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Descontos por pontualidade e o ISS, PIS e COFINS

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Determinadas instituições de educação concedem descontos para pagamento das mensalidades antes do prazo de vencimento, também chamados de descontos por pontualidade. Referidos descontos constam do boleto de pagamento emitido pelo banco responsável pela cobrança. A dúvida que se coloca é se esses descontos compõem a base de cálculo do Imposto sobre Serviços – ISS e das contribuições ao PIS e COFINS.

Passamos, a seguir, a fazer considerações acerca do assunto tratando, em primeiro lugar, nas implicações no ISS e, posteriormente, nas contribuições ao PIS e COFINS.

ISS

Estabelece o artigo 7º da Lei Complementar nº 116/03 que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço(1).

Preço do serviço, segundo Bernardo Ribeiro de Moraes, “vem a ser a expressão monetária do valor do respectivo serviço. É o valor do bem imaterial (serviço) expresso (traduzido) em dinheiro (moeda). Preço do serviço é, pois, a expressão monetária do valor auferido, imediata ou diferida, pela remuneração ou retribuição do bem imaterial (serviço) oferecido (prestado, vendido)”(2)
Para Sérgio Pinto Martins, “Preço é o número de unidades monetárias que se paga para adquirir determinado bem. No caso do ISSQN, o preço do serviço constitui-se no número de unidades monetárias que se paga para adquirir um bem incorpóreo (imaterial): serviço. O preço do serviço é o valor da contraprestação relativa ao fornecimento de trabalho…”(3)
Ayres F. Barreto destaca que preço do serviço é a “receita auferida pelo prestador como contraprestação pela prestação do serviço tributável pelo Município ou pelo Distrito Federal ao qual cabem os impostos municipais”(4). E continua o referido autor afirmando que “onde não houver receita, jamais se poderá cogitar de exigência de ISS, pela singela razão de que, nessa hipótese, preço não há”(5).

É possível concluir, portanto, que a base de cálculo do ISS é a expressão monetária do valor do serviço que represente efetiva receita auferida pelo prestador como contraprestação do serviço prestado e tributável pelos Municípios e pelo Distrito Federal.

Vê-se, portanto, que no preço do serviço não se incluem “as diferenças, reduções, os descontos ou abatimentos, concedidos por ocasião da contratação do serviço, que devem ser respeitados, uma vez decorrente do acordo feito…”(6).

Ainda sobre o tema, vale destacar novamente a lição de Ayres F. Barreto sobre a base de cálculo do ISS:

“… a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, nele (preço) incluído tudo o quer for pago pelo tomador (utente, usuário) ao prestador, em virtude da prestação de serviços. O critério de integração é o de valores que provenham exclusivamente da prestação de serviços. Essa proveniência determina-se pela precisa identificação do negócio jurídico desencadeador de receitas.”(7)

José Eduardo Soares de Melo destaque nesse sentido que:

“No cálculo do tributo também não devem ser incluídos os valores pertinentes a seguro, juros e quaisquer outras importâncias recebidas ou debitadas – como multas e indenizações – pois tais verbas têm natureza jurídica diversa do respectivo preço contratual.
Nessa mesma situação devem ser considerados os valores relativos a descontos/abatimentos (condicionais ou incondicionais), porque caracterizam diminuição do preço dos serviços e conseqüente redução da base de cálculo…”(8)

Independentemente de o desconto estar condicionado a evento futuro e incerto(9) ou se tratar de um desconto incondicional(10), quer nos parecer que ele não compõe a base de cálculo do ISS, visto não representar receita efetiva para o prestador do serviço(11).

Além disso, quando a Lei Complementar nº 116/03 definiu a base de cálculo do ISS como sendo o preço do serviço, não mandou incluir qualquer tipo de desconto. Isto porque, como já destacado por José Eduardo Soares de Melo, os descontos são uma diminuição efetiva do preço dos serviços e conseqüente redução da base de cálculo do ISS.

