessário para se equilibrar com as necessidades surgidas com a crise. Em outubro, as grandes empresas tiveram suas portas fechadas nos mercados de capitais internacional e doméstico e também no mercado de crédito internacional. O que elas fizeram? Recorreram aos bancos domésticos. Com isso, congestionaram o mercado. Os bancos brasileiros, privados e públicos, passaram a ser disputados por mais tomadores, de grande porte.
FOLHA – Houve, então, mais crédito com “spreads” mais altos?
BARBOSA – Os “spreads” já estão caindo há três meses, é bom dizer. Mas, de fato, aumentaram no ano passado. Foi uma resposta ao aumento da incerteza e à expectativa de uma desaceleração da economia, que se confirmou. Temos sempre de trabalhar na perspectiva daquilo que imaginamos que será a inadimplência.
FOLHA – Foi necessário aumentar tanto os “spreads”?
BARBOSA – Os dados de inadimplência subiram, e muito. Isso se refletirá em perdas, em algum momento. Tenho, por enquanto, só um palpite. O sistema financeiro deve provisionar, ao final de 2009, alguma coisa acima de R$ 50 bilhões em perdas de crédito, apenas para termos uma dimensão da magnitude dos números.
FOLHA – Há contra os bancos a desconfiança permanente de que elevam as provisões para reduzir propositadamente seus lucros.
BARBOSA – Com que objetivo fariam isso? Para pagar menos impostos? A provisão só é dedutível dos tributos depois de dois anos. Não faz sentido.
FOLHA – Por que o juro cobrado por bancos estrangeiros no Brasil é até dez vezes o das mesmas instituições em seus países de origem?
BARBOSA – Os bancos internacionais trabalham de acordo com as regras dos mercados em que fazem suas operações. E vou repetir o mantra: temos aqui impostos que não existem no mercado internacional; temos um nível de compulsório elevado; temos créditos direcionados que não são exigidos no resto do mundo; e aqui não há um cadastro positivo que nos permita diferenciar os clientes.
FOLHA – Uma das vantagens da presença de bancos internacionais não era justamente a capacidade de captar dinheiro mais barato lá fora?
BARBOSA – Esse argumento foi utilizado de forma equivocada. Se um banco estrangeiro trouxesse o dinheiro para cá, o traria em dólar e precisaria trocá-lo por reais. Quando decidisse emprestar, os “custos-Brasil” apareceriam. A instituição teria que pagar PIS, Cofins, IOF e uma maior Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Como é possível repassar o diferencial de juros para o consumidor nessas condições? Dá para comparar o preço de um carro no Brasil e lá fora? A gasolina no Brasil com a gasolina lá fora? Por que compararíamos “spread”?
FOLHA – Se o Banco do Brasil reduzir mais rapidamente o “spread”, os bancos privados terão de segui-lo?
BARBOSA – Uma movimentação por parte do BB em alguns setores, principalmente aqueles mais sensíveis a preços, certamente ensejaria uma redefinição dos patamares de juros do mercado. Principalmente nos segmentos em que os juros ainda são um fator preponderante. Mas existem outras variáveis que definem a escolha de um banco pelos clientes.
FOLHA – As taxas de juros não são a variável mais relevante?
BARBOSA – São uma das variáveis. Assim como os consumidores não compram apenas carros baratos e não frequentam só restaurantes de preços módicos, não é só o empréstimo mais barato que vende. O que eu quero dizer com isso? Que, sim, existe um impacto, mas que a concorrência também depende de outros fatores.
FOLHA – A queda da Selic reduz o ganho dos bancos?
BARBOSA – Ao contrário do que se fala, não é o banco que recebe os juros que o governo paga. O banco é só um intermediário. São as pessoas que recebem, os clientes. E as pessoas sentem um certo incômodo ao ver que suas receitas estão caindo. É um processo natural de ajuste. Já tivemos um ajuste muito mais doloroso, que foi o fim da inflação.
FOLHA – Mas os bancos não ganham emprestando ao governo?
BARBOSA – Praticamente todo o dinheiro que o banco usa para fazer seus empréstimos é captado por meio de um CDB ou de um fundo. Esse dinheiro rende para o depositante cerca de 102% da taxa Selic. Ora, se ele me custa 102% da taxa Selic, como pode o banco sentar-se em sua liquidez e aproveitar as altas taxas de juros, recebendo 100% da Selic? Quem compra por 102% e vende por 100% não se viabiliza. É equivocada a afirmação de que o sistema financeiro empoça a liquidez e ganha com a taxa de juros elevada que se pratica no país.
FOLHA – E o dinheiro que os clientes deixam no banco sem remuneração, o depósito à vista? Ele tem custo zero para os bancos.
BARBOSA – Sim, ele é basicamente todo canalizado. Seja para o compulsório -diga-se, sem remuneração-, seja para o crédito rural ou para o microcrédito. Portanto, essa ideia de que os bancos são os maiores interessados na manutenção do juro elevado está errada. Os bancos são comerciantes de dinheiro e vão se dar melhor quando trabalharem com mercadoria barata. Compramos dinheiro e vendemos dinheiro.