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Processos penal e administrativo paralelos pressionam empresas

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São Paulo, 18 de Março de 2009 – Uma estratégia do Fisco brasileiro para cobrança de tributos, especialmente as contribuições relacionadas ao Instituto de Seguro Social (INSS), está causando polêmica entre advogados e empresários. De acordo com especialistas, o Fisco estaria encaminhando os autos para o Ministério Público para que seja instaurada uma ação penal antes mesmo da conclusão do processo administrativo, conforme determina a jurisprudência da Justiça brasileira. "Cerca de 70% de todas as notificações contra os nossos clientes têm, paralelamente, um inquérito em curso", afirma a advogada Sylvia Urquiza, do escritório Trench, Rossi e Watanabe. "Essa medida tem sido usada pelo Estado como forma de coibir o contribuinte e criar uma dúvida razoável sobre a legitimidade da cobrança e do próprio processo penal", complementa a advogada. "Não é correto, mas o Fisco tem essa prática e o contribuinte fica assustado", concorda a advogada Luciana Terrinha, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão.

Sylvia Urquiza explica que, no caso da Receita Federal, há uma portaria que determina que todos os autos de infração não sejam encaminhados ao Ministério Público antes do fim do processo administrativo. "Mas o INSS manda tudo para representação fiscal antes do fim do processo fiscal", relata Sylvia Urquiza. De acordo com ela, isso ocorre independentemente de se tratar de apropriação indébita (retida de terceiros e não repassada ao Fisco) ou não. No caso da apropriação indébita, a advogada esclarece que os tribunais já se posicionaram no sentido de que é crime e não precisa de resultado do processo administrativo para instaurar o inquérito policial. No entanto, quando se trata de sonegação fiscal (o não pagamento de algum tributo) o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou dizendo que "o crime só se consuma com o prejuízo efetivo e isso só dá para saber no fim da esfera administrativa".

Imagem

De acordo com advogados, a preocupação com a imagem do executivo e as conseqüências de um processo penal leva algumas empresas a pagarem o tributo antes mesmo da conclusão do processo e da confirmação de que o valor é devido. Sylvia Urquiza conta que um dos seus clientes, uma multinacional que ela prefere não revelar o nome, teve um inquérito policial instaurado contra todos os seus diretores. "Mas o tributo ainda estava sendo questionado na esfera administrativa e poderia ser questionado também no Judiciário", explica a advogada. Mesmo assim, a empresa preferiu pagar a dívida de R$ 600 mil para ter o processo arquivado. "Há um risco para a própria imagem", diz Sylvia Urquiza.

"Quando o inquérito penal é instaurado sem terminar o processo administrativo, é necessário entrar com um habeas corpus preventivo. É um transtorno e uma pressão contra o contribuinte", diz o advogado Danny Guedes, do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes. Ele lembra que há algum tempo o Fisco determinava sanção política aos contribuintes como, por exemplo, impedir a emissão de notas fiscais. "Essas atitudes fazem o empresário se sentir acuado e leva alguns até a pagarem mesmo que não seja devido", comenta o advogado.

O advogado Pedro Avvad, do escritório Avvad, Osório, Fernandes, Mariz, Moreira Lima & Fabião, comenta que o pagamento do valor questionado pelo Fisco extingue a punibilidade. "É uma moeda de coação", diz o advogado ao enfatizar que a decisão administrativa é necessária para verificar se existe dívida. "Tem que aguardar o fim do processo administrativo para seguir com o processo penal", afirma. No entanto, comenta Avvad, paralelamente ao processo administrativo o Fisco manda os autos para o Ministério Público e para delegacias fazendárias que dão início ao processo penal. Procurada, a Receita Federal não se manifestou até o fechamento da edição.

Intenção de sonegar

Apesar de muitos casos de não pagamento de tributos se configurarem como sonegação fiscal, especialistas alertam que nem todos os contribuintes podem ser classificados como sonegadores. "Crime é só quando há vantagem, intenção ou dolo", diz Sylvia Urquiza. Ela conta que em muitos casos, "na maioria deles", há uma divergência de entendimento entre o que é cobrado pelo Fisco e o que o contribuinte considera devido. "Em muitas situações, houve erro no pagamento do tributo ou divergência entre o entendimento do Fisco e o do contribuinte", diz Sylvia Urquiza. "Mesmo assim é instaurada representação penal contra a empresa", complementa a advogada.