Ainda que fosse possível não abater os descontos concedidos pelo prestador de serviços da base de cálculo do ISS por se tratarem de descontos condicionais, o que se admite para fomentar os debates, não se encontra presente no desconto por pontualidade o requisito da futuridade aventado por Hugo de Brito Machado(12), pois a eficácia da vontade do prestador de serviço de conceder os descontos nas mensalidades escolares realiza-se antes da consumação do fato gerador do ISS (prestação de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03), que ocorre com a determinação do quantum a ser pago aos cofres públicos no encerramento do período de apuração do imposto (ordinariamente mensal), pois o serviço de ensino é fornecido durante certo período, como muito bem apontou Bernardo Ribeiro de Moraes ao tratar da exteriorização do fato gerador do ISS(13).

Fazendo um paralelo com o ICMS, recorrermos novamente aos ensinamentos de Hugo de Brito Machado a respeito do momento de definição da base de cálculo daquele tributo, destacando, inclusive, que o autor concede o mesmo tratamento para pagamento antecipado e pagamento à vista:

“Não nos parece correto incluir-se na base de cálculo o desconto ou abatimento concedido pelo vendedor ao comprador, que se torna efetivo antes, ou no momento da ocorrência do fato gerador do ICM. Se o desconto foi concedido para pagamento antecipado ou para pagamento à vista, este não se inclui na base de cálculo, visto como esta é o valor da operação de que decorre a saída, devendo tal valor ser considerado no momento da ocorrência do fato gerador do imposto.
Pode ocorrer, porém, que determinada mercadoria seja fornecida durante certo período, e o contrato estabeleça um desconto para o caso de o fornecimento no período ser superior a determinada quantidade, ou valor. Neste caso o momento de definição da base de cálculo do ICMS não será o da saída física da mercadoria, mas o momento final do período de apuração…”(14)

A incerteza, por outro lado, não pode ser dissociada da futuridade, especialmente porque os descontos concedidos são dados antes da ocorrência do fato gerador, além estarem definidos no boleto bancário de pagamento das mensalidades. A questão da incondicionalidade do desconto por pontualidade deve ser vista sob a ótica do contribuinte, já que ele é o sujeito passivo da obrigação tributária. Definido, portanto, o desconto a ser concedido no boleto bancário, não se pode falar na existência de um acontecimento futuro e incerto. Diferente seria, por exemplo, se o desconto estivesse relacionado à obtenção de determinadas notas nas disciplinas cursadas pelo aluno no semestre ou ano letivo. Neste caso poder-se-ia falar na ocorrência da futuridade, pois o evento ocorreria após a apuração do imposto e, por conseguinte, estaria presente o requisito da incerteza, isto é, a dependência do aluno obter ou não as notas mínimas exigidas para fazer jus ao desconto.

O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a questão dos descontos na base de cálculo do ICMS, entendeu que o desconto condicionado à utilização de financiamento oferecido por empresa do mesmo grupo, sem extensão a quem efetuasse as compras utilizando-se de dinheiro, cartão de crédito ou cheque, não poderia ser subtraído da base de cálculo da exação(15). Por se tratar de evento futuro e incerto, aquele desconto, diferentemente do caso do desconto por pontualidade, seria condicional segundo o mencionado Tribunal.

Sob o prisma do Direito das Obrigações, fica mais claro ainda que os descontos por pontualidade só possam ser classificados como incondicionais, pois a obrigação condicional é distinta da obrigação a termo. O efeito da obrigação condicional depende de um acontecimento futuro e incerto, sendo que ela pode der suspensiva (quando os contratantes protelam, temporariamente, a eficácia do negócio até a realização de evento futuro e incerto) ou resolutiva (quando subordinada a ineficácia de ato negocial a um evento futuro e incerto)(16). A obrigação a termo, por sua vez, é aquela em que as partes subordinam os efeitos do ato negocial a um acontecimento futuro e certo, sendo que termo é o dia que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico(17). Vê-se, portanto, que os elementos que as distinguem são a incerteza, no caso da obrigação condicional, e a certeza, no caso da obrigação a termo.

No desconto por pontualidade, a instituição de educação faz uma oferta, cujo prazo de validade é o termo certo e final determinado para pagamento no boleto bancário, não podendo se falar na existência de uma obrigação condicional, mas sim de uma obrigação a termo. Se a oferta feita pelo proponente (pagamento antecipado com determinado desconto) é aceita tempestivamente pelo proposto, o contrato encontra-se perfeito e acabado. Não existe, portanto, a incerteza que é uma das características essenciais dos descontos condicionais.

Como a legislação tributária não tem o condão de alterar a definição, conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas do direito privado, não é possível simplesmente classificar um desconto incondicional como sendo condicional.

