Governo recua de restrição a importações
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Após desencontro entre Mantega e Miguel Jorge, Lula determina revogação de medida que barrava cerca de 3.000 itens
Empresários pressionaram pelo fim de licença prévia; Mantega diz que ministério do Desenvolvimento estava preocup ado com a balança
Sérgio Lima/Folha Imagem |
Guido Mantega (à esq.), e o ministro interino do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, em entrevista
SHEILA DAMORIM
JULIANA ROCHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A exigência de licença prévia para importação de cerca de 3.000 itens colocou em rota de colisão os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miguel Jorge (Desenvolvimento), e o assunto foi resolvido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem, por determinação de Lula, foi revogada a medida implementada de forma atabalhoada, no início da semana, pelo Desenvolvimento.
"A medida foi mal entendida, causou ruídos, foi mal interpretada. Conversei com o ministro Miguel Jorge, que está em um missão internacional na África e concordamos pela suspensão para cessar os ruídos", anunciou Mantega ontem, no final do dia, ao lado do ministro interino do Desenvolvimento (MDIC), Ivan Ramalho.
A frase selou o desfecho de mais de 24 horas de negociações e informações desencontradas dentro do governo. Poucas horas antes, o diretor da área internacional da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Roberto Giannetti, havia conversado separadamente com Ramalho e os técnicos do MDIC e com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, e saiu do ministério comemorando "mudanças" na nova regra, que resolveriam o problema dos empresários.
"O tempo [de 10 dias para licença] permite ao governo uma observação preventiva dos preços que estão sendo praticados e os volumes de importação, para que a gente não seja surpreendido com importação de um produto que possa destruir empregos no Brasil e causar dificuldades às nossas indústrias por concorrência predatória", disse, mostrando-se satisfeito.
Segundo Giannetti, a medida só seria uma barreira se fosse mal usada e as licenças demorassem muito para sair, coisa que o ministério havia garantido que não. Mas, cerca de 15 minutos depois dessas declarações, tudo mudou. A assessoria de Mantega convocou uma entrevista coletiva. Ao anunciar a revogação da medida, recusando-se a responder perguntas de jornalistas, porém, Mantega deixou claro a preocupação do MDIC com o desempenho comercial em meio à crise.
Barreiras
Essa era justamente a maior crítica dos empresários, que alegavam que o governo estava adotando barreiras comerciais. "O Desenvolvimento tomou a medida em razão do comportamento da balança comercial de janeiro. A crise internacional provocou redução da demanda de commodities e diminuição das exportações e causou preocupação em relação ao desempenho da balança."
"Foi notada uma agudização da competição, da concorrência no comércio internacional", emendou. "Em razão disso, o Ministério do Desenvolvimento resolveu tomar uma medida estabelecendo a licença prévia, para poder fazer um monitoramento mais preciso do que está acontecendo com a balança comercial", completou Mantega.
A Fazenda era contrária à medida. No dia anterior, numa reunião com Mantega, Ramalho e técnicos da Fazenda, foi sugerida a revogação. Mas o MDIC insistiu em que o "erro de divulgação" poderia ser consertado. Ficou combinado que uma "declaração política" do MDIC explicitando a medida poderia amenizar a apreensão inicial dos empresários.
Tanto é que, logo após o encontro, foi divulgada pelo Desenvolvimento nota acordada com a Fazenda tentando esclarecer a medida. Como a repercussão negativa só cresceu no setor produtivo, pela manhã, a Fazenda já estava convencida de que o jeito seria recuar.
O MDIC ainda insistia em pequenos "ajustes", embalado pelo lobby protecionista de alguns setores que temem, especialmente, a concorrência considerada desleal da Ásia. Sem querer bater de frente publicamente com o Desenvolvimento, Mantega recomendou a Lula a suspensão da decisão, alegando os estragos na economia que a medida poderia causar.
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O recuo do governo começou a ser desenhado na terça. O ministro Guido Mantega (Fazenda) recebeu pressões do empresariado, mas temia criar um constrangimento público ao colega Miguel Jorge (Desenvolvimento) revogando imediatamente a medida. Por isso, tentou-se encontrar uma forma "honrosa" para resolver o problema, considerado pelos técnicos do governo como "um erro completo de comunicação".
