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A Natureza Jurídica da “Não-cumulatividade” das Contribuições ao PIS e a COFINS

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Marcell Feitosa Correia Lima*

1. Breve Relato Histórico e Aspectos da Norma In Abstrato da Não-cumulatividade

Princípio para uns e técnica para outros, a não-cumulatividade tem sua origem na França, nos indos de 1954, no bojo da reforma fiscal implementada com o intuito de desonerar a produção atingida pela incidência cumulativa de tributos e berço do Taxe sur la Valuer Ajoutée – TVA, imposto sobre valor agregado, conforme ensina Cesare Cosciani(1):

así Lauré en una serie de artículos y conferencias, y una Comission para la reforma fiscal presidida por Loriot en 1952, impugnaron el regime vigente y propiciaron su reemplazo por um impuesto al valor agregado.

A propósito da discórdia acerca da caracterização da não-cumulatividade como princípio ou técnica, oportuno, trazer a baila tese defendida por Hugo de Brito Machado(2) que leciona:

Alguns se referem ao princípio, outros à técnica da não-cumulatividade. Importante, pois, é esclarecer se é de um princípio, ou de uma técnica que se cuida. E se é possível cuidar-se de princípio, e de técnica, explicando-se, neste caso, o que distingue uma coisa da outra.
A não-cumulatividade pode ser vista como princípio, e também como técnica. É um princípio, quando enunciada de forma genérica, como está na Constituição no dispositivo que se reporta ao IPI dizendo que esse imposto "será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores." Ou como está no dispositivo que se reporta ao ICMS dizendo que esse imposto "será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
Em tais enunciados, embora já esteja de certa forma definido o que se deva entender por não cumulatividade, não se estabelece exaustivamente o modo pelo qual esta será efetivada. Não se estabelece a técnica. Tem-se simplesmente o princípio.
A técnica da não-cumulatividade, a seu turno, é o modo pelo qual se realiza o princípio. Técnica é "maneira ou habilidade especial de executar algo.
Assim, a técnica da não cumulatividade é o modo pelo qual se executa, ou se efetiva o princípio. Para bem entender-se a diferença entre o princípio e a técnica pode-se invocar a distinção que os processualistas fazem entre processo e procedimento. O primeiro é o conjunto de atos tendentes a um determinado fim. O segundo é o modo pelo qual tais atos são praticados, e se relacionam, para compor o processo.
A técnica, portanto, é que define o regime jurídico do princípio da não cumulatividade do imposto, regime jurídico este que se define em duas espécies, a saber, o regime do crédito financeiro e o regime do crédito físico, ou ainda por uma terceira espécie, na qual são albergados elementos de um e do outro daqueles dois regimes jurídicos.

No ordenamento jurídico nacional, a não-cumulatividade passou a ser empregada, no plano constitucional, a partir da Reforma Tributária de 1965, com o advento da Emenda Constitucional nº 18/65, notadamente nos arts. 11 e 12. Dizemos na constituição em atenção à lição de Ruy Barbosa Nogueira, Francisco de Souza Matos e Luiz Mélaga(3), segundo a qual a implementação da vedação da cumulatividade pela Emenda Constitucional nº 18/65 não constituía uma bossa nova, em virtude da preexistência na legislação de sistema de incidência sobre o valor acrescido aplicável ao antigo imposto de consumo:

Uma novidade da reforma foi a instituição, em norma constitucional (art. 11, parágrafo único da Emenda Constitucional nº 18º, da não cumulatividade do impôsto, o que, nos últimos tempos, era simples disposição da lei ordinária, facilmente alterável ou revogável. (sic)

O art. 11 estabeleceu a competência da União Federal para a instituição do imposto sobre produtos industrializados – IPI, cujas características deveriam ser a seletividade, em função da essencialidade dos produtos, e a não-cumulatividade, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores. Já o art. 12 estabeleceu a competência dos Estados para instituir o imposto sobre operações relativas a circulação de mercadorias – ICM que, igualmente, deveria ser não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado, e não incidiria sobre a venda a varejo, diretamente ao consumidor, de gêneros de primeira necessidade.

De imediato, já se percebe que a Emenda Constitucional nº 18/65 e a Constituição Federal de 1967 afastaram a não-cumulatividade brasileira de sua fonte inspiradora européia, ao aderirem ao sistema do crédito físico(4), que restringe o abatimento ao montante pago na operação anterior. Sistema implementado, também, na legislação complementar contemporânea, qual seja, o art. 3º, §1º, do Decreto-Lei 406/68, de seguinte redação: "a lei estadual disporá de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente às mercadorias nele entradas".

Versando sobre momento histórico das mudanças operadas pela Reforma Tributária de 1965, João Troncozo(5), faz interessante síntese da conjuntura que antecedeu a implementação da não-cumulatividade no ordenamento pátrio:

Anteriormente à Reforma Tributária, vigorava, no Brasil, uma multiplicidade de formas de incidência impositiva, que além da travar os negócios, cabia-lhe a responsabilidade pela crise econômica, onde se salientava uma galopante inflação. Com a vinda do Prof. Carl Shoup, da Universidade de Columbia, o nosso sistema foi examinado pelo aludido Professor, o qual chegou à conclusão, entre outras, de ser imperiosa a adoção da técnica da tributação pelo valor agregado, deixando de lado a imposição em cascata quanto à tributação estadual sobre vendas.

