As propostas do governo para o Imposto de Renda
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Monitor Mercantil
Nesta entrevista, Clairton Gama explica como devem funcionar as propostas do governo para o Imposto de Renda.
Conversamos com Clairton Kubassewski Gama sobre as propostas do governo, apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, relacionadas ao Imposto de Renda. Gama é advogado, mestre em direito, especialista em direito tributário e autor do livro Imposto de Renda – Modelo Atual e Perspectivas para a Reforma Tributária, lançado pela editora Almedina Brasil.
Segundo o governo, as propostas somente serão encaminhadas para análise do Congresso em 2025. Caso elas sejam aprovadas, elas passariam a valer em 2026.
Como deve funcionar a isenção para quem ganha R$ 5 mil por mês ou R$ 60 mil por ano?
Nós ainda não temos a definição de como isso vai funcionar, já que falta a estruturação da nova tabela progressiva. Pela tabela progressiva atual, o primeiro degrau está em R$ 2.259, ou seja, quem ganha até esse valor por mês, não paga Imposto de Renda, pois está na faixa de isenção. Acima desse valor, desconta-se a isenção e se passa a tributar a diferença em conformidade com as faixas. A ideia do governo é corrigir esse valor de R$ 2.259 para R$ 5 mil, fazendo com que essa fosse a nova faixa de isenção. O que falta definir é como a tabela vai se comportar com isso.
Na coletiva onde o Haddad anunciou essas mudanças, ele disse que quem ganha até R$ 7,5 mil por mês também teria uma forma diferente de cálculo, e quem ganha a partir de R$ 7,5 mil, teria outra forma de progressividade. Na verdade, ele deixou muitas incertezas e nenhuma definição sobre o assunto. Eu já vi especialistas dizendo que o valor de R$ 5 mil não entraria na progressividade, ou seja, quem ganha até R$ 5 mil estaria isento, mas quem ganha a partir de R$ 5 mil não teria essa isenção, ou, pelo menos, não a isenção total desse valor.
O ponto é que não se sabe como vai funcionar a isenção para quem ganha a partir de R$ 5 mil. Quem está abaixo desse valor, tem uma promessa de isenção, e para quem está acima do valor de R$ 50 mil por mês, teria uma tributação maior. O problema é que há muita indefinição para quem está no meio do caminho, ganhando de R$ 5 mil a R$ 50 mil.
Um ponto interessante é que se pegarmos a história do Imposto de Renda, a última grande reforma deste imposto ocorreu em 1995, através da Lei 9.249. Na época, a isenção estava em torno de R$ 795. Se fizermos a correção desse valor pelo IPCA, nós vamos ter, aproximadamente, R$ 5 mil, ou seja, o valor anunciado pelo governo é a correção da tabela de 1995. Essa isenção é justa e necessária, mas ela não pode ser apenas uma medida para se dizer que quem ganha até R$ 5 mil está isento. Ela tem que ser integrada com o restante da tributação do Imposto de Renda para que se evite distorções.
Considerando as informações divulgadas pelo governo, como o governo deve mexer nas deduções com gastos com saúde?
Se o governo está prevendo uma isenção maior, ele tem que prever contrapartidas para manter a arrecadação. Pela proposta do governo, quem ganha acima de R$ 20 mil mensais não poderia mais fazer uso da isenção para doenças graves. Isso porque uma pessoa que tem uma doença considerada grave, como cardiopatias graves ou câncer, tem isenção de Imposto de Renda. A ideia do governo é manter essa isenção apenas para quem ganha até R$ 20 mil por mês.
O problema é que essa isenção foi criada justamente porque essas pessoas têm um custo muito maior com a sua saúde, sendo que a Constituição Federal prevê que o acesso à saúde é um direito fundamental que deve ser concedido pelo Estado. A partir do momento em que o Estado não concede saúde de forma suficiente e eficiente a todos, e a pessoa tem que buscar isso de forma particular, ela tem que ter direito, em contrapartida, a deduzir esses gastos da sua renda. Isso porque essa parte da renda não está sendo auferida de forma livre e direta. A pessoa está tendo que colocar parte da sua renda em algo que, teoricamente, o Estado deveria lhe fornecer. Essa foi a intenção legislativa por trás dessa isenção.
