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Crise afetará neoliberalismo, dizem analistas

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Intervenção dos EUA na economia mostra que ação do Estado é importante para o funcionamento do sistema

Giuliana Vallone, do estadao.com.br

SÃO PAULO – A conseqüência da intervenção do governo norte-americano na economia do país para os fundamentos do neoliberalismo econômico, segundo os quais o mercado financeiro deve se auto-regular e a intervenção do Estado na economia é mínima, divide a opinião de economistas e políticos do País. Enquanto alguns, como o senador Aloizio Mercadante (PT), defendem que a teoria de auto-regulação naufragou com a atual crise financeira, outros, como o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES, afirmam que os problemas no mercado de crédito mostram apenas que o liberalismo econômico tem limites, e que a participação dos governos ainda é um instrumento importante no funcionamento do sistema mundial. O ponto comum na avaliação deles, porém, é que as teorias adotadas hoje não passarão ilesas pela crise.

"O que precisamos é um entendimento correto sobre os limites do liberalismo", afirmou Mendonça de Barros. Para ele, o que está derrotada é uma visão errada do equilíbrio entre a ação de governos e a liberdade dos mercados. "A frase cunhada pelo ex-presidente Reagan – o governo é o problema e não a solução – é que precisa ser enterrada definitivamente", explicou.

 

Segundo Barros, a teoria econômica não precisa ser mudada, já que a crise "foi motivada integralmente por um delírio especulativo com produtos financeiros". O que seria necessário é buscar um equilíbrio entre restrições legais e auto-regulação, especialmente nos mercados organizados como bolsa de valores e de derivativos financeiros. Ele ressalta, porém, que as regras estabelecidas precisam evoluir com os novos produtos financeiros, para evitar o surgimento de espaços não regulados.

 

O senador Aloizio Mercadante, por outro lado, acredita que as mudanças são mais profundas que isso. Para ele, "a visão que o Consenso de Washington (conjunto de medidas que previa uma maior liberalização da economia da América Latina, formulado em 1989 por economistas de instituições como FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouro dos EUA) apresentou como pensamento único naufragou nessa crise". "Isso mostra que o pensamento de (John Maynard) Keynes, o papel do Estado como regulador da atividade seguramente terá que retornar", concluiu.

 

As teorias de Keynes, formuladas em meio à Grande Depressão de 1929, previam o equilíbrio entre o livre comércio e um generoso sistema de proteção do mercado financeiro. Para Mercadante, não haverá estabilidade financeira sem novos mecanismos de controle e regulação do sistema financeiro. Além disso, ele afirma que essa intervenção será exigida pelo povo norte-americano. "Os contribuintes americanos jamais vão aceitar essa socialização das perdas (das instituições financeiras) sem a segurança de que situações como essa não se repetirão com essa gravidade", explicou.

 

"E as crises sempre ajudam na formulação de teorias econômicas, tanto no sentido da prevenção em relação a crises futuras, quanto de alternativas para superar os impasses que elas patrocinam. Então nós teremos um avanço da teoria", continuou.

 

Debate

 

Para o ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Luiz Gonzaga Belluzzo, os problemas no crédito demonstram que mercados mal regulados podem apresentar o tipo de comportamento que culmina numa crise financeira. "Certamente essa intervenção (do governo dos EUA) se fez contrariando muitas previsões e opiniões a respeito da forma como os mercados funcionariam, se ajustariam", disse.

 

Ele afirmou que a turbulência vista nas últimas semanas colocam, "sem dúvida nenhuma", o ideário que provocou essa transformação nos mercados – que sofrem, hoje, uma intervenção mínima dos órgãos reguladores – em questão. "Mas o desfecho disso vai ser determinado por um debate. E a minha expectativa é que esse debate seja muito intenso nos próximos meses, já que vai haver uma pressão muito grande para que a regulamentação seja mais restrita", acrescentou.

 

Belluzzo explicou que a economia atual foi moldada dessa forma por uma "coalizão de interesses", que teria juntado diversas frações empresas. Esse conjunto de forças foi impulsionado, segundo ele, pelo poder político dos Estados Unidos. "A política americana teve uma importância muito grande ao impor, por exemplo, a liberalização financeira, a liberalização das contas de capital de maneira generalizada nos anos 90, e propor uma articulação produtiva, comercial e financeira que parecia funcionar muito bem", disse.

 

Para ele, o crescimento contínuo da economia norte-americana ajudou a firmar a impressão de que tudo ia bem e que, então, ao invés de cuidar dos riscos a que a economia estava exposta, era possível aumentar a desregulamentação do mercado. "A evolução disso foi que levou à crise", disse.

 

Mas, da mesma forma que o modelo atual foi implementado pela força política, afirmou Belluzzo, só ela pode mudar a maneira como funciona o sistema financeiro hoje. "É preciso saber qual é a presença política que se opõe a essa maneira de funcionamento do sistema e a força que ele terá para promover essa transformação. Porque isso não vai ser uma coisa automática. Se você não tiver um arranjo de forças sociais que seja capaz de se opor à continuidade, provavelmente, depois de um curto período, tudo vai voltar a ser como era antes", alertou.

 

Pacote

 

Na hora de opinar sobre o pacote de resgate às instituições financeiras desenvolvido pelo governo norte-americano – que prevê recursos de US$ 700 bilhões para comprar ativos podres relacionados ao mercado de hipotecas -, eles são unânimes: o plano ajuda, mas não resolve a crise.

 

"A utilização de recursos públicos como a bala de prata que vai terminar com a crise. Será um passo importante para a redução da quase histeria que tomou conta de investidores e banqueiros e, com isto, abrir espaço para que o sistema financeiro possa voltar a cumprir sua função dentro de uma economia de mercado", disse Mendonça de Barros.

 

"Seguramente, os Bancos Centrais, o governo dos Estados Unidos, da União Européia, do Japão, terão que continuar monitorando, provendo liquidez e acompanhando a evolução dessa crise", completou Mercadante.

 

Para Belluzzo, o plano vai "simplesmente botar um piso para esse derretimento de preços". "Mas a questão central hoje é a contração do crédito", afirmou. "A questão hoje é como é que se desobstrui o crédito, como se recompõe o sistema de forma que as empresas e os consumidores possam ter acesso ao crédito e tenham disposição para gastar. O grave agora é essa paralisia, esse estancamento do crédito nas economias centrais."