Ainda no plano histórico, se faz interessante destacar a sistematização formulada por Paulo Bonilha(6) em sua Dissertação apresentada junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre, onde discorre que no projeto definitivo do Código Tributário Nacional, formulado por Comissão Especial designada pelo Ministro da Fazenda e composta por Rubens Gomes de Sousa, Affonso Almiro Ribeiro da Costa Jr., Gerson Augusto da Silva e Romeu Gerson, finalizado em maio de 1954, existia norma que intentava implantar mecanismo de introdução da não-cumulatividade na incidência do imposto de consumo. Tratava-se do art. 26, §1º, verbis:

Artigo 26
§1º – O imposto incide uma única vez sôbre os produtos industrializados destinados ao consumo interno do país, assegurado ao produtor final, inclusive beneficiadores e transformadores, a dedução do impôsto relativo às matérias primas e produtos intermediários empregados na respectiva indústria.
(…)
Fundamentando o dispositivo proposto, assim expõe o Relatório da Comissão Especial:
Como corolário da vedação das incidências múltiplas, ainda que parciais, decorrentes da tributação de matérias primas ou produtos intermediários, assegurou-se ao produtor final o respectivo desconto quando do pagamento do impôsto sôbre o produto acabado.(sic)

Mais adiante, discorre o prestigiado professor Paulo Bonilha(7), sobre a via crucis enfrentada pelos legisladores pátrios para implementar a não-cumulatividade no ordenamento jurídico nacional:

O conseqüente Projeto de Lei nº 4834, de 1954, porém, que consubstancia a propositura governamental, tem a sua tramitação prejudicada no Congresso Nacional, pois os sucessores de Oswaldo Aranha no Ministério da Fazenda solicitam sucessivos adiamentos ao líder do Governo, sob o fundamento de que pretenderiam introduzir modificações.
Nesse interregno, na órbita da legislação do imposto de consumo de mercadorias, sobrevém a Lei º 2974, de 26 de novembro de 1956, contendo alterações ao Decreto-Lei nº 7404, de 22 de março de 1945, entre as quais se encontra o embrião do sistema de incidência sobre o valor acrescido. Trata-se da nova redação dada ao artigo 3º pela décima nona alteração editada, que modifica o sistema de recolhimento do tributo devido sobre produtos importados.
(…)
Pouco afeitas a mecanismos de dedução ou compensação do imposto, as autoridades fiscais não compreenderam os objetivos da Lei nº 2974, visto que os produtos importados e em estoque antes do advento desse diploma legal forma considerados sujeitos a nova incidência por ocasião das saídas dos estabelecimentos dos importadores (Circular nº 85, de 21 de dezembro de 1956).
(…)
Finalmente, premido pela necessidade de meios financeiros para atender ao vulto de despesas decorrentes de reajustamento de vencimentos dos servidores públicos, bem como para enfrentar surto inflacionário que assolava a economia, o Presidente da República encaminha ao Congresso Nacional a mensagem sob nº 338, de 27 de outubro de 1958, onde propugna por medidas de reforço da receita pública, a par de alterações tributárias, com o fim exclusivo de melhor racionalizar o sistema impositivo.
Dando ênfase a esta inovação, a Exposição de Motivos do Ministério da Fazenda realça:
Tais são as diretrizes que presidiam a reforma ora encaminhada, em que se procurou eliminar o caráter cumulativo do tributo que nas operações industriais complexas grava atualmente produtos e artefatos de uso intermediário com sensível reflexo na formação do preço final das utilidades.
(…)
Assim, entre outras importantes modificações, a Lei nº 3520, de 30 de dezembro de 1958, oriunda do precitado projeto e emendas aprovadas, amplia e consolida a técnica de incidência sobre o valor acrescido no direito brasileiro, assegurando ao contribuinte do imposto de consumo de mercadorias, na venda do produto final, direito à dedução de eventuais incidências que tenham gravado as … matérias-primas, e outros produtos importados diretamente para emprêgo n fabricação e acondicionamento de artigos ou produtos tributados … (cfr. Artigo 148 do Regulamento do Imposto de Consumo aprovado pelo Decreto nº 45422, de 12 de fevereiro de 1959, que regulamentou a Lei nº 3520).
(…)
Finalmente, sob a égide da reforma tributária operada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, altera-se a denominação do tributo para imposto sobre produtos industrializados (Decreto-Lei nº 34, de 18 de novembro de 1966).

Curioso destacar, ainda, que, com a promulgação da Constituição de 1967, em 24 de janeiro de 1967, as alterações implementadas pela citada Emenda Constitucional nº 18/65, tiveram vigência de 23 (vinte e três) dias, já que o art. 26 de referida Emenda estabelecia que os tributos de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vigentes à data de sua promulgação continuariam a ser exigidos até 31 de dezembro de 1966. No entanto, pelas disposições dos arts. 22, inciso V, e 24, inciso II, ambos da CF/67, tanto o IPI quanto o ICM deveriam respeitar a não-cumulatividade.

Com a tomada do poder pelos Militares, foi editada, em 20 de outubro de 1969, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de setembro de 1969, impondo ao país uma nova Constituição sem promover nenhuma alteração quanto ao IPI. Já o ICM, com a implementação da Emenda Constitucional nº 23, de 1º de dezembro de 1983, sofreu alteração que restringiu o creditamento do imposto na hipótese de isenção ou não incidência (art. 23, II, segunda parte).

