Estados já vivem queda na arrecadação
Publicado em:
Marta Watanabe, César Felício, Ana Paula Grabois e Sérgio Bueno, de São Paulo, Belo Horizonte, do Rio e de Porto Alegre 17/03/2009 |
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Para se contrapor à crise econômica global, que afetou as finanças estaduais tanto pela arrecadação direta do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) como pelo repasse de verbas federais, os governadores têm oscilado entre duas receitas clássicas: segurar despesas de custeio e, quem pode, acelera investimentos para tentar impulsionar a economia regional. Com as finanças abaladas pela forte enchente do fim do ano passado, Santa Catarina anunciou ao mesmo tempo um contingenciamento de 38% das receitas de custeio (acima dos 25% de 2008) e um pacote de investimentos públicos de R$ 4,4 bilhões para os próximos 24 meses. Em Minas Gerais, o governador Aécio Neves convocou o seu secretariado, em fevereiro, para avisar que a variação de todos os gastos de custeio teriam que ficar um ponto percentual abaixo da evolução registrada pelo IPCA. Por conta das perdas com os royalties do petróleo e do adiamento da privatização da companhia de água e esgoto Cedae, o governo do Rio de Janeiro anunciou corte de 9,3% no orçamento de R$ 34 bilhões deste ano. São Paulo determinou no início deste ano um contingenciamento de R$ 1,57 bilhão do orçamento, montante 20% maior que o realizado no mesmo período de 2008. O valor contingenciado é relativamente pequeno e não deve alcançar 2% do orçamento de 2009. A estratégia do governo paulista é a de apostar no fortalecimento da economia local, com diferimento do ICMS pago na aquisição de bens de capital, além de linhas de crédito especiais para os setores de autopeças e máquinas e equipamentos. O Conselho Nacional de Política Fazendária ainda não dispõe dos dados de fevereiro, mas Estados consultados pelo Valor reportam queda em relação a 2008 ou frustração de receitas. Em alguns Estados, a queda ainda não afetou o recolhimento de ICMS, mas derrubou as previsões de recursos originados com repasses ou outras receitas, como royalties. Além da redução na arrecadação, própria, também foram afetadas as transferências da União. O volume de recursos repassados em janeiro pelo governo federal pelo Fundo de Participação dos Estados (FPE) caiu 8,8% em relação a dezembro, embora tenha aumentado 2,7% na comparação com igual período de 2008. São Paulo arrecadou em janeiro R$ 5,27 bilhões de ICMS, o que significa queda de 12,07% em temos nominais em relação ao mesmo mês do ano passado. A Secretaria da Fazenda não soube informar se a redução se deu em função de queda no nível de atividade ou se foi resultado do parcelamento em duas vezes concedido pelo Estado para o ICMS das operações relativas a dezembro. Mesmo assim, o Estado pretende acelerar o cronograma de investimentos, executando até junho a maior parte dos projetos previstos para o ano. Os investimentos são considerados garantidos porque contam com recursos de financiamentos já concedidos e de recursos do setor privado, em contratos de concessão. Ao mesmo tempo, o Estado pretende compensar uma eventual queda com a ampliação da substituição tributária. O governo aprovou lei que lhe permite ampliar o regime para praticamente todos os setores também durante o primeiro semestre. No Rio, a crise ainda não afetou a arrecadação de ICMS em janeiro, que se manteve em crescimento nominal, em torno de 10%, mas já recai sobre a segunda maior receita do Estado, os royalties e as participações especiais do petróleo. Com os preços do barril em baixa, a estimativa de royalties e participações especiais para este ano é 35% inferior à de 2008. O governo também cortou R$ 244 milhões das estimativas das transferências da União, com menor peso nas receitas. Os recursos do Fundo de Participação dos Estados devem cair 12%, enquanto o repasse do IPI passou por um corte de 21% sobre o previsto no orçamento. Até o momento, a Secretaria de Fazenda tomou medidas tímidas para estimular a economia no âmbito tributário. Em novembro, desonerou o ICMS sobre bens de capital para a indústria e sobre produtos da indústria eletromecânica. Agora, porém, terá que regulamentar lei estadual aprovada na semana passada que prevê a redução da alíquota do ICMS sobre os serviços de energia e de telecomunicações. Aprovada com o objetivo de ajudar a indústria de transformação concentrada no Sul do Estado, a lei determina a redução de parte do ICMS que vai para o Fundo Estadual de Pobreza. A alíquota sobre os dois serviços corresponde a 18%, mas existe sobretaxa de 5% destinada ao fundo. O secretário estadual de Fazenda, Joaquim Levy, pouco afeito a reduções de alíquotas, diz que terá cuidado para evitar problemas quanto ao cumprimento dos limites de gastos. "O governo vai dar muita atenção à Lei de Responsabilidade Fiscal. É preciso saber quais despesas serão cortadas e o impacto sobre o orçamento", afirmou Levy. A arrecadação em Minas Gerais também continua a projetar uma curva descendente, encerrado o primeiro bimestre do ano. O resultado de ICMS em fevereiro fechou em R$ 1,624 bilhão, ante R$ 1,732 bilhão em janeiro. Em comparação com o mês de setembro do ano passado, quando a crise econômica global tornou-se evidente, houve queda