Se isso ocorrer, estar-se-á violando dispositivo do próprio CTN (artigo 110), visto que “a legislação tributária, emanada de qualquer das pessoas políticas, não pode alterar a definição, conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, para definir ou limitar competências tributárias.”(18).

Adicionalmente, segundo Bernardo Ribeiro de Moraes, os descontos concedidos por pagamento do preço por antecipação devem ser levados em consideração no cálculo do preço do serviço, visto não haver alteração do contrato, pois o preço, apesar de alterável, já se encontra definido com as deduções, senão vejamos:

“… O preço do serviço será com as reduções respectivas. Há uma diminuição do preço, um preço menor contratado. Tais reduções ou descontos, ou abatimentos, concedidos sob condições, se incluem no preço do serviço, que não pode deixar de levá-los em conta. É o caso largamente difundido dos descontos por pagamento antecipado: preço de Cr$ 100,00 para 120 dias poderá ser liquidado por Cr$ 90,00 em 90 dias, ou Cr$ 80,00 em 60 dias, ou ainda Cr$ 70,00 em 30 dias. Inexiste aqui uma alteração do contrato, cujo valor do preço já se acha estipulado com as respectivas deduções (preço alterável, segundo as condições do contrato). Temos um preço do serviço estipulado com variações…”(19)

O Superior Tribunal de Justiça, nessa mesma linha, afastou a cobrança de ISS nos descontos concedidos no momento da contratação dos serviços:

“TRIBUTARIO. ISS. BASE DE CALCULO. DESCONTOS. DL 406/68, ART. 9. LEI MUNICIPAL 1.802/69, ART. 133, PAR. 1.
– A BASE DE CALCULO DO ISS E O PREÇO DO SERVIÇO (ART. 9, DL 406/68)
– O PREÇO DO SERVIÇO CONSISTE NA RENDA BRUTA AUFERIDA PELO CONTRIBUINTE, ENTENDENDO-SE ESTA SEM OS DESCONTOS EFETIVAMENTE CONCEDIDOS NO MOMENTO DA CONTRATAÇÃO DO SERVIÇO.
– RECURSO PROVIDO.”(20)

O Conselho de Contribuintes da Secretaria da Fazenda do Rio de Janeiro, no acórdão nº 6.777/07, ao analisar a inclusão de descontos na base de cálculo do ICMS, entendeu que não podem ser incluídos na base de cálculo do imposto aqueles descontos que o contribuinte não possa vir a receber no futuro, visto serem incondicionais (21). Isso reforça a tese de que os descontos incluídos no boleto bancário para pagamento das mensalidades são, na verdade, incondicionais, pois a prestadora de serviços não poderá receber os valores no futuro.

Em resumo, os descontos condicionais ou incondicionais não compõem, a nosso ver, a base de cálculo do ISS porque representam uma diminuição efetiva do preço e não representam receita do prestador. Ainda que as autoridades fiscais quisessem incluir os descontos por pontualidade na base de cálculo do imposto, faltar-lhes-ia o requisito da futuridade e da incerteza, o que os torna incondicionais e, portanto, não passíveis de tributação, além do fato de que, por terem sido concedidos no momento da contratação do serviço, “o preço há que ser o valor apurado com o abatimento”(22) e não poderão ser recebidos no futuro. Ressaltamos, no entanto, que ainda não existem decisões definitivas a respeito do tema nos tribunais superiores.

Por fim, se não prevalecer a exclusão dos descontos por pontualidade da base de cálculo do ISS, viola-se também o princípio da capacidade contributiva(23), harmonizado com os princípios da proporcionalidade(24) e da razoabilidade(25), como muito bem destacado por José Eduardo Soares Melo ao analisar a questão dos descontos para fins de ICMS:

“Assim, tendo o comerciante fixado o preço de uma televisão em R$ 10.000,00 no caso de pagamento mediante utilização de cartão de crédito; e, em R$ 9.000,00 para pagamento em moeda, no ato da aquisição, o ICMS (por determinação legal) teria que ser calculado sobre R$ 10.000,00.
Todavia, referida regra viola o princípio da capacidade contributiva, harmonizado com os princípios proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o contribuinte não irá receber o montante de R$ 10.000,00, diverso do negócio ajustado entre as partes (R$ 9.000,00), e que não guarda nenhuma correspondência com a riqueza a ser auferida.”(26)

PIS e COFINS

A Lei nº 9.718/98, bem com as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, mandam excluir os descontos incondicionais da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS.

