Cheque pré-datado
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Prescrição conta a partir da data para apresentação
por Aline Pinheiro
O cheque pré-datado é um acordo firmado entre as partes e, nele, prevalece o princípio da boa-fé. Cabe ao credor respeitar a data acertada. Em contrapartida, o prazo prescricional do cheque começa a contar a partir da data combinada, e não da emissão. O entendimento foi reafirmado pela 12ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O prazo de prescrição está previsto na Lei 7.357, de 1985. Pela norma, o credor pode ajuizar Ação de Execução até seis meses depois da expiração do prazo de apresentação (que pode ser de 30 a 60 dias da emissão do cheque). Passados estes seis meses, a cobrança não pode mais ser feita via execução.
No entanto, o Tribunal de Justiça paulista entendeu que a regra para os cheques pré-datados deve ser alterada. O prazo começa a contar a partir da data combinada pelas partes para a apresentação do cheque, e não a partir da emissão.
Em seu voto, o relator, desembargador Campos Mello, considerou que o credor não poderia alegar prescrição. “Ao ter sido ajustada a apresentação para datas não condizentes com as constantes das datas de emissão, a devedora renunciou ao benefício de invocar em seu favor a prescrição baseada no término da data de apresentação.”
Para o desembargador, a devedora agiu de maneira contrária ao combinado com o credor e, portanto, infringiu o princípio da boa-fé. “A boa doutrina consagra o entendimento de que o exercício de um direito excedente dos limites da boa-fé é efetivamente abusivo”, escreveu Campos Mello.
O desembargador lembrou também que o mesmo princípio teve de ser observado pela parte credora: se apresentasse o cheque antes do combinado, estaria sujeita a pagar indenização. Esse entendimento tem sido comum nos Tribunais de Justiça e no Superior Tribunal de Justiça.
O desembargador reforçou sua tese afirmando que o STJ também já decidiu da mesma maneira, estabelecendo que a emissão de cheque com data futura acarreta na ampliação do prazo de prescrição. Na ação, a credora foi representada pelo advogado Antônio Carlos de Oliveira Freitas, do Luchesi Advogados.
Leia a íntegra do acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes atos de Embargos Infringentes nº 0882608-4/01, da Comarca de Votuporanga, em que é Embargante João Darc do Carmo e S/M, sendo Embargado Bayer Cropscience Ltda (atual Denominação de Hoechst Schering Agrevo do Brasil Ltda.):
ACORDAM, EM 12ª Câmara (Extinto 1 TAC) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitaram os embargos, v.u.”, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que integram este acórdão.
Presidiu o julgamento, com voto revisor, o Desembargador Matheus Fontes e dele participaram os Desembargador Andrade Marques, Araldo Telles e Regina Dalla Dea Barone.
São Paulo, 29 de novembro de 2005.
Campos Mello
Desembargador Relator.
CHEQUE PRÉ-DATADO. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. O PRAZO DO ART. 59 DA LEI 7.357/85 EM CASO PRÉ-DATADO, SÓ PASSA A FLUIR DEPOIS DO DECURSO DE TRINTA DIAS, CONTANDO NÃO DA DATA DA EMISSÃO, MAS DA AVANÇADA PARA A APRESENTAÇÃO, PRECENDENTES, EMBARGOS INFRINGENTES REJEITADOS.
São embargos infringentes articulados contra o v. Acórdão a fls. 117/118, o qual, por maioria formada pelos eminentes Juízes Andrade Marques e Aroldo Telles, deu provimento à apelação da embargada, para reformar decreto de extinção de execução de cheques garantidos pelos embargantes, afastando prescrição que havia sido reconhecida em 1º grau.
Baseados na manifestação divergente da eminente Juíza Márcia Barone, sustentam os embargante que deve ser observado o disposto do art. 59 da Lei 7.357/85, que determina que o termo inicial do prazo prescricional é a data do fim do prazo de apresentação. Pedem a reforma, para que seja restaurada a extinção da execução.
Apresentada impugnação, foi admitido o processamento.
É o relatório.
Data venia do r. entendimento minoritário, os presentes embargos não comportam acolhimento.
Os cheques foram objeto de estipulação convencional, a respeito dos prazos de apresentação, a qual foi respeitada pela embargada. Os embargantes não poderiam nem mesmo ter alegado a prescrição. Em primeiro lugar, por se cuidar de direitos patrimoniais disponíveis. Em segundo, porque, ao ter sido ajustada a apresentação para datas não condizentes com as constantes das datas de emissão e ao terem sido inseridas nos títulos datas ulteriores como representativas da exigibilidade das obrigações (cf. fls. 32, 34, 36 e 38 da execução), a devedora renunciou ao beneficio de invocar em seu favo a prescrição baseada no término da data de apresentação. É a inferência possível nas circunstancias. Tanto foi isso o que aconteceu que a devedora amortizou em parte o débito representado pelo primeiro dos cheques exatamente na véspera do prazo combinado com a credora (cf. fls. 42 da execução).
Os embargantes, garantes solidários, estavam plenamente cientes das circunstâncias da negociação que envolvia na ocasião a embargante e a principal devedora, mesmo porque o varão era o representante legal da empresa (dc. fls. 40). Em tais circunstâncias, assumindo, como assumiram, a responsabilidade solidária, sujeitam-se à conformação do acordo de vontades celebrado na época das emissões dos cheques.