Já a vigente Constituição Federal de 1988, manteve a não-cumulatividade do IPI (art. 153, §3º, II) e do ICM (art. 155, §2º, I), acrescentando ao último novo tipo tributário consistente da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações, que também foi albergada pela não-cumulatividade. E a acrescentou em relação aos impostos de competência residual (art. 154, I) e à nova contribuição sobre a receita bruta (art. 195, §12).

Por derradeiro, com a edição das Leis nº 10.637/02, 10.833/03 e 10.865/04, foi instituída e disciplinada a sistemática de "não-cumulatividade" da Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

A digressão feita abordando a introdução da não-cumulatividade no direito tributário brasileiro tem como escopo nos capacitar para examinar, com a visão de conjunto necessária, sua evolução e eventual generalização dentro do tema proposto no presente estudo.

Mas antes de adentrarmos ao assunto do estudo propriamente dito, revelam-se necessários alguns esclarecimentos iniciais quanto à conceituação da não-cumulatividade.

Definindo a não-cumulatividade assim se expressam doutrinadores de escol:

No escólio de Roque Carrazza:
O princípio da não-cumulatividade operacionaliza-se por meio da compensação, feita pelo próprio contribuinte, entre débitos e créditos, na escrituração fiscal.(8)
Nos ensinamentos de Aliomar Baleeiro:
Ao contrário, por meio do princípio da não-cumulatividade, garante-se que os contribuintes, nas operações de venda que promova, transfira ao adquirente o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou nas operações anteriores. A Lei Fundamental somente se concilia com um só entendimento: o ICMS não deve ser suportado pelo contribuinte (comerciante, industrial ou produtor).(9)
Na opinião de Paulo de Barros Carvalho:
O primado da não-cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes da Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada pela aplicação cotidina do plexo de normas relativas ao ICM e ao IPI, consagra a obrigatoriedade do funcionário, encarregado de apurar a quantia devida pelo contribuinte de considerar-lhe os créditos, ainda que contra sua vontade.(10)
Para José Eduardo Soares de Melo:
O princípio da não-cumulatividade do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) – art. 153, §3º, II – e do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) – art. 155, §2º, I -, significa que o valor tributário efetivamente devido é aquele que resulta da compensação, entre os tributos incidentes nas operações/serviços praticados pelo contribuinte, com as anteriores aquisições de bens e serviços, num determinado período de tempo.(11)

Analisando as circunstâncias em que a não-cumulatividade foi assimilada em nosso sistema tributário e as definições emanadas dos eminentes juristas acima citados, e partindo-se da premissa de que ao intérprete do direito só interessa o conceito eminentemente jurídico, entendemos ser a regra de não-cumulatividade ora norma de estrutura, ora de comportamento, que guarda estreita correspondência com a regra-matriz de incidência tributária e que pode se revelar na forma de princípio, se analisarmos sob a ótica em que foi introduzido no plano constitucional vinculando toda e qualquer norma disciplinadora do ICM e do IPI, e na forma de técnica, se analisarmos sob as lentes do Sistema Tributário Nacional que não prescinde da existência da não-cumulatividade, diferentemente de outros princípios absolutamente necessários para harmonização do sistema.

Revela-se norma de estrutura nas hipóteses dos arts. 153, §3º, II, 154, I, 155, §2º, I, e 195, §12, da Constituição em que estabelecem expedientes formais necessários para o exercício da competência tributária, fixando ao mesmo tempo seus limites, a chamada "Gramática Jurídica"(12). E de comportamento, hipótese das Leis nº 10.637/02, 10.833/03 e 10.865/04, que exprimem apenas condutas a serem seguidas pelo fisco e pelos contribuintes.

Ou seja, a norma de não cumulatividade, assim como inserta no ordenamento jurídico pátrio, deve ser observada tanto pelos legisladores tributários (nas normas de estrutura e de comportamento) quanto pelos contribuintes (normas de comportamento).

Quanto ao liame com a regra-matriz de incidência tributária, entendemos que se estabelece a partir do instante em que a norma de não-cumulatividade produz comando introdutor de desoneração das etapas da cadeia de industrialização, comercialização ou serviço, propiciando que o contribuinte recolha o tributo apenas sobre o valor adicionado na cadeia referente à operação atual que executa. Ou seja, permite que o contribuinte deduza (abata), em cada operação, os valores correspondentes aos montantes cobrados nas operações ou prestações anteriores.

Assim, é o resultado normativo da conjunção da regra-matriz com a norma de não-cumulativa que aponta o quantum debeatur que deverá ser recolhido ao erário público ou o direito ao crédito ou, sendo mais preciso, a expectativa de direito ao crédito que o contribuinte é detentor em face do Estado.

A propósito da regra-matriz, mostra-se indubitável que a norma jurídica, em sua estrutura lógica, assim como concebida por Paulo de Barros Carvalho, é composta pelo antecedente e pelo conseqüente. O primeiro diz respeito à "uma previsão hipotética, relacionando as notas que o acontecimento social há de ter, para ser considerado fato jurídico ou a realização efetiva e concreta de um sucesso que, por ser relatado em linguagem competente própria, passa a configurar o fato na sua feição enunciativa peculiar."(13)

Já o conseqüente da imputação normativa é a "conjugação de critérios que tem por escopo dar-nos a identificar um vínculo jurídico que regerá comportamentos humanos"(14).