Quando analisamos a questão dos descontos por pontualidade para fins de incidência do ISS, ficou demonstrado que aqueles descontos não se enquadram no conceito de descontos condicionais e, portanto, também não há que se falar em incidência das contribuições em voga sobre ditos descontos. Mais uma vez os requisitos da futuridade e da incerteza não se encontram presentes, visto que a eficácia da vontade do prestador de serviço de conceder os descontos nas mensalidades escolares realiza-se antes da consumação do fato gerador do PIS e COFINS (faturamento mensal(27)), que ocorre com a apuração do quantum a ser pago aos cofres públicos, além estarem definidos no boleto bancário de pagamento das mensalidades.

Como estamos diante de descontos incondicionais, eles devem ser excluídos da base de cálculo do PIS e COFINS, conforme a decisão de consulta nº 31/05 da 5ª Região Fiscal:

“… ASSUNTO: Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins BASE DE CÁLCULO. DESCONTO INCONDICIONAL.
O desconto incondicional aposto em boleto de cobrança de mensalidade escolar, por ser parcela redutora do preço de venda, poderá ser excluído da base de cálculo da contribuição se concedido antes do vencimento da obrigação.
Dispositivos Legais: Art. 2º, parágrafo único, letra “b” da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991 e o art. 3º, § 2º, I da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998.
ASSUNTO: Contribuição para o PIS/Pasep BASE DE CÁLCULO. DESCONTO INCONDICIONAL.
Dispositivos Legais: Parágrafo único do art. 3º da Medida Provisória nº 1.212, de 28 de novembro de 1995, convertida da Lei 9.715, de 25 de novembro de 1998 e o art. 3º § 2º, inciso I da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998.”

Este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que valores que não foram recebidos não podem caracterizar receita:

“… Aliás, as vendas canceladas, as devolvidas e os descontos incondicionais constituem receita apenas para efeitos contábeis, sendo os valores a ela correspondentes, na realidade dos fatos, valores que não foram recebidos e que, portanto, não podem caracterizar receita.

Assim se posiciona a jurisprudência (v.g. REO nº 89.04.10566-8, DJU 05.02.92, p. 1.496; AMS nº 89.01.16773, DJU 20.08.90, p. 18.226), da qual se extrai a seguir trecho do voto proferido pelo Juiz José Morschbacher na AC nº 89.04.17450-3, julgada em 06.12.90:

No que pertine às vendas canceladas e aos descontos incondicionais basta a referência, antes feita, de não se constituírem em receita. E, o que não é receita, com rigor técnico jurídico não pode ser considerado nem receita bruta nem receita líquida. São valores, aliás, que nunca ingressaram no patrimônio da empresa, o que seria, aliás, razão suficiente para que a empresa não contribuísse com o que nunca foi dela…”(28)

Ad argumentandum, ainda que os descontos por pontualidade pudessem ser classificados como condicionais, “tais descontos são verdadeiras reduções de custo. Não são receitas e assim não integram a base de cálculo das contribuições para o PIS/Pasep ou Cofins”(29).

Em uma redução/recuperação de despesa/custo, não há que se falar na existência de receita. O Professor Marco Aurélio Greco, no artigo “Cofins na Lei nº 9.718/98 – Variações cambiais e regime de alíquota acrescida”, cuja passagem ora se transcreve, deixa muito claro que redução de despesa não é receita:

“Ao atribuir competência para alcançar receitas, a CF/88 automaticamente, exclui do campo da tributação as despesas (=feição negativa) (em sentido lato, abrangendo custos, dívidas etc.) realizadas pela pessoa jurídica. Assim, o universo das receitas se opõe ao universo das despesas e este último não foi qualificado pela norma constitucional.

