Sem refinarias suficientes para descartar importação, Brasil pode ter falta de combustível; entenda
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FOLHA de PERNAMBUCO
Apesar da insuficiência, especialistas não veem espaço para novas refinarias, o que reforça politica de preços da Petrobras, que segue cotação internacional do petróleo
O novo reajuste do óleo diesel, de 8,87%, anunciado pela Petrobras para entrar em vigor nesta terça (10) nas refinarias, não foi concedido apenas para que houvesse uma paridade do preço com a cotação internacional do petróleo.
A correção não zerou a defasagem, mas é necessária para que não falte combustível nos postos do país. E isso ocorre por uma deficiência do Brasil na área de refino de derivados de petróleo.
O Brasil é exportador de petróleo, mas, ao mesmo tempo, importa derivados, especialmente o óleo diesel. Cerca de 20% dos derivados consumidos no país vêm de foral. A situação é resultado de um conjunto de refinarias que não são suficientes para dar conta da demanda nacional, além da integração global das cadeias do setor.
Para abastecer todos os postos do país, é preciso importar diesel e gasolina. Dessa forma, se a Petrobras se afasta muito do preço desses derivados no exterior, os importadores não podem competir com a estatal e tendem a reduzir as compras lá fora.
Isso pode levar o país ao desabastecimento, até porque a produção nacional, mais barata, fica atraente para a exportação. O país também precisa importar óleo leve produzido no Oriente Médio especialmente para a produção de lubrificantes.
Apesar dessa insuficiência na área de refino, especialistas não veem espaço para novos grandes investimentos neste mercado no país, como a construção de novas refinarias. Esse cenário reforça o modelo de preços adotado pela Petrobras, que segue a cotação do dólar e do barril de petróleo no mercado externo.
Márcio Félix, ex-secretário de Petróleo do Ministério de Minas e Energia e atualmente CEO da EnP Energy, lembra o histórico do refino no país, que data da década de 1970, quando as últimas grandes plantas entraram em operação.
A partir de 2006, vieram projetos de novas refinarias — especialmente o Comperj (no Rio de Janeiro), e Abreu e Lima (em Pernambuco) — e as refinarias premium (no Maranhão e no Ceará). Os investimentos não aconteceram e viraram alvos da Operação Lava-Jato, que apontou esquemas de desvios bilionários em obras da empresa.
A Petrobras projetava chegar à marca de 3,4 milhões de barris refinados por dia em 2015, o que colocaria o Brasil entre os cinco países com maior produção de derivados de petróleo.
Essa marca nunca foi atingida e não consta dos planos atuais. Em 2021, as refinarias da Petrobras processaram 1,9 milhões de barris por dia, volume próximo do registrado em 2008.
— A ideia era que o Brasil ia ter tanto derivado que iria exportar para o Hemisfério Norte. As refinarias não saíram e essa importação começou a acontecer. Essas coisas estão associadas — diz Félix. — Se não tem um preço adequado aqui, não se importa combustível. O privado não vai importar e a Petrobras, também tem mais como fazer isso sofrendo prejuízos. Foi criada uma blindagem e ficou uma equação difícil de mexer.
O ex-secretário acrescenta:
— O domínio que a Petrobras tem e a possibilidade de interferência faz com que ninguém invista em refinaria no Brasil.
Valéria Lima, diretora-executiva de Downstream (mercado de derivados) do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), afirma que as refinarias do país hoje operam com cerca de 88% da sua capacidade.
É um valor, inclusive, superior aos pares internacionais. É preciso importar diesel, por exemplo, diante da predominância do modal rodoviário no país.
— A gente almejar a atender 100% da demanda nacional para derivados não é factível. O Brasil é um país aberto, com muita relação comercial. Essa coisa de achar que vai ser um país fechado, sem importar nada, não conversa com essa economia aberta que a gente tem — afirma Valéria.
A executiva do IBP continua:
— Mesmo se a gente fosse uma economia auto suficiente, não vai ter ninguém querendo investir aqui se não tiver a mesma margem que ele tem no exterior. Não se pode perder o norte dos preços internacionais. A gente nunca vai importar zero.
Valéria também não vê espaço para construção de novas refinarias do zero. Esse tipo de empreendimento demora para ser amortizado e começar a dar retorno e não há mais tempo para isso, segunda ela, por conta da urgência da transição energética.
Por isso, o foco do setor neste momento é o programa de desinvestimentos da Petrobras. Originalmente, a empresa se comprometeu junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a vender metade de sua capacidade de refino, oito refinarias, até dezembro do ano passado. Mas a companhia não conseguiu cumprir esse prazo, que foi ampliado. O novo cronograma não foi informado.
Das oito unidades, a Petrobras conseguiu vender apenas três. A maior delas foi a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, para o fundo árabe Mubadala por US$ 1,65 bilhão. A unidade, rebatizada de Mataripe, responde, sozinha, por 14% de toda a capacidade de refino do Brasil.
Para Márcio Couto, coordenador de pesquisa da FGV Energia, esse processo foi prejudicado pela pandemia de Covid-19, mas será retomado.
— De uma maneira geral, o que se espera é que esses novos agentes aumentem a produção em termos de derivado, atendendo melhor os mercados que precisam de algum tipo de complementação de demanda — disse.
Couto também rechaça o controle de preços e lembra que a arrecadação de União, estados e municípios disparou com as receitas de petróleo. Como o GLOBO mostrou, depois de bater recorde em 2021, a arrecadação de União, estados e municípios com a produção de petróleo deve terminar o ano com um novo salto de 58,9%, para R$ 118,7 bilhões, segundo projeção da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
— A discussão agora deveria ser como usar esse dinheiro que União, estado e municípios têm por conta da alta do petróleo. Como usar esse dinheiro para política pública adequada, para aumentar o bem-estar da população. Se houver um investimento bem gasto, tem ganhos enormes para a sociedade, muito maiores que o congelamento de preços — disse.