de 19%, face aos R$ 2,032 bilhões obtidos naquele mês. Segundo o secretário estadual da Fazenda, Simão Cirineu, as perspectivas para março também não são animadoras. "Março usualmente é um mês de arrecadação inferior a fevereiro, mas a recuperação das vendas no setor automotivo nos faz imaginar que talvez possamos conseguir ao menos um resultado neutro em relação ao mês anterior. É possível que o fundo do poço tenha chegado", disse. A perda acumulada em relação ao projetado este ano atinge R$ 450 milhões, ou 3,6% face aos R$ 23,6 bilhões previstos para 2009 de receita com o ICMS. "Para não termos frustração de receita ao longo deste ano, o segundo semestre terá que superar o previsto. Em abril teremos um quadro mais claro sobre como se dará a reprogramação de gastos, que já foram adiados para o segundo e terceiro quadrimestres do ano", afirmou. O maior recuo acumulado desde setembro é no setor de extração mineral, com queda de 80% em relação a outubro de 2008 e de 10% ante o arrecadado em dezembro. O extrativismo mineral representava, antes da crise, 4% do total de ICMS mineiro. Na siderurgia, que significava 5% da arrecadação, houve um recuo de 57% nos últimos quatro meses. No setor automotivo (3% do ICMS), houve uma retração de 43% neste período. Os setores menos afetados foram o de energia (ganho de 3%) e o de comunicações (menos 2,9%). Foi justamente em função do péssimo início de ano para a fazenda estadual que o governador Aécio Neves (PSDB) convocou seu secretariado, em fevereiro, para avisar que a variação de todos os gastos de custeio teria que ficar um ponto percentual abaixo da evolução do IPCA. No mesmo encontro, o governador determinou que os investimentos de R$ 11 bilhões seriam concentradas nos dois últimos quadrimestres do ano. A arrecadação de ICMS do Rio Grande do Sul sentiu o impacto da crise econômica e do aumento da inadimplência dos contribuintes e caiu 9,2% em fevereiro na comparação com o mesmo período de 2008, para R$ 1,11 bilhão, em valores corrigidos pelo IGP-DI. No acumulado do primeiro bimestre, a queda real foi um pouco menor, de 5,3%, para R$ 2,45 bilhões, mas o desempenho negativo do principal tributo estadual acendeu o sinal de alerta para o governo gaúcho devido à incerteza em relação aos desdobramentos da desaceleração da economia. Na semana passada a governadora Yeda Crusius (PSDB) admitiu que se a crise for "muito além" dos níveis atuais o Estado terá que cortar investimentos em 2009, mas afirmou que antes disso pretende reduzir os gastos de custeio discricionários, como água, energia, telefone, combustíveis e diárias. Em janeiro os investimentos somaram R$ 6 milhões, ante uma previsão de R$ 46 milhões, mas o secretário da Fazenda, Ricardo Englert, explicou que a baixa liberação de recursos é "normal" nessa época do ano, quando as programações e dotações orçamentárias ainda estão sendo preparadas. Segundo Englert, as maiores quedas na receita no bimestre foram registradas na indústria geral e no comércio atacadista. Com a retração das vendas, o aumento dos estoques e as dificuldades de financiamento das empresas, o nível de inadimplência aumentou 20% entre janeiro e fevereiro e passou de 4% para 5% do total do imposto declarado. "O índice estava um pouco acima de 3% no início do ano passado e vem crescendo desde então", explicou Englert. Parte desse aumento foi provocado pelo crescimento do número de empresas que utilizam precatórios adquiridos no mercado com deságios de até 80% sobre o valor de face para o pagamento de ICMS, amparados em decisões judiciais de primeiro grau. O governo recorre das sentenças e considera os contribuintes que usam esses títulos como inadimplentes. A receita do primeiro bimestre ficou R$ 90 milhões abaixo da previsão da secretaria. O orçamento do Estado para 2009, de R$ 24,6 bilhões no total, projeta R$ 15,8 bilhões em arrecadação de ICMS, mas o governo gaúcho já admite ficar nos R$ 15,6 bilhões e faz cálculos para fechar o ano com as contas equilibradas sem comprometer o programa de investimentos de R$ 1,25 bilhão para o exercício na administração direta. O montante é 90% superior ao realizado em 2008. Elaborado em julho de 2008, o orçamento para 2009 incluiu uma reserva de contingência de R$ 250 milhões como "seguro" contra eventuais "surpresas desagradáveis", disse o secretário. "É uma fonte orçamentária que poderá ser utilizada em caso de emergência". Caso seja necessário, os gastos de custeio discricionários, orçados em R$ 1,3 bilhão em 2009, também poderão ser limitados aos níveis de 2008 (R$ 1 bilhão). Os dois primeiros meses do ano registraram ainda uma forte redução das transferências da União para o Estado. Segundo Englert, o montante ficou em R$ 292,9 milhões no período, R$ 61,5 milhões ou 17,4% abaixo da previsão inicial, que era de R$ 354,4 milhões. "Agora a questão é como ficará o cenário daqui para a frente", comentou o secretário. Ele vê os próximos meses até maio como decisivos porque vão refletir a venda da safra agrícola gaúcha, que tem forte influência sobre a economia local e a arrecadação do Estado. O problema é que o orçamento de 2009 foi elaborado sob uma estimativa de crescimento de 4,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) do país e do Estado. Hoje essa previsão foi revisada para 2% a 2,5%. |