Utilizando-se de citada teoria para análise da norma da não-cumulatividade temos que seu arquétipo traz a seguinte estrutura hipotética condicional: sempre que ocorrido evento previsto no critério material da norma tributária afeta à operação anterior, no âmbito espacial e lapso temporal determinado pela mesma regra, o Estado (sujeito passivo) tem o dever de reconhecer ao contribuinte (sujeito ativo) o direito de utilizar um crédito no montante correspondente ao valor pago a título de tributo (critério quantitativo) por decorrência dessa operação anterior.

Desta conclusão se extraem algumas conseqüências de grande valia quanto à norma de não-cumulatividade, quais sejam:

a) que o antecedente é composto da operação de ocorrência anterior;

b) que, no conseqüente, opera-se uma inversão de pólos;

c) que o critério quantitativo é composto pelas informações de apuração do quantum contidas na operação anterior.

Imaginando o arquétipo para uma hipótese fictícia de tributação sobre o futebol, teríamos a seguinte conformação:

Regra de incidência da operação anterior ("imposto sobre o futebol")

CRITÉRIO MATERIAL jogar futebol

CRITÉRIO ESPACIAL toda praça esportiva

CRITÉRIO TEMPORAL o momento em que se pratica a atividade esportiva

CRITÉRIO PESSOAL Sujeito ativo: Estado

Sujeito passivo: jogador

CRIT. QUANTITATIVO Base de cálculo: valor do aluguel da praça esportiva

Alíquota: variável de acordo com a estrutura da praça esportiva

Regra de incidência da não-cumulatividade

Antecedente – operação de ocorrência anterior à atual, entendendo-se como atual àquela da qual decorre a obrigação tributária;

Conseqüente – inversão de pólos, o contribuinte passa a ser o sujeito ativo da relação jurídica e o Estado passa a ser o sujeito passivo. Critério quantitativo – composto pelos dados destinados à apuração do quantum cobrado a título de tributo em virtude da ocorrência da operação anterior.

CRITÉRIO MATERIAL jogar futebol

CRITÉRIO ESPACIAL toda praça esportiva

CRITÉRIO TEMPORAL o momento em que se pratica a atividade esportiva

CRITÉRIO PESSOAL Sujeito ativo: jogador

Sujeito passivo: Estado

CRIT. QUANTITATIVO Base de cálculo: valor do aluguel da praça esportiva (-) valor cobrado do aluguel da praça na operação anterior

Alíquota: variável de acordo com a estrutura da praça esportiva

Em um esquema prático, teríamos a seguinte configuração, conforme brilhantemente sintetizado por Leonardo Nunes Marques(15):

Ultrapassada a exposição histórica e os aspectos da norma in abstrato da não-cumulatividade, imperiosa se torna a análise dos fundamentos que alicerçam a não-cumulatividade no ordenamento jurídico vigente, a começar pelo seu perfil jurídico-constitucional e infraconstitucional cumulativo ou não-cumulativo quanto ao PIS e a COFINS, passando pelos seus meios de implementação, pelo método de neutralidade tributária utilizado pelas Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003 e 10.865/2004, pelas semelhanças e diferenças entre a sistemática da "não-cumulatividade" do PIS e da Cofins e a do ICMS e do IPI, pelo exame da natureza jurídica da "não-cumulatividade" do PIS e da Cofins, até chegarmos a regra-matriz do PIS e Cofins "não-cumulativo".

2. O Perfil Jurídico-constitucional e Infraconstitucional Cumulativo ou Não-cumulativo do PIS e da COFINS E Questionamentos Afins

A Constituição brasileira é formada por um sistema de proposições normativas, integrante de outro sistema de amplitude global que é o ordenamento jurídico vigente. Partindo para a análise dos subsistemas nele existente temos o Subsistema Constitucional Tributário que para Paulo de Barros Carvalho(16), é formado pelo quadro orgânico das normas que versem matéria tributária em nível constitucional. Para ele a homogeneidade desse grupamento de regras está determinada, assim pela natureza lógica das entidades normativas, que pelo assunto sobre que dispõem.

Como acrescenta o festejado professor, o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado no campo da tributação ao lado das medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes.

Pois bem. Nossa Carta Constitucional, conforme já adiantado, não só aponta os fatos que podem ser alcançados pela tributação, como estabelece os limites e condições de seu exercício, deixando pouca liberdade ao legislador das várias pessoas políticas.

Neste particular, o Constituinte adotou a técnica de traçar, de modo cuidadoso, as áreas dentro das quais elas podem exercitar a tributação. Forjou, portanto, um sistema rígido de distribuição de competências tributárias.

Só para registro, competência tributária é a aptidão jurídica para criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.

Têm competência tributária, pois, as pessoas políticas. De fato, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal receberam, do Diploma Máximo, a faculdade de instituir, em caráter privativo, todas as modalidades de tributos.

Desdobrando a idéia, a Constituição disciplinou, rigorosa e exaustivamente, o exercício das competências tributárias, retirando do legislador a faculdade de definir, de modo livre, o alcance das normas jurídicas que criam "in abstracto" tributos (normas jurídicas tributárias).

A propósito, assim pronunciou Roque Antonio Carrazza(17):

… o legislador de cada pessoa política (União, Estados, Municípios ou Distrito Federal), ao tributar, isto é, ao criar in abstracto tributos, vê-se a braços com o seguinte dilema: ou praticamente reproduz o que consta da Constituição – e, ao fazê-lo, apenas recria, num grau de concreção maior, o que nela já se encontra previsto – ou, na ânsia de ser original, acaba ultrapassando as barreiras que ela lhe levantou e resvala para o campo da inconstitucionalidade.

