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A reforma tributária e o superimposto

Publicado em:

Opinião Jurídica

 

 

 
A proposta de reforma tributária apresentada pelo governo federal e que ora tramita na Câmara dos Deputados propõe a criação de um novo imposto federal, que vem sendo denominado IVA-F. O IVA-F deveria corresponder à consolidação ou unificação da Cofins, da contribuição para o PIS e da Cide-Combustíveis. É o que afirma o governo federal e o que consta na exposição de motivos que acompanhou a proposta de reforma tributária.

 

Contudo, o IVA-F não corresponde a uma simples consolidação ou unificação das referidas contribuições, constituindo antes um verdadeiro "superimposto". Senão veja-se. Nas operações internas, a Cofins, a Contribuição para o PIS e a Cide-Combustíveis incidem basicamente sobre a receita ou o faturamento, ao passo que o IVA-F incidirá sobre toda e qualquer operação. Do mesmo modo, nas importações, a incidência da Cofins-Importação e do PIS-Importação está limitada à importação de bens e serviços estrangeiros, ao passo que o IVA-F incidirá sobre as "importações a qualquer título".

 

A efetiva abrangência da incidência do IVA-F nas operações internas pode não ser percebida imediatamente, na medida em que a proposta de reforma tributária prevê que o IVA-F incidirá sobre "operações com bens e prestações de serviços" – e não sobre toda e qualquer operação. Ocorre que, logo a seguir, consta que deverá ser considerada prestação de serviço "toda e qualquer operação que não constitua circulação ou transmissão de bens". Assim, o IVA-F incidirá sobre as "operações com bens" e também sobre "toda e qualquer operação que não constitua circulação ou transmissão de bens". Ou seja, sobre toda e qualquer operação.

 

Deve-se ter em conta, ainda, que todos os impostos que hoje incidem sobre operações apresentam alguma limitação em sua hipótese de incidência, limitação essa que é construída a partir de alguma qualificação atribuída às operações sobre as quais eles podem incidir: operações com produtos industrializados (IPI); operações de crédito, câmbio, seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF); operações de circulação de mercadorias (ICMS); operações que constituam doação (ITCD); operações que consubstanciem obrigação de fazer (ISS); operações com bens imóveis (ITBI). O IVA-F, contudo, incidirá sobre toda e qualquer operação, sem qualquer qualificação, abrangendo as operações que hoje já são tributadas pelos impostos acima mencionados, assim como operações que ainda não são alcançadas por esses impostos.

 


Deve-se assegurar que a proposta de reforma tributária reflita com fidelidade as razões de sua exposição de motivos


 

Deve-se ressaltar, ademais, que, ao permitir que o IVA-F incida sobre toda e qualquer operação, estar-se-á permitindo que ele seja cobrado não apenas sobre a receita ou o faturamento proveniente da operação, mas sobre o valor total dessa, valor esse que pode incluir, além da receita ou do faturamento, diversos outros valores, como aqueles relativos a tributos incidentes na operação. Além do evidente aumento do valor a ser pago pelo contribuinte, essa alteração eliminará a discussão hoje existente acerca da inclusão do valor de impostos na base de cálculo da Cofins e do PIS, o que, por certo, também interessa ao governo federal. Não bastasse isso, o novo imposto poderá ser cobrado também de pessoas físicas, pois também pessoas físicas realizam operações, ao passo que a Cofins, o PIS e a Cide-Combustíveis só podem ser cobradas de pessoas jurídicas.

 

Tem-se, então, que o IVA-F não vem apenas consolidar ou unificar a Cofins, o PIS e a Cide-Combustíveis. O IVA-F constitui um verdadeiro superimposto, com uma hipótese de incidência que em muito ultrapassa aquela das contribuições sociais que estaria substituindo. E ainda atribuirá ao governo federal uma competência tributária demasiado ampla e praticamente ilimitada, permitindo-lhe cobrar um valor maior do que hoje cobra com as referidas contribuições e alcançar pessoas que hoje não são contribuintes dessas contribuições, com um evidente risco de uma elevação significativa da carga tributária.

 

E mais: a adoção, para o IVA-F, de uma hipótese de incidência distinta daquela da Cofins e do PIS, e de uma hipótese de incidência estruturada a partir de conceitos jurídicos que não possuem uma definição pacífica e precisa, trará imprevisibilidade e incerteza para a transição da cobrança da Cofins e do PIS para a cobrança do IVA-F, na medida em que não se saberá com precisão as dimensões da base de cálculo sobre a qual será cobrado o novo imposto. Corre-se o risco, portanto, de se reviver o que ocorreu quando da implantação da cobrança não-cumulativa do PIS e da Cofins, em que foram fixadas alíquotas extremamente elevadas, para assegurar que não houvesse redução da arrecadação do governo federal. Especialmente quando, na proposta de reforma tributária, a garantia de que na transição da Cofins e do PIS para o IVA-F não haverá aumento da carga tributária corresponde a uma mera possibilidade e depende da edição de uma lei complementar.

 

Por todas essas razões, deve-se assegurar que a proposta de reforma tributária reflita com fidelidade as razões postas em sua exposição de motivos, de modo que o IVA-F corresponda efetivamente à consolidação da Cofins, da contribuição para o PIS e da Cide-Combustíveis e que sua implementação não redunde em um aumento da carga tributária e em mais insegurança jurídica.

 

Henry Lummertz é sócio do escritório Veirano Advogados e mestre em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

 

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações