PER/DCOMP impede compensação de estimativas de IRPJ/CSLL
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Como é sabido, recentemente, o art. 29 da Medida Provisória nº 449/2008 alterou o art. 74 da Lei nº 9.430/1996 vedando a compensação de débitos relativos às antecipações mensais do IRPJ e da CSLL, calculados com base no LUCRO REAL.
Diante desta alteração (a qual já estava prevista na IN nº 900/2008) dúvidas surgiram quanto à aplicação deste dispositivo: alguns contribuintes alegavam que somente a estimativa efetuada com base na Receita Bruta e Acréscimos estava sujeita à vedação em comento, outros manifestaram entendimento no sentido de que o objetivo do legislador foi impedir qualquer tipo de compensação com base no LUCRO REAL, inclusive aquela formalizada com lastro no balanço de suspensão/redução.
Como se pode observar pelo texto legal abaixo transcrito, o mesmo faz menção ao pagamento da estimativa mensal efetuada com base na Receita Bruta, prevista no art. 2º da Lei nº 9.430/96:
"MP 449/08 (o art. 29 da MP alterou o art. 74 daLei nº 9.430/96):
Lei nº 9.430/96.
Art. 74.
(…)
§ 3º Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou contribuição, não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo sujeito passivo, da declaração referida no § 1º:
(…)
IX – os débitos relativos ao pagamento mensal por estimativa do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL apurados na forma do art. 2º.
Vejamos então o que dispõe art. 2º da Lei nº 9.430/96:
"Art. 2º A pessoa jurídica sujeita a tributação com base no lucro real poderá optar pelo pagamento do imposto, em cada mês, determinado sobre base de cálculo estimada, mediante a aplicação, sobre a receita bruta auferida mensalmente, dos percentuais de que trata o art. 15. da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 e nos arts. 30 a 32, 34 e 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, com as alterações da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995."
Assim evidencia-se, com base na análise das legislações destacadas, que somente as compensações realizadas com base na Receita Bruta estariam vinculadas à previsão da MP nº 449/2008.
Não obstante, identificamos que o programa PER/DCOMP, utilizado para a compensação de débitos administrados pela Receita Federal, vedou o envio do documento (através do Receita Net) nos casos de compensação de débitos de IRPJ e CSLL, independentemente da forma de apuração adotada pelo contribuinte. O programa na realidade não faz distinção entre o pagamento com base na Receita Bruta ou Balanço de Suspensão/Redução já que os códigos de recolhimento são os mesmos.
Se houvesse alguma lógica nessa restrição a mesma somente poderia se aplicar às antecipações com base na receita bruta (lucro estimado) e o motivo é simples: quando uma pessoa compensa um crédito com débito de estimativa mensal e depois no final do exercício a estimativa foi maior que o lucro real definitivo, esta mesma pessoa poderá restituir a estimativa paga a maior. Desta forma, ficam dois pedidos de restituição para serem analisados; a) aquele do crédito inicial que foi utilizado para compensação com a estimativa mensal; b) e a própria estimativa recolhida (no caso compensada) a maior, não podendo esquecer que no primeiro caso a pessoa não teria direito à incidência da SELIC sobre o crédito e no segundo caso sim. Isto estimula empresas a compensar créditos com débitos por estimativa mesmo que saibam que tenham prejuízos durante todo o ano, porque desta forma elas restituirão os valores corrigidos pela SELIC, que diga-se de passagem é um índice bem alto (acima de 12% ao ano).
A despeito do até aqui exposto, ou seja, considerando que a vedação em comento se aplica a qualquer tipo de antecipação, ainda é preciso verificar se haverá a efetiva positivação desse comando legal quando da conversão da MP 449 em lei, já que inúmeras entidades de classe estão pressionando o Congresso para revogar a restrição em debate, principalmente porque o referido dispositivo vem sendo bastante criticado e até o presente momento já recebeu 18 Emendas solicitando sua supressão.
Em que pese o posicionamento adotado pela Secretaria da Receita Federal, vislumbramos fortes argumentos de defesa visando afastar tal restrição. Vejamos:
Podemos apontar algumas inconstitucionalidades e ilegalidades que permeiam a nova previsão. Inicialmente, há de ser dito que o direito ao crédito tributário, como qualquer outro crédito, se incorpora ao patrimônio de seu titular, sendo, portanto, de sua propriedade. Ora, se o crédito tributário de titularidade do sujeito passivo compõe o seu patrimônio, ou melhor, é de sua propriedade, trata-se, por isso, de verdadeiro direito fundamental, protegido pelo art. 5º, caput e inciso XII, da Constituição Federal, cujo exercício não pode ser restringido por legislação infraconstitucional. Ademais, a prática comumentemente adotada pelo Poder Público de ser devedor de determinado sujeito passivo e exigir o pagamento de seus créditos em dinheiro deste mesmo sujeito passivo, vedando a compensação, passa muito além do Princípio da Moralidade Administrativa, que é de observância obrigatória, conforme art. 37 da CF/88. Além disso, inexiste qualquer justificativa plausível para vedação à compensação estabelecida, estando a nova previsão desprovida de qualquer razoabilidade.
Na mesma linha, a impossibilidade de realizar a compensação faz com que o Imposto de Renda passe a gravar a receita, situação que não se coaduna com a regra constitucional que autoriza a incidência desse imposto sobre a "renda", entendida como o acréscimo patrimonial verificado em determinado período. Da mesma forma, a alíquota efetivamente praticada, tendo-se em vista a impossibilidade de compensação, passa a ser muito maior que a legalmente prevista. O direito de compensação ainda é da própria técnica de apuração do IRPJ e da CSLL. A nova regra, por isso, mais assemelha-se a confisco.
Não fosse isso suficiente, a aplicação imediata da nova legislação viola os princípios da segurança jurídica e da não-surpresa do contribuinte, uma vez que este já estava preparado para realizar a compensação como sempre fez, sendo, portanto, inconstitucional.
Em vista de todo o exposto, duas poderão ser os procedimentos adotados pelos contribuintes:
a) Fazer a compensação em papel. Neste caso, todavia, sem que haja uma medida judicial preventiva, a compensação será considerada como não declarada, e a defesa sobre a compensação não terá o efeito suspensivo da manifestação de inconformidade. Neste contexto, a medida judicial até pode ser proposta após a negativa a RFB acerca da compensação efetuada, mas neste caso o débito já estará em aberto, ou seja, a empresa, ficara em uma situação desfavorável, com restrição para obtenção da CND.
b) Propor uma Mandado de Segurança Preventivo, questionando o ato da Receita lastreado na IN SRF 900/08 que instituiu a nova versão do PER/DCOMP ou até mesmo a própria MP 449, visando obter medida liminar que assegure a suspensão da exigibilidade dos débitos de IRPJ e CSLL compensados, com base nos argumentos já expostos.
Outra saída seria a possibilidade, desde que a empresa possua situação de lucro durante todo o ano-calendário, de opção pelo Lucro Real Trimestral.
Renata Kalil Sadi
Alessandro Barreto Borges