Logo, ao mesmo tempo em que distribuiu competências tributárias, a Constituição indicou os padrões que o legislador ordinário de cada pessoa política deverá obedecer, enquanto institui tributos.

A de se ressaltar que a competência tributária, no Brasil, é um tema exclusivamente constitucional. O assunto foi esgotado pelo constituinte. Em vão, pois, buscarmos nas normas infraconstitucionais diretrizes a seguir para a criação, "in abstracto", de tributos. Nesse particular, elas podem, quando muito, explicitar o que, porventura, está implícito na Constituição. Nada de substancialmente novo podem, porém, agregar-lhe ou subtrair-lhe.

Aliás, convém sempre termos presente que, para as pessoas políticas, a Constituição é a Carta das Competências: indica o que podem, o que não podem e o que devem fazer, máxime em matéria tributária.

Importante assinalar, ainda, que as competências tributárias foram desenhadas, com retoques à perfeição, por grande messe de normas constitucionais, que operam como balizas intransponíveis, guiando o legislador (federal, estadual, municipal ou distrital) na criação, in abstracto, das várias exações.

Dito de outro giro, a Carta Magna traçou a regra-matriz (a norma padrão de incidência, o arquétipo genérico) de cada exação, apontando, direta ou indiretamente, a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível das várias espécies e subespécies de tributos. Logo, o legislador, ao exercitar a competência tributária de sua pessoa política, há de ser fiel, em tudo e por tudo, à regra-matriz constitucional do tributo com o qual está se ocupando.

Ou seja, não é permitido as pessoas políticas desvirtuar, quer no todo, quer em parte, as regras-matrizes dos tributos que lhes foram constitucionalmente deferidos.

Noutras palavras, a Constituição reduziu todo e qualquer tributo a um arquétipo normativo ou regra-matriz, que o legislador é obrigado a levar em conta, quando cria "in abstracto", a exação.

Em contrapartida, temos que as pessoas políticas não podem eleger, a seu talante, a regra-matriz dos tributos. Ao cuidarem desse assunto devem, sim, levar em conta a competência tributária que a Constituição lhes deu.

Nesse ponto, reconhecemos na teoria da Regra-Matriz de Incidência Tributária, concebida por Paulo de Barros Carvalho, grande contribuição para os operadores do direito tributário, na medida em que não só permite explicitar e identificar os critérios de normas instituidoras dos tributos, mas também verificar se esta norma está de acordo ou não com o Sistema Jurídico-Tributário e, portanto, apta a fazer nascer a obrigação tributária com o advento da total subsunção de determinada situação fática a todos os critérios definidos na hipótese normativa, irradiando efeitos jurídicos, nos quais o contribuinte deverá entregar, compulsoriamente, certa soma de dinheiro ao erário público.

Portanto, é curial identificarmos as regras-matrizes do PIS e da COFINS, sob o pálio da Constituição Federal bem como da legislação infraconstitucional aplicável às referidas contribuições para, ao depois, iniciarmos a imersão sobre os temas inerentes ao presente estudo.

Assim, para melhor compreendermos os questionamentos inerentes a instituição da sistemática da não-cumulatividade no âmbito do PIS e da COFINS, necessário se faz um breve estudo a respeito do regime jurídico constitucional de referidas exações, o que passaremos a evidenciar.

Na Carta Magna, o PIS está previsto no artigo 239, enquanto a COFINS encontra abrigo no artigo 195, I, b, ou seja, ambas são contribuições que possuem como fundamento de validade destinações constitucionais específicas e distintas, mas incidentes sobre a mesma base de cálculo, como destacaremos adiante.

As regras-matrizes da contribuição para o PIS e a COFINS podem ser esclarecidas pelos artigos 2º(18) e (19) da Lei nº 9.718/98, em que o legislador elegeu como base de cálculo dessas contribuições a "totalidade das receitas auferidas", cujo critério quantitativo(20) das regras matrizes do PIS e da COFINS é o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante a atividade exercida e/ou a classificação contábil adotadas para essas receitas.

Assim, se partirmos do pressuposto de que a base de cálculo confirma o critério material da hipótese de incidência tributária(21), a materialidade do PIS e da COFINS é o comportamento "auferir receitas", que é justamente o verbo, acrescido do seu complemento.

Em apertada síntese, a regra-matriz do PIS e da COFINS abrange o critério material – receber ou obter receitas, o critério espacial – território nacional, o critério temporal – momento efetivo do recebimento da receita, o critério pessoal – a União Federal (sujeito ativo) e as empresas jurídicas de direito privado (sujeito passivo) e, por fim, o critério quantitativo – a totalidade das receitas auferidas, conjugadas com as respectivas alíquotas.

Ainda sobre o perfil constitucional das contribuições ao PIS e a COFINS, importante frisar que a doutrina e a jurisprudência pátria apontam como características básicas das contribuições (gênero), nas quais se incluem a espécie PIS e COFINS, a capacidade contributiva, a finalidade e o benefício/ônus efetivo ou potencial.

Por derradeiro, cumpre destacar que a legislação instituidora da não-cumulatividade aplicável ao PIS e a COFINS, adotou a mesma base de cálculo e, obviamente, o mesmo critério material delineado na Lei nº 9.718/98, como prevêem as Leis nº 10.637/02 e 10.833/03.

Já vimos que a não-cumulatividade foi inserida no sistema jurídico nacional para os impostos incidentes sobre uma cadeia econômica e acabamos de verificar que o PIS e a COFINS incidem sobre o faturamento ou receita.

Feitas as observações supra, passaremos a enfrentar as seguintes indagações:

1. Dada as características do sistema da não-cumulatividade dos impostos sobre a circulação econômica, é possível a implantação deste sistema operacional em relação às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou receita?
2. A não-cumulatividade do PIS e da COFINS os transformam em tributos incidentes sobre o consumo? Essa possível mudança estrutural não pode acarretar a inconstitucionalidade de referidas exações, visto que os Estados e o Distrito Federal são contemplados pela competência impositiva sobre o consumo?
3. Poderia esta nova sistemática de apuração e recolhimento do PIS e da COFINS implicar em rompimento com o perfil constitucional de citadas exações?

A não-cumulatividade, como já visto, foi inserida em sede normativa fundamental através da Emenda nº 18/65, que alterou a Constituição de 1967 e teve a finalidade precípua de minorar o retrocesso que a incidência cumulativa representava para a sociedade como um todo, e em particular para os chamados consumidores finais. Na época de sua inserção aplicava-se expressamente ao IPI e ao, então, ICM.

A hodierna Constituição Federal, em relação ao ICMS e IPI, faz menção ao instituto da não-cumulatividade nos artigos 153, IV, § 3º, II, e 155, II, § 2º, em comando constitucional que possui eficácia plena e imediata, instituindo-na como regra ou princípio a ser observado, sem restrições, pelo legislador infraconstitucional.

Particularmente nos casos do IPI e do ICMS, explica-se em face da natureza de tais impostos, conhecidos como tributos que incidem sobre a circulação de bens e serviços em inúmeras etapas da cadeia econômica, em uma tributação que pressupõe operações de uma mesma cadeia produtiva ou circulatória de bens e serviços. Portanto, a não-cumulatividade concebida para o IPI e o ICMS possui como finalidade a neutralização da incidência em cascata, através da técnica de compensação de débitos com créditos.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 42/2003, a não-cumulatividade passou a estar presente nos seguintes dispositivos constitucionais:

a) art. 153, §3º, II – referente ao IPI, com a seguinte redação: "será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.";
b) Art. 154, I – referente aos impostos de competência residual: "a União poderá instituir, mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos…";
c) Art. 155, §2º, I – referente ao ICMS, com a seguinte redação: "será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;";
d) Art. 195, §12 – atinente à nova contribuição sobre a receita bruta: "a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma do inciso I, b,; e IV do caput, serão não-cumulativas";

A primeira indagação que passaremos a enfrentar é a pertinente a possibilidade de implantação da não-cumulatividade em relação às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento.

Inicialmente convém destacar que o perfil constitucional de referidas contribuições é nitidamente independente da cumulatividade ou não-cumulatividade, já que, em nenhum momento impõe a não-cumulatividade(22), como adiante veremos ao analisarmos especificamente o §12, do art. 195, da Carta Magna.

A bem da verdade, a Constituição quando almeja que determinado tributo não seja cumulativo, de plano, exterioriza sua vontade, como nos caso do ICMS e do IPI, deixando o comando de ser uma alternativa para ser uma obrigação.

Portanto, o silêncio da Carta Maior soa como "alforria" para o legislador derivado e infraconstitucional implementar ou não a não-cumulatividade.

Entrementes, a utilização da não-cumulatividade, em tese, é possível ou inerente a qualquer tributo, desde que se compatibilize com o pressuposto de fato eleito para deflagrar a incidência da espécie tributaria e com sua finalidade precípua que é proporcionar uma neutralidade tributária na cadeia econômica.

No caso específico do PIS e da COFINS esta compatibilidade sofre algumas rejeições, sobretudo por estarmos diante de contribuições cujas hipóteses de incidências são a receita ou o faturamento. Ou seja, eventos que, sequer, possuem múltiplas incidências, na medida em que são devidos sempre que houver uma receita obtida em decorrência de determinadas operações ou negócios.

Nesse sentido são os escólios de Marco Aurélio Greco e Luis Eduardo Schoueri:

PIS-COFINS, porém, incidem em função da receita obtida em decorrência de determinadas operações ou negócios. Receita é realidade distinta de negócio jurídico. Os negócios podem encadear-se num ciclo; a receita é realidade exclusiva da empresa isoladamente considerada. A receita não está num "ciclo" nem se desdobra em etapas. O pressuposto de fato do PIS-COFINS é algo que se volta única e exclusivamente à pessoa que aufere a receita(23).

Posto que resultante das vendas em determinado mês, o faturamento com aquelas não se confunde. Sua incidência dá-se por período, não por operação(24).

No mesmo sentido vem se posicionando a jurisprudência pátria, conforme se observa do Recurso Extraordinário nº 144.971-DF, Acórdão de 13.05.1996, da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, RTJ 162:1079, no qual o Ministro Relator Carlos Mário Velloso asseverou:

O fato gerador do PIS não se identifica com o fato gerador do ICMS, tampouco a hipótese de incidência do PIS se constitui, conforme vimos, em operações relativas a minerais, de forma específica, mas sobre o faturamento, que é abrangente de inúmeras operações.

E é aqui que reside o ponto nodal do problema – dada as características do sistema da não-cumulatividade dos impostos sobre a circulação econômica, é possível a implantação deste sistema operacional em relação às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou receita?