(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 11)(Gilmara Santos)

Projeto de lei prevê que empresa também responda por corrupção

 

São Paulo, 6 de Março de 2009 – Apesar de haver previsão legal que pune sócios por de crimes tributários cometidos nas empresas, ainda não há no Brasil a responsabilização penal da pessoa jurídica por este tipo de delito. De acordo com Antonio Gonçalves, do escritório que leva o seu nome, a principal dúvida é saber se é possível uma pessoa jurídica cometer delitos e responder por eles ou se a responsabilidade desses crimes deve ser aplicada apenas aos sócios. "Hoje não se responsabiliza a pessoa jurídica no âmbito tributário", diz o advogado. Ele conta que na Constituição Federal há duas possibilidades por responsabilidade penal coletiva: quando se trata de crime contra a ordem econômica e tributário. Entretanto, a empresa não pode ser responsabilizada, mas sim os sócios. "Obviamente a empresa não comete um delito fisicamente, mas se ela sai isenta abre precedente para que um outro sócio entre e não só mantenha os atos ilícitos como também os aperfeiçoe", alerta.

De acordo com o advogado, este seria o momento de se discutir a criação de uma lei para imputar a responsabilidade também à pessoa jurídica. "Neste ponto estamos atrasados (em relação a outros países)", diz. Em países como a Alemanha, por exemplo, já está prevista a responsabilidade mista (administrativa e penal) do sócio e da empresa. Na França também já se aceita a imputação da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Projeto de lei

No Brasil, há um projeto de lei (1142/2007) que tipifica o crime de corrupção das pessoas jurídicas em face da Administração Pública e estabelece as penas aplicáveis. A proposta caracteriza como atos de corrupção, dessas entidades, oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público ou agente político de quaisquer dos três Poderes da República. A proposta, que viria imputar penas à pessoa jurídica, divide a opinião de especialistas. Isso porque o projeto – que é de autoria do deputado Henrique Fontana (PT-RS) – estabelece penalidades à personalidade jurídica por um ato praticado por uma pessoa física que representa a empresa.

Para o advogado Antonio Elian Lawand Junior, do Braga & Marafon, a medida, se aprovada, será inconstitucional, já que na Carta está previsto que se pode penalizar criminalmente o indivíduo e não a pessoa jurídica. "Muitas pessoas podem ter de assumir o erro adotado por um colega. Quem comprar um capital de uma empresa de capital aberto está sujeita às sanções, isso da forma como o projeto está agora", diz.

Regiane Sposito, do escritório Gaia, Silva, Rolim e Associados , diz que a medida expõe a vontade de se fazer um mutirão de combate à corrupção, mas o texto, da forma que está, permite que o estado interfira de forma abrangente na empresa. "Algumas penas propõem a dissolução daquela sociedade por um ato praticado por apenas um indivíduo e, tendo como possibilidade de dissolver este negócio, coloca a pessoa jurídica nas mãos do estado quando a atuação dele deveria ocorrer apenas em casos extremos", diz.

Por outro lado, a sócia-responsável pela unidade de Brasília do TozziniFreire Advogados, a advogada Marta Mitico Valente, enxerga na proposta um modelo que pode "inaugurar uma tendência de se penalizar criminalmente a pessoa jurídica por atos ilícitos praticados", diz.

Segundo ela, caso um indivíduo da empresa tente obter vantagens, ele, além de responder como pessoa física, sujeita a empresa a ser responsabilizada criminalmente. "Se aprovado, o projeto irá aumentar o rigor na monitoração da equipe da empresa, o comprometimento dos sócios e empregados e o investimento em setores como o compliance e com ferramentas que fiscalizam a troca de informações do grupo", avalia.

Penalidade

O projeto de lei, que já passou e foi aprovado unanimemente pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados e está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), prevê penas como multas no valor de 10 vezes a 50 vezes o montante da vantagem ofertada, dissolução da sociedade, entre outros. Se aprovado pela CCJ, o projeto será enviado para análise do Plenário da Câmara. Para Marta Vitico Valente, a medida "abre uma tendência de se criminalizar a personalidade jurídica".

(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 9)(Andrezza Queiroga)