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Responsabilidade dos administradores e os minoritários

Publicado em:

Leslie Amendolara

 

 

Em torno das enormes perdas sofridas pelas empresas que teriam especulado em operações de swap de dólar, começa a surgir a questão da responsabilidade dos administradores – por terem agido com desvio de poder que, nos termos do artigo 154 da Lei das S.A., consiste no descumprimento do dever de que a lei e os estatutos lhe conferem para lograr os fins e os interesses da companhia. O artigo 158 da citada lei, por seu turno, dispõe que "o administrador não é responsável pelas obrigações que contrata em nome de sociedades em virtude de ato regular de gestão."
 

 

 

Desde logo põe-se a questão: o que é ato regular de gestão? A própria lei parece responder ao mencionar que o administrador será responsável quando agir por culpa ou dolo, com violação da lei ou do estatuto, dentro de suas atribuições e poderes. Não cremos terem sido as operações praticadas com dolo. Assim, resta-nos verificar se houve culpa, que, como sabemos, decorre de atos praticados com imprudência, imperícia ou negligência. Se eliminarmos esse último, resta-nos saber se houve imprudência ou imperícia.

 

 

Imperícia seria a falta de competência, despreparo, inabilidade do agente capaz de causar danos à empresa. Não cremos também seja o caso em exame, pois todos são profissionais altamente experimentados e profundos conhecedores dos mecanismos do mercado. Resta-nos a imprudência, uma espécie de deus bifronte, capaz de gerar a fortuna ou a ruína das pessoas e das empresas. Especular com o caixa da companhia sem dúvida é imprudência, em especial em operações envolvendo câmbio, algo cuja "alea" é inerente ao negócio.

 

 

A profissionalização da companhia é uma conseqüência inevitável do avanço tecnológico e da necessidade de sistemas de gestão sempre mais eficientes, raramente disponíveis no detentor de capital. Em contrapartida à transferência de parte do poder do capital para a gestão profissionalizada, a lei buscou mecanismos capazes de responsabilizá-la perante a sociedade e os acionistas minoritários, de modo a impedir que se estabelecesse uma nova forma de arbítrio, agora não mais do capital, mas dos administradores.

 

 

Dentro desse quadro de culpa dos administradores impõe-se uma outra pergunta: teriam agido sozinhos, sem dar conhecimento aos demais membros da administração e aos acionistas controladores, ou teriam ultrapassado os limites normais desejáveis em operações com derivativos cambiais?

 

 

A lei acionária brasileira separou as responsabilidades de controladores e administradores, tratando-as em capítulos diferentes. Aos primeiros relacionou-as aos atos praticados com abuso de poder no exercício do voto, enquanto aos segundos ligou-as com o descumprimento de deveres concernentes a atos de gestão, como vimos.

 

 

Conforme dispõe a Lei das S.A., acionista controlador é a pessoa natural ou jurídica ou grupo de pessoas vinculados por acordo de voto, ou sob controle comum que é titular de direito de sócio que lhe assegura, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

 

 

E o que é abuso de poder? Ao acolher o legislador brasileiro a doutrina de que a empresa, em especial a companhia aberta, não é um bem absoluto de seus titulares controladores, mas precisa atender a um imperativo social mais amplo, retirou-lhes, através de variados mecanismos, o poder de arbítrio. Essa concepção social da grande empresa está patente, com bastante nitidez, no parágrafo único do artigo 116 da Lei nº 6.404, de 1976: "O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir sua função, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender." Esse dispositivo transpõe, inclusive, as fronteiras da própria companhia ao mencionar a comunidade, como a antecipar normas que foram adotadas posteriormente pelo Código de Defesa do Consumidor, em particular no artigo 4º, das relações de consumo, bem como o direito ambiental.

 

 

Estamos diante de situações que o tempo e a Justiça esclarecerão, mas e os acionistas minoritários? O valor de suas ações derreteu-se como se fossem sorvetes expostos à combustão dos pregões. Como sempre, foram as maiores vítimas, e tão perplexos estão que poucos ousam levantar a voz, amedrontados, talvez, pelo tiroteio lá de cima. De que instrumentos legais, então poderiam valer-se os minoritários para responsabilizar administradores e controladores? No que diz respeito aos administradores, embora a lei atribua à companhia a legitimidade para propor ação de responsabilidade civil contra eles, não exclui, conforme o parágrafo 7º do artigo 159, o acionista diretamente prejudicado por um ato do administrador de também promover a ação.

 

 

No que concerne aos controladores, entendemos que a ação também seria de responsabilidade civil para reparação de danos. Quanto à legitimidade processual, Modesto Carvalhosa, ao comentar o artigo 117 da Lei das S.A., afirma: "obviamente tem legitimidade a própria companhia e os demais acionistas lesados com a conduta abusiva do controlador".

 

 

A legitimidade cabe tanto a acionistas representando 5% do capital social, portanto ordinaristas, e/ou preferencialistas que detenham esse percentual. Cabe também a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogados devidos no caso de vir a ação a ser julgada improcedente. Assim, uma vez comprovado que os controladores conheciam as operações realizadas pelos administradores e, pelo menos tacitamente, as teriam aprovado, estaria aí confirmada a legitimidade dos minoritários para pleitearem a reparação de eventuais danos sofridos também dos acionistas controladores.

 

 

Leslie Amendolara é advogado especializado em direito societário e mercado de capitais

 

 

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