A partir do momento em que o governo busca contraprestacionar essa isenção para uma renda mais alta, ele coloca em choque dois valores fundamentais da Constituição: a garantia de um mínimo para garantir a subsistência digna da pessoa e a saúde da própria pessoa.
Caso isso se torne realidade, essa medida não pode levar a uma judicialização enorme contra o Governo Federal?
Se essa medida for aprovada, eu tenho certeza que ela vai gerar um contencioso enorme, justamente para discutir o caráter fundamental do acesso à saúde. Esse assunto já possui um contencioso muito grande, pois, muitas vezes, a Receita Federal entende que uma determinada doença não se enquadra no conceito de moléstia grave.
A partir do momento em que se retira essa isenção, o governo está instituindo ou aumentando o Imposto de Renda em relação a um fato que antes não era tributado.
Como deve funcionar a tributação de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês ou R$ 600 mil por ano?
Pela proposta do governo, quem ganha acima de R$ 50 mil por mês teria que contribuir com um Imposto de Renda mínimo. Essa foi a expressão utilizada por Haddad, o que seria uma nova forma de apuração do Imposto de Renda no ordenamento brasileiro.
Hoje, o Imposto de Renda possui alíquotas nominais que vão até 27,5%, mas quando fazemos a declaração, o sistema da Receita Federal indica a alíquota efetiva, que é diferente da nominal. A alíquota efetiva é o que efetivamente estamos pagando de imposto sobre a nossa renda. Ocorre que quase sempre, a alíquota efetiva será menor que a alíquota nominal, pois nós temos, por exemplo, deduções e parcelas que não compõem a renda tributária.
Pela proposta do governo, quando uma pessoa que ganha acima de R$ 50 mil por mês fizer a sua declaração, se a alíquota efetiva ficar abaixo de 10%, ela será aumentada para que se tribute, no mínimo, 10% dessa renda. É por isso que quem ganha acima de R$ 50 mil por mês teria uma alíquota efetiva mínima de 10% sobre os seus ganhos.
A outra grande novidade desse assunto é que nesse valor de R$ 50 mil por mês, todas as receitas seriam consideradas auferíveis, independente de serem decorrentes de trabalho, aluguéis ou dividendos. Pela proposta do governo, todas as rendas serão somadas, e se a pessoa tiver uma renda mensal superior a R$ 50 mil por mês, ela vai ter um Imposto de Renda efetivo mínimo de 10%.
Considerando as pessoas que ganham mais de R$ 50 mil por mês ou R$ 600 mil por ano, como é o perfil de renda dessas pessoas?
Pelas estimativas existentes, a renda dessas pessoas é mais proveniente de outros tipos de remuneração, como pró-labores, alugueis, arrendamentos, royalties, dividendos e juros sobre capital próprio, do que trabalhos assalariados. É por isso que vai haver um movimento para se tributar mais as outras formas de remuneração, sejam elas de trabalho, sejam elas de capital.
Como você está vendo essa questão da tributação dos dividendos?
O grande problema não é tributar os dividendos, mas como isso vai ser feito. A tributação dos dividendos, por si só, não é um problema, desde que ela seja feita através de uma metodologia que integre a tributação dos dividendos na pessoa física com a tributação da renda na pessoa jurídica. Quando o governo diz que vai considerar todas as fontes quando a renda mensal passar de R$ 50 mil, ele simplesmente está trazendo os dividendos para dentro da tributação, sem se preocupar com a tributação que aconteceu antes na pessoa jurídica.
Na minha opinião, o mais adequado seria integrar e equilibrar melhor essa questão. Por exemplo, uma forma simples de resolver esse problema seria diminuir o Imposto de Renda da pessoa jurídica e colocar um percentual para tributar os dividendos quando eles fossem distribuídos para as pessoas físicas. Com isso, nós teríamos a tributação da renda que foi auferida pela pessoa jurídica e distribuída para a pessoa física. Isso evitaria uma tributação excessiva ou até uma bitributação, já que, economicamente, trata-se da mesma renda que foi transferida da pessoa jurídica para a pessoa física.