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Crise afeta o investimento, mas preserva a produção

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Com o agravamento da crise financeira nas últimas semanas, várias empresas têm adiado projetos de investimento 
 
 

Com o agravamento da crise financeira nas últimas semanas, várias empresas têm adiado projetos de investimento e planejado (ou já concedido) férias coletivas para seus empregados, num ambiente de forte contração do crédito e elevada instabilidade no câmbio. No entanto, outros problemas, como dificuldades para pagar fornecedores, aparecem apenas em relatos isolados. Várias companhias dizem que ainda não enfrentaram diminuição nas vendas ou nas encomendas, mostrando que a turbulência atingiu menos a economia real.
 
 
 

 

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, diz que, dada a piora da crise em outubro, algumas empresas do setor têm adiado planos de investimento e desistido de novas contratações. "Num momento como esse, é natural que a primeira medida seja postergar investimentos relacionados à expansão da capacidade instalada", afirma ele, destacando que hoje não há segurança sobre como vai se comportar o consumo daqui para frente.
 
 
Barbato diz que as empresas filiadas à Abinee enfrentam dois grandes problemas no momento. O primeiro decorre da extrema instabilidade do câmbio, que em agosto estava abaixo de R$ 1,60 e ontem mesmo chegou a ser cotado a mais de R$ 2,50. "Há uma dificuldade muito grande para a definição de preços, principalmente de produtos eletrônicos", afirma ele, referindo-se ao segmento que tem um percentual elevado de componentes importados. Nesse cenário, os negócios passam a ocorrer num ritmo bem mais lento.
 
 
O outro obstáculo é a escassez e o encarecimento do crédito. "Há um problema sério com linhas para exportação e capital de giro." Segundo Barbato, há companhias pequenas e médias que sofrem com a falta de linhas, enquanto as grandes têm de se conformar com taxas mais elevadas. A Abinee projeta uma alta de 11% do faturamento acima da inflação neste ano, percentual que pode ser revisado para baixo.
 
 
A Indústria São Roberto, que atua no segmento de embalagens, decidiu adiar uma "ampliação marginal" da preparação de massa em sua fábrica de papel, em Minas Gerais. A idéia de iniciar o projeto em janeiro foi arquivada, diz o presidente, Roberto Nicolau Jeha. A decisão foi tomada por causa do elevada incerteza sobre as perspectivas da economia, afirma Jeha. "Não devo fazer nada até o primeiro semestre do ano que vem", conta ele, que também deve conceder férias coletivas em dezembro – em 2007, a São Roberto não parou no fim do ano.
 
 
Apesar da cautela, Jeha diz que a crise ainda não atingiu os negócios. "Setembro foi um mês bom e outubro também está indo bem", afirma ele, que acredita num crescimento de 2% a 3% para o setor neste ano – o percentual, baixo se comparado à expansão projetada de mais de 5% para a economia em 2008, já era esperado antes do agravamento da crise. Ele reclama da piora nas condições de crédito, que ficou seletivo, escasso e caro.
 
 
A CSN é uma empresa que não tem do que reclamar. Uma fonte da companhia disse ao Valor que a siderúrgica deve bater seu recorde de produção em todos os tempos neste mês, com mais de 470 mil toneladas de aço. "Até agora, não tivemos um único cancelamento de encomenda de clientes", disse a fonte. A empresa vende 93% de sua produção no mercado interno.
 
 
A BSH Continental também não sentiu diretamente os efeitos da redução na oferta de crédito, de acordo com o presidente do grupo para o Mercosul, Edson Chiari Grottoli. Segundo ele, a empresa continua utilizando linhas de crédito oferecidas pelos bancos, e também busca suporte da matriz para acessar linhas de financiamento, quando há dificuldades para obter os recursos. Grottoli também afirma que não houve paradas na produção e ainda não vê possibilidade de queda no ritmo de produção. "Há uma certa desaceleração no ritmo de crescimento, mas não enxergamos ainda uma queda no volume de encomendas para o fim do ano."
 
 
A Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) informou que os planos de investimentos da maior parte das indústrias do Estado passarão por revisão. De 88 indústrias que fizeram parte de uma pesquisa sobre os reflexos da crise, feita de 8 a 21 de outubro, 57% disseram que os investimentos serão reavaliados, 6% decidiram pelo adiamento e 1% já optou por cancelá-los. Apenas 21% disseram que manterão integralmente os investimentos previstos para 2009.
 
 
Segundo Alcântaro Corrêa, presidente da Fiesc, empresas exportadoras são as mais afetadas até agora pela conjuntura, como os setores de alimentos, têxtil e metal-mecânico. Algumas dessas empresas, ele explica, começaram a comprar insumos fora do país, como fios sintéticos da Ásia, fizeram seleção de fornecedores no exterior, e agora ficam em uma "situação difícil" diante da alta do dólar. "Já existe redução de encomendas na indústria e o comércio já sentiu o recuo das vendas. Isso tudo retém o fluxo do dinheiro na economia."
 
 
De acordo com a pesquisa, 54% das indústrias já sentem algum tipo de prejuízo por conta da crise, como restrição do consumo ou cancelamento de pedidos, alta das matérias-primas, atrasos de pagamentos ou inviabilidade de negócios com a alta do dólar. No total, 43% das empresas já acreditam que o crescimento projetado para 2008 não será atingido, ainda que a maioria, 60%, espere boas vendas para o fim do ano. Segundo ele, por enquanto há receita ainda nas empresas para pagar fornecedores e salários, mas ele diz temer os efeitos da crise sobre o 13 salário e o nível de emprego em 2009. Corrêa relata uma forte preocupação com o crédito. "Hoje, para descontar um cheque de R$ 5 mil em um banco, por exemplo, pode levar 48 horas. Antes era na hora".
 
 
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, traça um quadro menos preocupante. Segundo ele, números preliminares mostram que, em setembro, o faturamento do setor aumentou 27% em relação ao mesmo período de 2007. Ele também acredita o resultado de outubro será bom, a despeito a piora da turbulência nas últimas semanas, devido ao volume elevado de pedidos em carteira. Para 2008, Aubert considera possível uma expansão de 25% a 27%. Segundo ele, projetos de inversões que estavam em andamento não foram interrompidos. Há adiamento daqueles que ainda não haviam saído do papel, o que Aubert avalia ser natural num momento de incerteza. "Acho que há uma amplificação demasiada dos problemas", diz ele, que também reclama do aumento do custo do crédito.
 
 
Na Zona Franca de Manaus, as indústrias já sentem os efeitos do agravamento da crise, observa o presidente do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam), Maurício Loureiro. "Já percebemos que houve uma desaceleração dos negócios. Tanto assim que há segmentos que passaram a dar férias coletivas ou mesmo licença remunerada."
 
 
Entre as empresas que deram férias coletivas aos trabalhadores estão a Honda e a Panasonic. Alguns setores estão "assustados" com a formação de estoques e preferem esperar até ter certeza do impacto da crise externa sobre a economia doméstica, segundo Loureiro. Ele não cita números, mas confirma que o varejo está mais cauteloso em relação às encomendas de fim de ano. Com isso, as indústrias estão reduzindo investimentos em aquisições de máquinas, formação de estoques e contratação de mão-de-obra extra para o aumento de produção típico do fim de ano.
 
 
A escassez de crédito também preocupa, embora, segundo ele, as empresas estejam capitalizadas, em função dos ganhos nos últimos anos. Ainda conforme Loureiro, não há sinais de que alguma companhia tenha tido redução no capital de giro a ponto de impedir que honre seus compromissos.