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Big Brother bancário

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Consultor Jurídico

Leia ação da OAB contra quebra de sigilo pela Receita

A OAB quer derrubar a Instrução Normativa 802/07 da Receita Federal que obriga os bancos a repassar informações dos correntistas cuja movimentação semestral supere R$ 5 mil no caso de pessoas físicas e R$ 10 mil no caso de pessoas jurídicas. A Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o repasse de informações foi ajuizada ao Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira (25/1).

A eficácia da IN já está suspensa para os advogados de Ceará, devido a uma liminar conseguida pela OAB-CE. Agora, com a ADI no Supremo, a Ordem pretende fazer valer a suspensão para todos.

A IN 802, baixada pela Receita Federal no dia 27 de dezembro último com base na Lei 105/2001, visa restabelecer o controle da movimentação financeira dos contribuintes que anteriormente era feito por meio da CPMF. A medida já está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal por ação subscrita pela Confederação Nacional das Profissões Liberais.

A ADI proposta pela OAB aponta como inconstitucional o artigo 5° da Lei Complementar 105/01, com base na qual foi editada a IN 802. Assinada pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto, a ação sustenta que o dispositivo que permitiu a quebra do sigilo bancário é inconstitucional por ofensa ao artigo 5°, incisos X, XII e LV da Constituição Federal, que tratam do devido processo legal e da intimidade e vida privada.

“A Constituição define que qualquer quebra de sigilo, seja bancário, fiscal ou telefônico, à margem de ordem judicial, é inconstitucional e não pode prevalecer no ordenamento jurídico do país”, sustenta a Ordem.

Segundo a ADI, “a prestação de informação acerca das operações financeiras dos contribuintes, sem ordem judicial, ofende o devido processo legal (artigo 5°, LV) e a reserva de jurisdição para a quebra do sigilo de dados. Atinge, também, a intimidade e a vida privada das pessoas, guarnecida pelo inciso X do artigo 5° da Constituição Federal”.

A ação destaca que a Constituição de 88 condicionou a quebra do sigilo bancário à prévia autorização judicial. “E ainda assim, quando presentes fundadas suspeitas da existência de possível delito, praticado por quem vai sofrer a investigação; e mais: determinou que as informações assim obtidas somente pudessem ser utilizadas para a apuração dos fatos que ensejaram a medida.”

A OAB alerta para o risco da “permissão” que a IN confere ao fisco “para que quebre o sigilo bancário do contribuinte que lhe suscitar suspeitas”. Por isso, continua a OAB, o brasileiro sofrerá com a implementação da norma, com o atentado a sua intimidade e vida privada.

O Supremo já deu um sinal claro de que a medida do governo deve ser considerada inconstitucional. No julgamento da denúncia do mensalão, no ano passado, o assunto foi discutido e a tese vencedora foi de que apenas o Judiciário e as Comissões Parlamentares de Inquérito têm poder para quebrar sigilo bancário e fiscal.

Naquela oportunidade, julgava-se se dados constantes dos autos obtidos pelo procurador-geral em consulta direta à Receita Federal, sem autorização judicial, constituíam prova lícita. Por maioria, os ministros concluíram que sigilos bancário e financeiro só podem ser quebrados por ordem judicial ou de CPI. No caso, as provas constantes dos autos foram consideradas lícitas, porque tinham sido obtidas também em uma CPI. Mas a tese, que pode ser aplicada ao caso da IN 802, prevaleceu.

Leia a ação ajuizada pela OAB

Excelentíssima Senhora Presidente do Supremo Tribunal Federal

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público regulamentado pela Lei 8906/94, com sede no Setor de Autarquias Sul, Quadra 06, edifício OAB, em Brasília, Distrito Federal, por seu patrono (doc.1), respeitosamente, com fundamento no artigo 102, I, “a”, da Constituição Federal, vem ajuizar AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de liminar, contra o artigo 5º da Lei Complementar federal número 105/2001 (doc. 2), nos termos e pelos fundamentos seguintes:

O artigo 5º da Lei Complementar 105

1. O comando normativo, cuja declaração de inconstitucionalidade se pretende, estabelece que informações bancárias sejam prestadas à Receita Federal, nos termos de regulamentação do Poder Executivo.

O dispositivo prevê:

“Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.

§ 1º Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo:

I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;

II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;

III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;

IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;

V – contratos de mútuo;

VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;

VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;

VIII – aplicações em fundos de investimentos;

IX – aquisições de moeda estrangeira;

X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;

XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior;

XII – operações com ouro, ativo financeiro;

XIII – operações com cartão de crédito;

XIV – operações de arrendamento mercantil; e

XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente.

§ 2º As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.

§ 3º Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 4º Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.

§ 5º As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.”

1.1. O dispositivo é inconstitucional, por ofensa ao artigo 5º, incisos X, XII e LV, da Constituição Federal.

Com efeito, a prestação de informação acerca das operações financeiras dos contribuintes, sem ordem judicial, ofende o devido processo legal (art. 5º, LV) e a reserva de jurisdição para a quebra do sigilo de dados (art. 5º, XII).

Atinge, também, a intimidade e a vida privada das pessoas, guarnecida pelo inciso X do artigo 5º da CF.

Frise-se, a propósito, que, para efetivar tais garantias, os preditos incisos asseguram o sigilo das informações bancárias, quer das constantes nas instituições financeiras, quer das existentes na própria Receita. Afinal, por meio do simples conhecimento – quanto mais da análise e da divulgação – dos dados bancários, pode-se deixar ao desabrigo a intimidade das pessoas.