Em suma, os conceitos de receita e faturamento têm em comum abrangerem figuras positivas e não vicissitudes das despesas. Eventos que reduzam despesas, embora repercutam patrimonialmente, não configuram receitas e, portanto, não integram a respectiva base de cálculo da contribuição ao PIS e Cofins.”(30)

No mesmo sentido é o entendimento de José Antonio Minatel:

“5.4. RECUPERAÇÃO DE CUSTO/DESPESA NÃO É RECEITA. Não se qualifica como receita o ingresso financeiro que tem como causa o ressarcimento, ou recuperação de despesa e de custo, anteriormente suportado pela pessoa jurídica, enquanto se revele suficiente para neutralizar a anterior diminuição patrimonial. Equipara-se aos efeitos da indenização e, portanto, com essa natureza o valor recebido não ostenta qualidade para ser rotulado de receita, pela ausência do conteúdo material que a possa identificar.
Assim, o valor recebido com a função de reembolsar despesa ou custo anteriormente suportado não pode ser qualificado como receita, ainda que com essa designação seja o evento indevidamente relatado pela escrituração contábil da pessoa jurídica, com a função de neutralizar a apuração do resultado, compensando o dispêndio que continua figurando equivocadamente no grupo da despesa. Mais uma vez, diga-se que não é o registro contábil que dá natureza aos fatos e, dessa forma, não pode ser qualificado como receita o ingresso que não revela qualquer contraprestação por exercício de atividade, nem mesmo remuneração em negócio jurídico que possa indicar cessão temporária e onerosa de direitos, além de faltar o ânimus para obtenção de disponibilidade de nova riqueza.”(31)

O Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao tratar do crédito presumido de IPI e estorno de despesas, já firmou entendimento que a redução de despesa/custo não é receita, conforme trechos abaixo transcritos:

“… As contribuições para o PIS e a COFINS incidem sobre o faturamento e a sua cobrança encontra suporte no art. 195, inc. I, letra “b”, da Constituição Federal. De acordo com o art. 3º, “caput” e § 1º, da Lei nº 9.718/98, o faturamento corresponde à receita bruta da pessoa jurídica, entendendo-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas, sendo irrelevantes o tipo de atividade exercido e a classificação contábil adotada para as receitas.
A essa prática da União de, através de renúncia fiscal, investir na economia, aplicando seus recursos nas empresas via concessão de crédito presumido do IPI, a lei não atribui as conseqüências fiscais pretendidas pela Receita Federal.
Com efeito, os valores relativos aos créditos presumidos do IPI representam ressarcimento de custos. Daí porque esses custos não são repassados aos preços dos produtos e, por decorrência, ao comprador das mercadorias. A empresa é, sem sombra de dúvida, favorecida pelo benefício fiscal concedido pela União, mas não aufere receita. A tributação não pode incidir sobre uma base superior às reais manifestações de capacidade econômica da empresa.

Assim, não se tratando de uma receita auferida pela pessoa jurídica, sobre ela não pode haver incidência da contribuição para o PIS e da COFINS…”(32)

“PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. FATURAMENTO. ESTORNO DE DESPESAS.

4. Não é possível confundir lucro com receita, nem recuperação de despesas com lucro operacional. O estorno de despesas e provisões, em que pese relacionada à determinação do lucro operacional, ocasionando aumento da posição líquida da empresa, não repercute para fins de determinação da base de cálculo das contribuições em questão, que é o faturamento.”(33)

Para o desembargador federal Leandro Paulsen, “nem tudo o que contabilmente é considerado receita pode sê-lo para fins de tributação. Isso porque a receita, na norma concessiva de competência tributária, denota uma revelação de riqueza…”(34)

Ora, tal entendimento é correto porque, considerando os comentários acima, não se pode classificar um valor lançado a título de “Recuperação/Redução de Custo/Despesa” como sendo uma “Receita”.

O art. 279 do RIR/99 assim define: “a receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia”.

No Dicionário de Termos Contábeis (São Paulo: Ed. Atlas, 1999), de autoria dos Professores Sérgio de Iudicíbus, José Carlos Marion e Elias Pereira, “RECEITA” tem a seguinte definição: “(1) representa a entrada de ativos, sob forma de dinheiro ou direitos a receber, correspondentes, normalmente, à venda de mercadorias, de produtos ou à prestação de serviços… (2) receita de uma empresa durante um período de tempo representa uma mensuração do valor de troca dos produtos (bens e serviços) de uma empresa durante aquele período. (3)… (4) expressão monetária conferida pelo mercado à produção de bens e serviços da entidade, em sentido amplo, em determinado período…”

Em ambas os conceitos, a definição de receita está intrinsecamente relacionada à venda de bens e serviços que, via de regra, constitui-se no objeto da maioria das empresas contribuintes. Obviamente, não podemos esquecer que existem outras receitas, sejam operacionais ou não, que não estão diretamente ligadas à atividade da empresa, o que não é caso em exame, por exemplo, das receitas financeiras, das variações cambiais, dos ganhos de capital, etc.

