Nova secretária da Receita quer maior número de alíquotas no IR
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Para substituta de Jorge Rachid, duas alíquotas apenas sobrecarregam muito aqueles que ganham menos
PRIMEIRA MULHER a assumir a Receita Federal, Lina Maria Vieira, 57, diz que será uma "leoa com os sonegadores, com os maus contribuintes". Em sua primeira entrevista no cargo, na manhã do último sábado, ela disse à Folha que considera necessário ampliar o número de alíquotas do Imposto de Renda das pessoas físicas, atualmente de 15% e 27,5%. "Acho, sim, necessário aumentarmos a progressividade na tributação do Imposto de Renda das pessoas físicas."
ANDREZA MATAIS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A nova secretária da Receita não deu detalhes do modelo que considera mais adequado para o IR das pessoas físicas. A elevação do número de alíquotas é defendida pelo PT, mas sempre encontrou resistência na cúpula da Receita durante a gestão de Jorge Rachid, demitido do cargo na quinta-feira. Entre as medidas que defende para ajudar na fiscalização, está a volta da CPMF, chamada agora de CSS (Contribuição Social da Saúde). "Para efeito de controle e cruzamento de informações, mesmo que seja uma alíquota de 0,0001%, para a Receita é importante, mas como instrumento de controle." Ela adiantou que recebeu como missão da Fazenda preparar um "pacote de simplificação" fiscal e avisou que pretende acompanhar de perto as discussões no Congresso Nacional sobre a reforma tributária enviado pelo governo Lula. A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA – Como é ser a primeira mulher a assumir a Receita? A sra. se sente uma "leoa"?
LINA MARIA VIEIRA – Venho trabalhando na administração tributária ao longos dos últimos 30 anos. No início da carreira eu era muito técnica. Depois, assumindo cargos, fui adquirindo tarimba na área de gestão, melhorando o relacionamento com entidades empresariais, com os demais órgãos do Ministério da Fazenda, com as secretarias de Fazenda dos Estados. Agora, essa coisa da "leoa" é uma marca da época do grande [Francisco] Dornelles [atual senador pelo PP-RJ]. Nesse caso, sou uma "leoa" sim, mas com os sonegadores, com os maus contribuintes. Serei implacável na defesa da sociedade.
FOLHA – A sra. vai tentar fazer com que os brasileiros entendam por que eles pagam tributos?
VIEIRA – Levantei a bandeira da educação fiscal na 4ª Região [Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte], que é um trabalho demorado, mas precisamos iniciá-lo. Criamos a frase: "Receita Federal do Brasil: um leão em defesa da sociedade", para melhorar a imagem da Receita com a sociedade, para que ela entenda nossa função, mostrando que todo trabalho de combate à sonegação, ao contrabando, ao descaminho e à pirataria é uma proteção à indústria e ao comércio nacionais. É preciso também fazer um trabalho profundo para que as pessoas comecem a entender que elas pagam tributo, ele não cai do céu, é pago por todo cidadão e temos de ter o conhecimento e a capacidade de cobrar dos gestores públicos a boa aplicação dos recursos. De nada adiante bater recordes de receita se você não trabalha a qualidade do gasto.
FOLHA – A sra. acha que há espaço para novas desonerações?
VIEIRA – Um dos pontos que nós trazemos para esta gestão na Receita é exatamente trabalharmos a simplificação, a desburocratização e a desoneração. Vamos fazer um pacote de simplificação, apresentar isso ao ministro [Mantega] para que consigamos melhorar a relação do fisco com a sociedade. É desejo do presidente Lula e uma das determinações que recebi do ministro.
FOLHA – A sra. pode adiantar as medidas desse pacote?
VIEIRA – A primeira já foi lançada: é o fim da declaração para os isentos. Há algum tempo a Receita vinha trabalhando com a visão de que isso trazia demanda desnecessária no atendimento. O próximo passo é melhorar a qualidade nos centros de atendimento. Nossa missão é prestar um atendimento de excelência ao cidadão. Há outros projetos, como o Simples Nacional, em tramitação, com a inclusão de novas atividades.
FOLHA – A sra. vai discutir o Supersimples com o Congresso?
VIEIRA – Vamos lá já nesta semana levar algumas sugestões que foram discutidas com os secretários estaduais e a Receita. Num primeiro momento, defendo a criação de um modelo feito no Rio Grande do Norte, chamado "Contribuinte Cidadão", para dar dignidade às pessoas que estão no comércio, mas na informalidade, como sacoleiros, pequenos feirantes e barraqueiros. No Estado, eles têm isenção do pagamento de ICMS até R$ 36 mil [de faturamento], mesma medida discutida no Congresso com a criação do MEI (microempresário individual). Existem outros pontos que foram levantados, como a inclusão de outras atividades [no Simples Nacional].
FOLHA – Mas a sra. foi contra o Supersimples?
VIEIRA – Fui contra alguns dispositivos. Acredito que o Brasil não pode ser "vestido" com tamanho único. Nossas diferenças regionais e econômicas são gritantes. Conseguimos com muito êxito -quando eu era coordenadora do Confaz- incluir três limites: para os Estados que tinham até 1% do PIB, até 5% e acima de 5%, em vez do limite único de R$ 2,4 milhões. Não passava pela cabeça de ninguém ter um limite único para São Paulo e para o Piauí, por exemplo. Isso era inaceitável. Eu era contra alguns dispositivos, eram coisas lógicas.
FOLHA – O que a sra. acha de o Imposto de Renda das pessoas físicas ter apenas duas alíquotas? É possível aumentar esse número?