Ricardo Lobo Torrres(25), antevendo as dificuldades da implementação da não-cumulatividade para as contribuições em referência, destacou de forma lapidar o problema acima levantado, em estudo específico sobre o assunto, vejamos:

A não-cumulatividade, surgida no laboratório da Ciência das Finanças e destinada a operacionalizar os impostos sobre a circulação de bens, não pode ser extrapolada para o sistema das exóticas contribuições sociais brasileiras, que incidem sobre as receitas estranhas ao movimento de vendas, sob pena de introduzir distorções técnicas e jurídicas na sua aplicação. Se a legislação recente projetou o mecanismo da não-cumulatividade do ICMS e do IPI para as contribuições especiais, é preciso que se examine o assunto com atenção, a ver até que ponto se pode estender a técnica da não-cumulatividade sem ferir os direitos fundamentais do contribuinte e sem desrespeitar os princípios constitucionais básicos da justiça fiscal.

Respondendo a indagação, bem como a preocupação do professor Ricardo Lobo Torrres, entendemos não ser possível, sobretudo porque isso significaria a transmutação de referidas contribuições de tributos diretos para tributos indiretos, já que a não-cumulatividade não é inerente às suas naturezas. E aqui fazemos a distinção entre tributos diretos (suportados pelo contribuinte de direito) e indiretos (onde o ônus tributário é repassado para o contribuinte de fato), deixando consignado que, sob a ótica econômica, todo tributo repercute como custo na formação do preço que não é uma questão jurídica, mas de mercado, portanto, fora do âmbito da interpretação jurídica, muito embora seja complexa a separação.

Nessa linha, entendemos não ser obra do acaso que apenas o ICMS e o IPI sejam obrigatoriamente não-cumulativos, nem tão pouco que o PIS e a COFINS não sejam constitucionalmente não-cumulativos, ficando a critério do legislador infraconstitucional.

Considerando esta conjuntura surge a necessidade de responder a segunda indagação – a não-cumulatividade das contribuições ao PIS e a COFINS as transformam em tributos incidentes sobre o consumo? Essa possível mudança estrutural não pode acarretar a inconstitucionalidade de referidas exações, visto que os Estados e o Distrito Federal são contemplados pela competência impositiva sobre o consumo?

Certamente, sim, pois é inegável que a partir das Leis 10.637/02, 10.833/03 e 10.865/04, o ônus econômico e jurídico das contribuições ao PIS e a COFINS passou a ser do consumidor final de bens e serviços. Ou seja, o vendedor e o prestador de serviços, passarão de contribuintes de fato a contribuintes de direito, não sofrendo mais a incidência real de referidos tributos que ficará a cargo do consumidor final (contribuinte de fato), em nítido comportamento de tributo sobre o consumo, não obstante as nuances de suas naturezas jurídicas não se enquadrem na hipótese.

Salta aos olhos mais um questionamento dentro deste contexto, agora quanto a um possível conflito de competência em relação à tributação sobre o consumo, consistente na provável inconstitucionalidade das contribuições ao PIS e a COFINS vez que os Estados e o Distrito Federal são os agraciados com a competência tributária sobre o consumo. Entretanto, esta aventada inconstitucionalidade não resiste a uma análise mais acurada das nuances que permeiam as contribuições, pois, ainda que a materialidade da hipótese de incidência seja idêntica, o Supremo Tribunal Federal, já se pronunciou no sentido de que não há vedação constitucional obstando as contribuições de possuírem os mesmos fatos jurídicos tributários de outros impostos discriminados na Carta Maior.

Adicionalmente, surge a indagação se esta nova sistemática de apuração e recolhimento do PIS e da COFINS implicaria em rompimento com o perfil constitucional de citadas exações?

É cediço que o regime jurídico das contribuições é calcado no trinômio finalidade/beneficio/ônus. Assim, qualquer análise do rompimento do perfil constitucional, deve confrontar a norma em estudo com o trinômio.

Desta feita, em relação ao PIS, a respostas a indagação está ligada ao elo existente entre o seguro desemprego e o abono anual e os contribuintes de fato (consumidores de bens e serviços). E em relação a COFINS, o ponto nodal reside no liame entre o direito à saúde, à previdência e à assistência social e o contribuintes de fato (consumidores de bens e serviços).

Iniciemos pelo PIS. Em uma averiguação imediata, entendemos ser despretensiosa qualquer argumentação no sentido de apontar um liame entre consumidor final e o seguro desemprego e o abono que se revestiriam em beneficio ou ônus deste, o que revela uma solar ruptura do regime jurídico constitucional da contribuição ao PIS.

No caso da COFINS, cremos que a identificação da relação do consumidor final com a finalidade (saúde, previdência e assistência social) seja mais visível por estarem todos os consumidores de certa forma ligados ao atendimento público da saúde e da assistência social e em menor escala da previdência, muito embora essa constatação possua provas em sentido contrário, sobretudo diante do cenário caótico atravessado por nosso país em referidas áreas. Assim, por ser mais difícil demonstrar a falta de identidade entre as finalidades da COFINS e o consumidor final, entendemos que o perfil constitucional de referida exação não sofreu uma ruptura, pelo menos, imediata.

Transpostas as questões preliminares acima identificadas, passaremos a analisar a eficácia técnica do parágrafo 12 do artigo 195 da hodierna Constituição Federal.

A Emenda Constitucional nº 42, de 16.12.03, introduziu o § 12 e 13 no artigo 195, mas a adoção do regime da não-cumulatividade, no âmbito dessas contribuições, já havia sido veiculada pela legislação infraconstitucional (Leis nº 10.637/02 e 10.833/03). Revisitemos a dicção do § 12 e § 13 do artigo 195 da Constituição Federal, inserto pela Emenda Constitucional nº 42/03, aqui transcritos para clareza de argumentações:

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.
§ 13. Aplica-se ao disposto no § 12 inclusive a hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou faturamento.

A primeira vista, poder-se-ia imaginar que a não-cumulatividade do PIS e da COFINS, com o advento do § 12, adquirira status constitucional. Entretanto, esta conclusão é precipitada, porquanto não resiste a uma análise mais detalhada da conjuntura em que se inseriu.

Note-se que com o § 12, o legislador não ordena obrigatoriamente a não-cumulatividade da contribuição a COFINS e ao PIS, mas tão somente determina que, caso o legislador ordinário venha a estabelecer a não-cumulatividade e caso não intente atingir todos os contribuintes, somente poderá utilizar como discriminem o setor de atividade econômica atingido pela tributação. Nada além!

A bem da verdade, o citado parágrafo representa um pleonasmo ao comando emanado do § 9 do mesmo art. 195, que assim dispõe:

§ 9º. As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra.

Some-se ao argumento supra, o fato de que o § 12 não abriga norma dirigida às contribuições sociais sobre as receitas, isoladamente consideradas, quando poder-se-ia imaginar que se estava comandando a não-cumulatividade das mesmas. A rigor, referido comando destina-se tão somente a prescrever que as novas contribuições sobre a importação de bens e serviços podem ou não ser cumulativas com as contribuições sobre receitas.

A um, porque se citado parágrafo se referisse, isoladamente, a cada contribuição a que faz referência, a regra teria que ser aplicável às contribuições sobre a importação de bens e serviços, cuja incidência é única e, portanto, incompatível com a cumulatividade que o comando pretende evitar.

A dois, porque o que se pretende com citado comando é evitar a oneração econômica da cadeia produtiva ou circulatória em decorrência de múltiplas incidências de contribuições, preocupação estampada, também na inteligência do § 13 do art. 195 da Carta Magna.

Nesse sentido leciona Ricardo Mariz de Oliveira(26):

Ora se o parágrafo 12 dissesse respeito à não-cumulatividade das contribuições por ele referidas, isoladamente consideradas, ele também seria aplicável isoladamente às contribuições sobre importações, as quais, contudo, são essencial e inevitavelmente monofásicas e de incidência única, da do que incidem sobre o fato isolado de cada importação, sem qualquer operação anterior em cadeia produtiva ou circulatória de uma coisa que pudesse gerar cumulativamente a ser excluída (não há uma importação da coisa anterior à importação da mesma coisa).
(…)
Logo, não seria materialmente possível aplicar o parágrafo 12 a esse tipo de contribuição, revelando-se assim que ele se dirige à previsão da não-cumulatividade entre esse tipo de contribuição e o outro tipo de contribuição por ele também referido, que é o das receitas.
A segunda razão para que não se vislumbre no parágrafo 12 uma autorização constitucional da não-cumulatividade da COFINS e da contribuição ao PIS, isoladamente consideradas, mas, sim, a permissão para que estas sejam não cumulativas com a contribuição sobre importação de bens e serviços, consiste me que se trata de diferentes espécies tributárias.
(…)
Pouco importa aqui os termos utilizados para categorização dos tributos, pois o essencial é constatar que, devido às suas distintas hipóteses de incidência, as contribuições da seguridade social sobre receitas (inclusive faturamento) não se confundem – são espécies tributárias distintas – com as contribuições da seguridade social sobre importação de bens e serviços, assim como cada uma se distingue da contribuição sobre o lucro, ou da contribuição sobre remunerações do trabalho, ou da contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos, embora todas elas sejam destinadas à seguridade social.(…)
Em função disto, nem há como juridicamente falar em cumulatividade ou não-cumulatividade entre quaisquer dessas espécies tributárias, por serem distintas entre si, da mesma maneira que não se fala em cumulatividade da COFINS com a contribuição ao PIS, apesar de serem duas contribuições pertencentes à mesma espécie. Igualmente, não se fala em cumulatividade entre o IPI e o ICMS quando incidam sobre uma mesma manifestação de capacidade contributiva (uma só operação, ainda que considerada em aspectos circunstanciais distintos).
(…)
Nesta ordem de idéias, constata-se que o texto do parágrafo 12 contém uma impropriedade ao aludir à não-cumulatividade entre distintas categorias tributárias, pois juridicamente ela jamais existiria, assim como não se pode falar em incidência em cascata entre elas.
(…)
O que pode ocorrer nesses casos é a múltipla oneração econômica da cadeia produtiva e circulatória de uma determinada coisa, em decorrência da incidência de mais de um tributo, seja num mesmo momento, seja em momentos distintos dessa cadeia.
O objetivo do parágrafo 12 do art. 195 foi aliviar ônus deste jaez, derivado das múltiplas incidências de contribuições destinadas à seguridade social, o que mais apropriadamente seria exprimido se o texto tivesse utilizado termos mais corretos, tais como "compensação" ou, melhor ainda, "dedução".

De tudo quanto exposto, concluímos que a Constituição não impôs a não-cumulatividade, até porque esta não guarda correlação com o traço característico das contribuições sociais em estudo, que independem da adoção ou não da não-cumulatividade, o que não ocorre com o ICMS e o IPI, que a Constituição Federal determina expressamente.

Assim, as Leis nº 10.637/02 e <a href="http://www.fiscosoft.com.br/main_online