Segundo a Folha apurou, a Fazenda e o Desenvolvimento vinham discutindo a evolução da balança comercial e formas de conseguir antecipar o desempenho, sobretudo das importações, e também monitorar as compras da Ásia, que tem um custo de produção muito baixo em relação ao Brasil.
A Fazenda havia pedido um levantamento detalhado para o Desenvolvimento e foi acertada um encontro na terça-feira para retomar o tema, mas, um dia antes, o Ministério do Desenvolvimento já havia estabelecido a exigência de licenças prévias de importação e a reunião se destinou a discutir uma solução para o problema.
Nesse mesmo dia, em visita a São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi informado da reação negativa à decisão e pediu a Mantega que conversasse com o ministro do Desenvolvimento, que está no exterior. A Fazenda se manifestou pela revisão da medida.
Jorge resistiu e foi tentada uma alternativa: deixar claro que a produção que depende de insumos e peças importadas não seria afetada. Não deu certo. As críticas subiram de tom e, na manhã de ontem, a Fazenda estava convencida de que o governo teria que recuar.
Jorge teve que concordar diante do aumento das críticas. Lula, que havia dito que analisaria o assunto quando voltasse a Brasília, o fez ontem pela manhã. Ele foi informado de que um de seus conselheiros econômicos, o ex-ministro Delfim Netto, era contra a medida. Também pesou a repercussão negativa na imprensa, o que o levou a acatar os argumentos contrários da Fazenda.
Quando recebeu, no meio da tarde, telefonema do presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, demonstrando preocupação com a medida, o presidente já comunicou o colega de Mercosul que ela seria revogada.
O Ministério do Desenvolvimento ainda tentava se justificar, argumentando que a medida não era uma barreira -serviria para melhorar a avaliação estatística da balança comercial. Nas palavras de um ministro, houve uma falha de comunicação, apesar de empresários e economistas apontarem o caráter protecionista da medida.
(SHEILA D"AMORIM, KENNEDY ALENCAR E SIMONE IGLESIAS)
Barreira seria exceção, avalia OMC
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
Se tivesse mantido a exigência de licença de importação prévia lançada no início da semana, o Brasil seria um dos primeiros a adotar uma barreira ao comércio internacional no âmbito da atual crise.
Segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), os seus membros "parecem ter mantido sob controle, com sucesso, as pressões protecionistas domésticas". "Têm surgido apenas sinais limitados de aumento de tarifas, barreiras não-tarifárias e subsídios", diz a entidade em relatório reservado obtido pela Folha.
De acordo com o documento, as medidas mais significativas adotadas até agora foram de apoio ao setor financeiro e às montadoras. "Algumas dessas providências podem eventualmente ter efeitos negativos em outros mercados ou introduzir distorções na competição entre instituições financeiras."
Sobre o Brasil, a OMC cita a autorização para que bancos públicos comprem carteiras de outros e o esforço do Banco Central em garantir crédito a exportadores.
Colaborou MARCELO NINIO , em Genebra
Medida brasileira causa desconforto no Mercosul
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
O aumento da burocracia para a liberação de importações -suspenso ontem pelo governo após repercussão negativa- também pegou mal entre sócios do Mercosul.
O governo da Argentina soube da medida na segunda, por meio do próprio ministro interino do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, que participou em Buenos Aires de reunião sobre o comércio bilateral.
Na terça, contudo, ainda havia dúvidas na Casa Rosada sobre o alcance das restrições. Ontem à noite, a presidente Cristina Kirchner se reuniu com ministros para debater o tema, antes da suspensão.
Para a Argentina, que amargou déficit de US$ 4,3 bilhões em 2008 no comércio com o Brasil, entraves a exportações são péssima notícia. As importações brasileiras de produtos argentinos atingiram US$ 13,3 bilhões no em 2008 -27,4% a mais do que em 2007. E ontem a Argentina divulgou os dados de sua balança comercial de dezembro -queda de 52% no superávit na comparação anual.
A medida também teve forte impacto negativo no Uruguai. Em contato telefônico, o presidente Tabaré Vázquez soube pelo presidente Lula que as restrições haviam sido suspensas.
As exportações uruguaias para o Brasil cresceram 38,9% sobre 2007, atingindo US$ 903 milhões. O país tem déficit de US$ 741 milhões com o Brasil.