VIEIRA – Precisamos aumentar [o número de alíquotas]. Se estamos aí para fazer justiça fiscal, essa é uma justiça que tem de ser feita. Temos de estudar. É coisa de sentar com a equipe da Receita. Talvez eles tenham algum estudo, mas acho, sim, necessário aumentarmos a progressividade na tributação do IR das pessoas físicas.
FOLHA – Para aumentar a progressividade o que a sra. considera mais adequado: criar alíquotas intermediárias ou superiores a 27,5%?
VIEIRA – Em relação a essas alíquotas, nos demais países elas são bem maiores, há um alargamento dessas alíquotas. Precisamos enxergar que [no Brasil] apenas duas alíquotas sobrecarregaram muito aqueles que têm renda menor. Vou ter de me respaldar nesses estudos, nas experiências internacionais, para firmar uma convicção do que é melhor. Certamente vamos ter de fazer a ampliação dessas alíquotas, em termos de números. É necessário, é um clamor da sociedade.
FOLHA – O governo avalia isso?
VIEIRA – Minha posição vai ter de se coadunar com as intenções do governo, não posso fazer isso sozinha. A Receita dá o estudo técnico. Pessoalmente, acho que é necessário ampliar [o número de alíquotas].
FOLHA – A criação do imposto sobre grandes fortunas também pode ajudar na progressividade?
VIEIRA – Há muito tempo já existem dispositivos nesse sentido que nunca foram regulamentados. Há necessidade de aprofundamento desses estudos para vermos o que é melhor. Já existe a tributação estadual [através do Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doações]. É algo que, se tiver de ser implementado, vai haver uma discussão muito ampla sobre isso. Neste momento, é melhor eu não opinar porque estamos vivendo um momento de muita especulação.
FOLHA – Alguns Estados adotaram programas de devolução de parte do ICMS para estimular as pessoas a pedir nota fiscal. É possível adotar esse mecanismo na esfera federal?
VIEIRA – No plano federal acho mais complicado. O que queremos é essa parceria com os Estados e, nesse sentido, temos como apoiá-los nesse processo que eles já vêm desenvolvendo no combate à sonegação.
FOLHA – Qual a opinião da sra. sobre a carga tributária brasileira próxima de 37% do PIB?
VIEIRA – A carga tributária vem crescendo, mas também é preciso deixar claro que a eficiência da Receita, o crescimento da economia, o ganho das pessoas, tudo isso reflete em melhoria da arrecadação. O trabalho do "leão" da Receita é proteger a nossa indústria. Quando trabalhamos [contra] a sonegação e a concorrência desleal, estamos dando condições ao comércio nacional de crescer.
FOLHA – Tendo sido secretária de Fazenda do Rio Grande do Norte, a sra. acha que o governo tem de ampliar a participação de Estados e municípios nas contribuições federais?
VIEIRA – Essa é uma discussão muito grande no Confaz. A reforma tributária certamente vai trazer à discussão todos esses pontos. Temos de enxergar as atribuições inerentes aos municípios, aos Estados e à União, e colocá-los em condições de atender a sociedade plenamente. A preocupação maior é que todos os entes federados tenham condições adequadas de atender a sociedade, porque há um clamor muito grande por saúde de qualidade, educação, segurança e infra-estrutura. Temos de ver o que cabe a cada um ao dividir o bolo do que se arrecada.
FOLHA – A sra. já tem alguma idéia para reduzir a sonegação no país?
VIEIRA – Precisamos fortalecer o relacionamento com as secretarias estaduais. É como o combate ao crime organizado: você não combate só, precisa de toda a força policial junto. Com a sonegação é a mesma coisa. A Receita, sozinha, não vai conseguir combatê-la, mas, aliada a outros atores, como as secretarias dos Estados e dos municípios, com todo o corpo fiscal, temos condições de montar um projeto forte.
FOLHA – O que a sra. acha da recriação da CPMF, agora como CSS?
VIEIRA – Para efeito de controle e cruzamento de informações, mesmo que seja uma alíquota de 0,0001%, é importante, mas como instrumento de controle para a Receita Federal.
"É preciso (…) cobrar dos gestores públicos a boa aplicação dos recursos. De nada adiante bater recordes de receita se você não trabalha a qualidade do gasto"
"É necessário aumentarmos a progressividade no IR. Certamente vamos ter de fazer a ampliação dessas alíquotas, em termos de números. É um clamor da sociedade"
Perfil
Lina Maria adora cozinhar e trabalhar
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Servidora da Receita Federal desde 1976, Lina Maria Vieira é formada em direito pelo Mackenzie, com pós-graduação em direito tributário pela Universidade Federal de Pernambuco. Workaholic confessa, divide o trabalho com a leitura de livros técnicos.
Mineira de Belo Horizonte, fez carreira no Rio Grande do Norte, onde foi secretária de Fazenda de dois governos.
A rotina trabalho-casa-trabalho muda nos finais de semana quando viaja com o marido para a "Quinta da Sucupira", nome do rancho da família no RN. É quando costuma preparar pratos à base de camarão, lagosta e bacalhau. "Adoro cozinhar, juntar amigos, isso me ajuda a desestressar", revela ela, mãe de três filhos.
Antes de ser surpreendida com o convite de Mantega, ela estudava para o curso de formação de gestores. Por causa do curso, está lendo "A Morte de Ivan Ilitch", de Leon Tolstói. O convite para comandar a Receita não mudou seus planos de comparecer à sala de aula. Até agora, ela não se encontrou com o presidente Lula.
Um aviso para quem não quiser atiçar a "leoa" com vara curta: doce no trato com quem a cerca, Vieira só muda o tom quando indagada se é mãe de Mução.
Sucesso principalmente no Nordeste, o personagem Mução foi inventado pelo humorista Rodrigo Vieira, este sim filho da nova secretária. "Não sou a mãe do Mução; ele é um personagem. Meu filho é outra pessoa." (AM)