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A MP nº 449 e a compensação de tributos

Publicado em:

Valter de Souza Lobato e Fernando D. de Moura Fonseca

 

 

Em matéria tributária, a compensação tem previsão no artigo 170 do Código Tributário Nacional (CTN), configurando hipótese de extinção do crédito tributário, sendo que sua efetiva instituição pelo governo federal demonstrou ser de grande utilidade para os contribuintes com uma maior celeridade no ressarcimento dos tributos pagos indevidamente. Pois bem, a Lei nº 10.637, de 2002, e a Lei nº 10.833, de 2003, que modificaram a redação do artigo 74 da Lei nº 9.430, de 1996, implementaram importantes alterações no procedimento administrativo federal de restituição e compensação de tributos.
 

 

 

A utilização maciça desse expediente decorre, entre outros motivos, da praticidade do programa eletrônico, eis que preenchido pelo contribuinte e transmitido via internet, além de permitir que o contribuinte oponha seus créditos a débitos, com imediatos efeitos de quitação do crédito tributário, cabendo ao agente público proferir um ato administrativo meramente confirmatório. Dessa forma, verificada pelo contribuinte a existência de créditos compensáveis, basta o preenchimento e transmissão da declaração eletrônica, para que o débito que se pretende quitar esteja extinto sob pena de ulterior homologação.

 

 

Atualmente, o caput do artigo 74 da Lei nº 9.430 estabelece que o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Receita Federal do Brasil, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão. Com base nesse permissivo, passou a configurar um procedimento rotineiro a utilização de créditos, via compensação, para a quitação das antecipações mensais de Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), fossem elas calculadas com base na receita bruta (base estimada) ou via balancete de suspensão e redução. Aliás, as empresas passaram a contar com tal ferramenta para prever, em seus orçamentos anuais, o quantum a pagar de tributos ao longo do ano e o montante que poderia ser liquidado por compensação, evitando o desembolso em espécie.

 

 

Entretanto, o artigo 29 da Medida Provisória (MP) nº 449, de 2008, alterou a redação do citado artigo 74 da Lei nº 9.430, para restringir a referida modalidade de compensação, quando configurada a hipótese de antecipação por meio de estimativa, apurada na forma do artigo 2º da mesma lei. Assim, passa a ser vedada a utilização de créditos para quitação de estimativa mensal de IR e CSLL.

 

 

O procedimento, além de inoportuno, é de duvidosa constitucionalidade, pois quebra os princípios da segurança jurídica, da confiança na lei fiscal e da moralidade administrativa, uma vez que os contribuintes acreditaram que poderiam, para o ano de 2009, utilizar seus créditos para opor aos valores apurados de IR e CSLL no regime de estimativa, ainda mais em um momento de crise econômica. A situação é ainda mais grave para as empresas exportadoras, tipicamente acumuladoras de créditos, e que passaram a ter sua principal forma de compensação suprimida. Uma verdadeira majoração de carga tributária, ainda que de forma indireta, e na contramão da promessa do governo federal em amenizar a crise econômica.

 

 

Por tudo isso, deveria o Congresso Nacional rejeitar o dispositivo em comento, que não tem urgência para merecer uma medida provisória, surpreende o contribuinte ao fim de mais um exercício e limita a compensação para créditos que nasceram antes de sua vigência. Ao que parece, o absurdo dispositivo, diante da pressão dos exportadores, já está a merecer a atenção do governo federal, que estuda sua supressão.

 

 

Mas admitindo que tal modificação impere, ao nosso sentir, o objetivo da alteração parece ter sido o de impedir o diferimento do pagamento de tributos que se operava no regime de estimativa. Enfim, buscou vedar apenas os recolhimentos realizados com base em estimativa mensal calculada com base na receita bruta, não abrangendo a opção pelo balancete de suspensão e redução. É que a Lei nº 9.430 faculta ao contribuinte três formas distintas de apuração do imposto: real, presumido e arbitrado. A opção pelo lucro real ou presumido (o arbitramento é regra de exceção) será sempre irretratável para o período de um ano e será formalizada através do pagamento do imposto correspondente ao mês de janeiro, ao primeiro trimestre ou de início da atividade.

 

 

A opção pela tributação com base no lucro real admite duas formas distintas de apuração: real anual, com antecipações mensais, e real trimestral. A opção pelo lucro real anual, com antecipações mensais, é o regime mais adotado pelas sociedades. Nessa sistemática, apesar de anual, fica o contribuinte obrigado a realizar recolhimentos mensais, a título de estimativa com base na receita bruta (lucro estimado) ou através de balanços ou balancetes de suspensão e redução (lucro real). Na primeira hipótese, apura-se a receita bruta do contribuinte dentro do mês de apuração, aplicam-se percentuais (coeficientes) de presunção sobre o valor da receita, chegando-se à base de cálculo. Com fundamento nesse valor, são aplicadas as alíquotas de 15% de IR, 10% de adicional de IR sobre a parcela da base de cálculo que ultrapassar R$ 20 mil mensais e 9% de CSLL, totalizando 34%.

 

 

Na apuração com base em balanço ou balancete de suspensão e redução, o contribuinte fará, em cada mês, um cálculo consolidado, de forma que o montante apurado será sempre o efetivamente devido até aquele momento (lucro real do período). Ao contrário da antecipação calculada com base na receita bruta (base estimada), os valores de receitas e despesas são acumulados mês a mês, de forma a obter-se uma apuração consolidada. Assim, quando a apuração se der com base na receita bruta, o valor encontrado irá refletir apenas o resultado estimado do próprio mês, o que não ocorre na apuração com base em balanço de suspensão e redução, uma vez que a apuração irá trabalhar com dados consolidados. A figura da estimativa (cálculo estimado) só estará presente nas antecipações calculadas com base na receita bruta mensal. É essa a metodologia inserta no artigo 2º da Lei nº 9.430, expressamente referido no artigo 74, parágrafo 3º, inciso IX da mesma lei.

 

 

Portanto, se o artigo 29 da Medida Provisória nº 449 passar pelo crivo de constitucionalidade, em que pese – repita-se – não haver urgência para justificar sua utilização, e prevalecer mais um abalo à segurança jurídica e à confiança na lei fiscal, a nova restrição não poderá ser aplicada às hipóteses de pagamento mensal via balancete de suspensão e redução.

 

 

Valter de Souza Lobato e Fernando D. de Moura Fonseca são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Sacha Calmon, Misabel Derzi Consultores e Advogados

 

 

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações