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Juízes já usam novo sistema da Receita na cobrança de dívidas

Publicado em:

Valor Online

Fernando Teixeira, de Brasília

O juiz trabalhista Luciano Athaíde, responsável pela vara de Assú, município localizado a 180 quilômetros de Natal, recebeu no início de abril uma ação de execução típica de sua área: um trabalhador cobrava pendências de seu empregador, mas a empresa já havia encerrado suas atividades. Do antigo chefe, sabia apenas o nome – e mais nada. Até pouco tempo, seria um caso de difícil solução. Mas foi resolvido em poucos dias. Desde o início do ano com acesso direito ao site da Receita Federal, o juiz conseguiu o CPF do ex-sócio da empresa e bloqueou sua conta corrente pelo sistema de penhora on-line do Banco Central, quitando parte da dívida trabalhista. Na declaração de Imposto de Renda do antigo empregador, também disponível no site da Receita, o juiz encontrou um imóvel e providenciou seu bloqueio para quitar o resto da dívida.
O juiz potiguar é um dos 2.262 magistrados brasileiros já cadastrados no sistema batizado de "Info-Jud", criado pela Receita Federal em junho do ano passado para permitir à Justiça acesso on-line aos dados dos contribuintes. Trata-se de uma espécie de versão fiscal do já conhecido sistema do Banco Central denominado "Bacen-Jud" e que permite o acesso e a penhora on-line de contas bancárias de devedores. Com quase um ano, o sistema tem cadastrados apenas cerca de 20% dos juízes de primeira instância do país. Segundo dados da Receita Federal, desde que foi criado recebeu 14.586 solicitações de informações e enviou aos juízes declarações sobre 40.027 contribuintes – cada pedido pode solicitar dados de até dez pessoas físicas ou jurídicas ao mesmo tempo. Com sete anos de vida, o sistema de penhora on-line do Banco Central fechou 2007 com 2,7 milhões de solicitações, quase 200 vezes mais.
Segundo o juiz Luciano de Athaíde, a adesão ao sistema da Receita Federal parece estar demorando mais porque exige a aquisição de certificação digital para seu uso – algo mais complicado do que o acesso ao site do Banco Central, que exige apenas uma senha. Mas, como ocorreu no início da penhora on-line, a vanguarda foi assumida pelos juízes trabalhistas. A Receita Federal ainda não tem dados precisos, mas seus técnicos identificam que quase toda a movimentação hoje vem de tribunais regionais do trabalho (TRTs), principalmente os de São Paulo. A corregedoria do Tribunal Superior do Trabalho (TST) está desde o ano passado em campanha nos tribunais locais pelo o uso da ferramenta. Já na Justiça estadual, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 13 tribunais de Justiça (TJs) têm acesso ao site da Receita, e grandes TJs, como os de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, ainda não estão cadastrados.
Na Justiça Federal, também há poucos acessos ao sistema. Segundo o juiz federal de São Paulo Eric Granstrup, o acesso ao Info-Jud pelos juízes federais deverá ser útil até para a execução de tributos cobrados pelo próprio fisco federal: apesar de os funcionários da Receita terem acesso aos dados, os procuradores da Fazenda Nacional, que fazem a cobrança judicial, não têm.
Prevê-se que o novo sistema da Receita aprofundará o problema da desconsideração da personalidade jurídica ao facilitar o acesso a dados de devedores sobre os quais há pouca informação. Muitos administradores e até advogados que atuam como procuradores de empresas reclamam por terem seus nomes incluídos em execuções contra os clientes para os quais prestaram serviço, e empresários são surpreendidos por contas de sociedades das quais já se desligaram.
Para o juiz trabalhista Luciano de Athaíde, a desconsideração da personalidade jurídica é um pressuposto na Justiça do Trabalho para todos os casos em que a empresa não tem bens para garantir a dívida. Ao facilitar o acesso aos sócios administradores, o sistema deve aumentar a responsabilidade pela gestão da empresa em que atuam. "Os sócios têm que entender que a ética processual é a de que a empresa tem que respeitar a dívida trabalhista", diz. No caso de serem administradores contratados, por exemplo, não há como o juiz analisar isto previamente, cabendo a quem foi prejudicado reclamar se há equívoco. "Assim como ocorreu na penhora on-line, entre perdas e ganhos, acredito que haverá mais ganhos com o novo sistema", diz.