Diante de tudo o que foi exposto, os descontos por pontualidade são, a nosso ver, descontos incondicionais e não compõem a base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS. Ainda que as autoridades fiscais entendam tratar-se de descontos condicionais, tais descontos são, na realidade, recuperação/redução de despesa/custo e, portanto, não constituem receita passível de tributação pelas contribuições em voga. Aplicam-se também às mencionadas contribuições as assertivas relativas à violação ao princípio da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da razoabilidade anteriormente apontadas.

Notas

(1) “Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º. Quando os serviços descritos pelo subitem 3.04 da lista anexa forem prestados no território de mais de um Município, a base de cálculo será proporcional, conforme o caso, à extensão da ferrovia, rodovia, dutos e condutos de qualquer natureza, cabos de qualquer natureza, ou ao número de postes, existentes em cada Município.
§ 2º. Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;”

(2) Doutrina e prática do ISS. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 518.

(3) Elementos essenciais do ISSQN. São Paulo: Atlas, 1992, p. 59.

(4) ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2005, p. 355. Segundo Bernardo Ribeiro de Moraes, “o conceito de receita acha-se ligado ao patrimônio da pessoa. Quem aufere receita tem o patrimônio ou a sua riqueza alterada. Para haver receita, a entrada financeira deve se integrar ao patrimônio da pessoa. Receita é a entrada que, integrando-se ao patrimônio sem quaisquer reservas ou condições, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo…” (Op. cit., p. 520).

(5) Grifamos.

(6) Cf. Bernardo Ribeiro de Moraes, op. cit., p. 523.

(7) Op. cit., p. 358 e 359.

(8) ISS – aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Dialética, 2005, p. 140 – grifamos.

(9) Segundo Hugo de Brito Machado, “É evidente que desconto concedido sob condição a palavra condição tem um sentido menos abrangente. A palavra condição, neste caso, tem o seu significado ligado ao direito obrigacional, ou mais exatamente, à teoria dos contratos. Neste campo significa cláusula que subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. Para sua configuração, requer a ocorrência de dois requisitos essenciais: a futuridade e a incerteza.
…Ambas, somadas. Não apenas uma.
A futuridade que dizer que o evento somente se realizará, se for o caso, no futuro, vale dizer, em data posterior àquela na qual o vendedor contribuinte tem o dever de apurar o valor do imposto a ser pago, e a incerteza significa que o comprador tem a faculdade de praticar ou não, o evento ao qual o desconto está condicionado. Em face de ambas, fica em aberto para o comprador a faculdade de realizar o evento e obter o desconto, ou não realizá-lo e pagar o preço integral.” (“A Base de Cálculo do ICMS e os Descontos Incondicionais”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 62, p. 65 e 68).

(10) Descontos incondicionais são definidos pela IN nº 51/78 como sendo parcelas redutoras do preço de venda, quando constarem da nota fiscal de venda dos bens ou da fatura de serviços e não dependerem de evento posterior à emissão desses documentos (IN 51/78). “… O desconto incondicional é aquele concedido no momento em que se faz a venda. No momento em que se efetiva o contrato…” (Cf. Hugo de Brito Machado, op. cit., p. 67).

(11) Examinaremos um pouco mais o conceito dos descontos condicionais e incondicionais quando tratarmos das contribuições ao PIS e COFINS.

(12) Op. cit., p. 68 e 69 (vide nota 9 supra).

(13) Op. cit., p. 500.

(14) Op. cit., p. 67 e 68 – grifamos.

(15) EREsp 508.057 – SP.

(16) Cf. Maria Helena Diniz. Teoria Geral das Obrigações. 2ª vol. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 111 – 115. Clóvis Beviláqua destaca que “Condição é a determinação acessória, que faz a eficácia da vontade declarada depender de algum acontecimento futuro e incerto.” (Teoria geral do direito civil. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1966, p. 245).

(17) Cf. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 116.

