A terceirização e o artigo 129 da MP do Bem
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Contagiante o debate provocado pelo artigo 129 da MP do Bem – agora Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Diz ele que “para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 50 da Lei nº 10.406/2002 – Código Civil”.
Sabe-se que o legislador brasileiro não é dos mais competentes quando se trata clareza e oportunidade. O problema é que dessa vez parece ter superado os limites. Descontada a intenção, que, convenhamos, até foi boa, o artigo parece ter sido extraído de uma peça de ficção, daquelas que todos saboreiam cientes de que apreciam algo que existe apenas no plano da fantasia.
Qualquer pessoa minimamente atenta ao que acontece no mundo do trabalho compreende que a terceirização é um fenômeno inevitável e que precisa urgentemente de regulamentação. A sociedade deve estar atenta ao que diz quem critica e defende a terceirização. Ambos dão sua parcela de contribuição para o debate, com argumentos legítimos e honestos. Na verdade, toda tentativa de disciplinar ou dar mais segurança à contratação de serviços terceirizados merece aplauso. Até as infelizes, como a que trouxe o artigo 129.
Não é de hoje que o tema espera um tratamento legislativo condizente e à altura de sua importância. Convenhamos. As “empresas unipessoais”, como passaram a ser rotuladas aquelas para as quais o artigo 129 foi dirigido, já respondem por uma fatia significativa do mercado. É ingenuidade ignorar isso. Foi-se o momento de analisar se elas poderiam substituir os empregados, antes contratados de acordo com a legislação trabalhista. O espaço foi ocupado e isso é um fato. Aliás, a ocupação avança em uma velocidade muito maior do que a da sociedade de compreender o fenômeno. Atribuir ao mercado ou às forças neoliberais as causas disso não passa de retórica pobre, sem conteúdo, de quem pouco ou nada tem para contribuir positivamente em busca de uma solução para o problema. É necessário enfrentar a questão com equilíbrio e serenidade.
O artigo 129 da nova lei tenta pavimentar o caminho para as empresas unipessoais. Acena para elas com o que se convencionou denominar mercado formal, uma tentativa simpática de conferir mais segurança jurídica para os que as contratam. Sua redação não foi um primor, é verdade. Mas não há dúvida de que o texto chamou a atenção dos especialistas, outra vez convidados a visitar o assunto.
Não é de hoje que o tema espera um tratamento legislativo condizente e à altura de sua importância
A verdade é que um ponto decisivo foi deixado de lado. O legislador optou por ignorar a enorme força gravitacional que o direito do trabalho exerce sobre esses prestadores de serviços. E, pior, parece que o fez de propósito. O artigo garante às empresas unipessoais tratamento fiscal e previdenciário condizente com o confiado às pessoas jurídicas, como se fosse necessário afirmar o óbvio. Vá lá. Mas o problema aparece mesmo quando o texto insinua avançar sobre o campo minado da relação de emprego. O artigo revela a indisfarçável dificuldade do legislador ao percorrer esse espinhoso caminho. O desconforto fica evidente – de um lado com a preocupação de não ofender preceitos trabalhistas e de outro afastando-os, não permitindo que a empresa unipessoal seja confundida com algo que não seja uma pessoa jurídica. Ora, muita redundância. Na verdade, uma grande cilada.
De nada adianta uma proposta desse tipo enquanto não for editada uma legislação ampla dirigida à prestação de serviços como os oferecidos pelas empresas unipessoais e por tantas outras que toque em pontos realmente fundamentais, como o alcance e a aplicação do que se denomina chamar de fraude trabalhista. E mais: legislar sobre o assunto não quer dizer diminuir direitos ou conquistas trabalhistas, como falsamente se alardeia.
A legislação precisa assegurar aos genuínos empreendedores o direito de abraçar sua vocação e desenvolver uma atividade profissional – intelectual ou não – com soberania, liberdade e independência, certos de que o mercado não vai encará-los como ameaças jurídicas. Ao mesmo tempo, a lei precisa conferir segurança às empresas que os contrata. Ficar à mercê da interpretação que os tribunais trabalhistas darão às reclamações dos integrantes das empresas unipessoais é que não dá. O risco é muito elevado, não compensa assumi-lo.
Vamos aproveitar essa oportunidade e injetar ânimo nas discussões sobre a reforma trabalhista, que segue patinando, insossa. É lá o foro apropriado para discutir o assunto, onde deve ser desfeita esta cilada e traçada a fronteira – necessária e urgente – que vai definitivamente separar a contratação de serviços da contratação de empregados.
Alexandre Cesar Faria é advogado e consultor trabalhista e sócio do escritório China Faria Advogados