É por causa disso que nem pode alegar prescrição, pois que tal alegação constitui a materialização de procedimento contraditório, que não pode ser agasalhada pelo ordenamento. Com efeito, nas relações contratuais, de cunho obrigacional, sobrepaira, como nas demais, o principio geral da boa-fé infringe a boa-fé aquele contratante que, com o exercício de seu alegado direito, põe-se em desacordo com sua própria conduta anterior, na qual confia a parte contrária. (cf. Karl Larenz – “Decreto Civil, Parte General”, Edersa, 1.978, p. 300/301). Aqui, incide, contrario sensu a regra prevista no art. 160, I, do antigo Código Civil, vigente na época, que preceitua que só não é ilícito o exercício regular de um direito, o que permite concluir que será ilícita seu exercício abusivo. E o exercício infringente da boa-fé é abusivo, não merecendo ser tutelado. A boa doutrina consagra o entendimento de que o exercício de um direito excedente dos limites da boa-fé é efetivamente abusivo (cf. Delia Matilde Ferreira Rubio. “la Buena Fe El Principio General en el Derecho Civil”, Editora Montecorvo, 1914).
Não é por motivo, aliás, que são considerados inadmissíveis os comportamentos contraditórios, preconizando-se que não sejam tuteladas situações em que um dos partícipes exerce posição jurídica em contradição com o comportamento anteriormente assumido pelo exercente. A expressão venire contra factum proprium abarca com propriedade tais comportamentos contraditórios, considerados impróprios, justamente por infringirem a confiança da outra parte, violando preceitos ético-jurídicos (cf. Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. “Da Boa Fé no Direito Civil”, Ed. Almedina, 1984, pp. 742, 758 e 769 e Franz Wieacker, “El Princípio General de la Buena Fé”, Ed. Civitas, 1982, p. 61) Anote-se, por oportuno, que atualmente não há mais nenhuma dúvida de que a boa-fé constitui mesmo critério de hermenêutica, a exigir que a interpretação de cláusulas contratuais seja feita sempre de modo a que prevaleça o sentido que esteja em conformidade com a lealdade e honestidade entre as partes. Mais ainda, o princípio que prestigia a boa-fé objetiva serve para impedir o exercício de direitos em contrariedade à lealdade e confiança que devem impedir nas relações privadas (cf., a propósito, Anderson Schreiber, “A Proibição de Comportamento Contraditório – Tutela da Confiança e ventre contra factum proprium”. Ed. Renovar, 2005, p. 83).
Desse modo, o entendimento externado na r. decisão embargada é o mais consentâneo com as circunstancias que cercaram a constituição da obrigação exeqüenda e o deferimento do termo inicial de exigibilidade das respectivas parcelas. Admitir a ocorrência da prescrição premiará o comportamento contraditório dos embargantes e constituirá violação ao princípio que consagra a vedação ao venire contra factum proprium, além de maltratar o princípio hermenêutico que manda interpretar as relações contratuais sempre com atenção à boa-fé objetiva.
Ressalte-se ainda que a embargada nem poderia tentar apresentar os cheques das datas combinadas, pois que isso a deixaria sujeita ao dever de indenizar a devedora, como tem sido reiterada e sistematicamente proclamado pela jurisprudência, justamente por configurar violação ao princípio da boa-fé objetiva e abuso de direito.
Daí resulta a conclusão de que o termo inicial da fluência do lapso prescricional de cada um dos cheques foi bem estabelecido pela decisão embargada. No Superior Tribunal de Justiça já se proclamou que a circunstância de ter sido aposta no cheque data futura acarreta como conseqüência a ampliação real do prazo de apresentação (Rec. Esp. 16.855/SP, 4ª T., Red. Min. Sálvio de Figueiredo. in RF 324/178). Mais ainda; já se proclamou que a prescrição do art. 59 da Lei 7.357/85 pressupõe que a apresentação haja ocorrido no prazo legal, pois que do contrário ela passa a correr da primeira apresentação (Re. Esp. 45.512/MG, Rel. Min. Costa Leite, DJU 9.5.94, Rec. Esp. 435.558/MG, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 10.11.03). Isso significa que a emissão de cheque com data futura de apresentação amplia o prazo de apresentação (STJ – Rec. Esp. 223.486/MG, 3ª T., Rel. Min. Menezes Direito. DJU 27.3.2000). A conseqüência é a modificação do termo inicial do prazo prescricional, como bem assinalado em preciso precedente daquela Corte: “Ora, a toda evidência, se exige que o portador do cheque pré-datado aguarde no mínimo, o prazo consignado no cheque como de apresentação, é curial que o prazo prescricional só terá sua contagem iniciada após findo o lapso de trinta dias, não da data da emissão , mas daquela avançada para a apresentação” (Rec. Esp. 620.219/GO, Rel Min. Castro Filho, DJU 27.6.05). É o caso dos autos.
Pelo exposto, rejeito os embargos, data venia.
Campos Mello
Desembargador Relator
Revista Consultor Jurídico