(18) Trecho do voto do Ministro Celso de Mello no RE 116.121-3-SP.

(19) Op. cit, p. 523.

(20) REsp 12.468/SP. O Superior Tribunal de Justiça possui outro acórdão que diferencia os descontos condicionais e incondicionais para fins de incidência do ISS (REsp 622.807/BA). Naquele julgado a Ministra Eliana Calmon se socorre da doutrina de Sérgio Pinto Martins, no sentido de que os descontos e abatimentos que forem condicionados a evento futuro e incerto devem ser incluídos na base de cálculo do imposto, pois o fato gerador do imposto já ocorreu. Malgrado o Decreto-lei nº 406/68, posteriormente revogado pela Lei Complementar nº 116/03, não fazer essa diferenciação para fins da base de cálculo do ISS, o que simplesmente afastaria a tributação de qualquer tipo de desconto ou abatimento, como já mencionado anteriormente, há que se levar em consideração a ocorrência ou não do fato gerador e sua exteriorização (futuridade e incerteza), o que não parece ter sido o caso analisado pelo Tribunal.

(21) http://www.fazenda.rj.gov.br/portal/ShowBinary/BEA%20Repository/conselho/inteiroTeor/primeira/2007/24938_TECELAGEM_MINASREY_LTDA.pdf.

(22) Trecho do voto do Ministro Américo Luz no REsp 12.468/SP.

(23) Helenilson Cunha Pontes assim discorre sobre a capacidade contributiva:
“Fatos sem conteúdo econômico ou realidades fenomênicas (situações, estados de fato) que não denotem a aptidão de alguém (vinculados àquelas realidades) para contribuir não podem ser objeto de incidência tributária.” (Grandes questões atuais do direito tributário. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 150).

(24) Juarez Freitas ensina que “o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos.” (O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 56).

(25) Luís Roberto Barroso destaca que “o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça.” (Interpretação e aplicação da Constituição. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997).

(26) ICMS – teoria e prática. São Paulo: Dialética, 2006, p. 191 – grifamos.

(27) “… faturamento, no contexto do artigo 195, I, da CF (que menciona este instituto próprio do Direito Comercial), tem uma acepção técnica precisa, da qual o Direito Tributário não pode afastar-se.
Muito bem, quando a Constituição, em matéria de contribuições sociais para a Seguridade Social, alude a faturamento, é preciso buscar no Direito Comercial este conceito. Depois é certo que quando o texto constitucional alude, sem reservas ou restrições, a um instituto ou a um vocábulo jurídico, endossa o sentido próprio que possuem, na doutrina e na jurisprudência.
Ora, faturamento, para o Direito Comercial, para a doutrina e para a jurisprudência, nada mais é do que a expressão econômica de operações mercantis ou similares, realizadas, no caso em estudo, por empresas que, por imposição legal, sujeitam-se ao recolhimento do PIS e da COFINS.
O faturamento (que etimologicamente, advém de fatura) corresponde, em última análise, ao somatório do valor das operações negociais realizadas pelo contribuinte. Faturar, pois, é obter receita bruta proveniente da venda de mercadorias ou, em alguns casos, da prestação de serviços.
Noutras palavras, faturamento é a contrapartida econômica, auferida, como riqueza própria, pelas empresas em razão do desempenho de suas atividades típicas…” (Roque Antonio Carrazza. ICMS. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 496 e 497 – grifamos).

(28) REsp 165.221 – RS.

(29) Cf. Hugo de Brito Machado. “Os Descontos Obtidos e a Base de Cálculo das Contribuições PIS/Cofins”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 134, p. 44.

(30) Revista Dialética de Direito Tributário nº 50, p. 131 – grifamos.

(31) Conceito de Receita e Regimes de Apuração da COFINS. Porto Alegre: TRF – 4ª Região, 2006 – Currículo Permanente. Caderno de Direito Tributário: módulo 1, p. 19 – grifos do autor.

(32) Trecho do voto do relator da Apelação em Mandado de Segurança nº 2003.72.01.004973-0/SC do TRF 4ª Região – grifamos.

(33) Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.70.00.064862-0 do TRF 4ª Região – grifamos.

(34) Agravo de Instrumento nº 2006.04.00.014611-2/RS do TRF 4ª Região – grifamos.

 

Gilberto de Castro Moreira Junior*