Não é por outra razão que o Constituinte de 1988 condicionou a quebra do sigilo bancário à prévia autorização judicial e, ainda assim, quando presentes fundadas suspeitas da existência de possível delito, praticado por quem vai sofrer a investigação. Mais: determinou que as informações assim obtidas somente pudessem ser utilizadas para a apuração dos fatos que ensejaram a medida.

1.2. Muito bem. O precitado artigo 5º, da Lei Complementar 105/2001 “permite” que, em grande número de situações, o fisco – ao qual, sendo parte diretamente interessada na descoberta de possíveis irregularidades, falta a imparcialidade do Poder Judiciário – quebre o sigilo bancário do contribuinte que lhe suscitar suspeitas.

Ora, absolutamente não poderia este ato normativo de nível legal anular garantias constitucionais, como as ora invocadas.

1.3. Demais disso, a permissão que o preceito confere à regulamentação executiva de disciplinar, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, a prestação das informações, foge do razoável e, portanto, é desproporcional. De fato, a liberdade conferida ao Executivo deu ensejo à edição de normas como as contidas no Decreto 4.489, de 28 de novembro de 2002 (doc. 3) , e na Instrução Normativa RFB 802, de 27 de dezembro de 2007 (doc. 4), que acabam, literalmente, com o sigilo bancário no país, na medida em que determinam que quaisquer operações cujos valores ultrapassem, por semestre, R$ 5000,00 e R$ 10000,00, para pessoas físicas e jurídicas respectivamente, devem ser comunicadas à Receita. A falta de limites definidos no comando legal permite a exigência desproporcional, tal qual se deu. Não bastasse isso, a norma impugnada não serve, em verdade, à Receita, posto que o conhecimento da movimentação bancária é inútil para fins tributários. Nesse sentido, o Judiciário reconheceu não servir tal movimentação, para fins de lançamento (Súmula 182, do TFR), até porque, pela conta bancária de alguém podem passar recursos de terceiros.

Como se vê, tais atos normativos infra-legais foram além da já questionável norma que lhes deu fundamento (artigo 5º da Lei Complementar 105/2001).

Melhor explicitando, nenhum decreto ou instrução normativa pode, por autoridade própria, impor aos administrados uma “interpretação” da lei, que leve a anular, como no caso em pauta, direitos e garantias fundamentais.

Especificamente quanto à Instrução Normativa RFB 802, de 27 de dezembro de 2007, somente poderia produzir efeitos internos, já que atos normativos deste tipo têm muito menos força jurídica do que os decretos regulamentares, que, afinal, dentro dos limites da lei, voltam-se aos cidadãos em geral. Portanto, muito mais do que o Decreto 4.489, de 28 de novembro de 2002, ela padece de irremissível nulidade. Sendo contra tenorem legis e, o que é pior, contra tenorem constitutionis, não lhe é dado prejudicar contribuintes, impondo-lhes gravames novos, já que não contemplados nem mesmo no inconstitucional art. 5º da Lei Complementar 105/2001.

2. O Egrégio Supremo Tribunal Federal, chamado, por diversas vezes, a pronunciar-se sobre o tema do sigilo bancário, já afirmou ser indevida sua agressão sem processo, sem razoabilidade, sem ordem judicial. Os julgados dessa excelsa Corte são inúmeros e contundentes, merecendo destaque alguns:

RE 461366 / DF – DISTRITO FEDERAL

Relator: Min. MARCO AURÉLIO

Ementa

“SIGILO DE DADOS – ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL – AFASTAMENTO – INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal.”

RE-AgR 318136 / RJ – RIO DE JANEIRO

Relator: Min. CEZAR PELUSO

“EMENTA: 1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Instituições Financeiras. Sigilo bancário. Quebra. Requisição. Ilegitimidade do Ministério Público. Necessidade de autorização judicial. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar a agravante a pagar multa ao agravado.”

MS 25668 / DF – DISTRITO FEDERAL

Relator: Min. CELSO DE MELLO

“E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FATOS CONCRETOS – FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA – INADMISSIBILIDADE – CONTROLE JURISDICIONAL – POSSIBILIDADE – CONSEQÜENTE INVALIDAÇÃO DO ATO DE “DISCLOSURE” – INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. A QUEBRA DE SIGILO – QUE SE APÓIA EM FUNDAMENTOS GENÉRICOS E QUE NÃO INDICA FATOS CONCRETOS E PRECISOS REFERENTES À PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO – CONSTITUI ATO EIVADO DE NULIDADE. – A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apóia-se em formulações genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Constituição da República. Precedentes. Doutrina. O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. – O Supremo Tribunal Federal, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, neutralizando, desse modo, abusos cometidos por Comissão Parlamentar de Inquérito, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, nesse contexto, porque vocacionado a fazer prevalecer a autoridade da Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Doutrina. Precedentes.”

3. Resta, pois, evidenciada a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei Complementar 105. Diante, seja da ofensa à privacidade e intimidade, seja da ausência de processo legal para fins de obtenção das informações perquiridas, seja, ainda, da inexistência de proporcionalidade ou razoabilidade da medida, o preceito em tela deve ser expurgado do ordenamento jurídico.

Liminar

4. O tema ora posto em julgamento já foi deduzido noutras ações diretas de inconstitucionalidade. Em tais demandas (ADI 2386 e outras) foi aplicado o rito do artigo 12 da Lei 9868. Tal circunstância, entretanto, não impede seja novamente deduzida a pretensão emergencial, ante circunstâncias novas.

Realmente, a pretexto de dar plena execução ao artigo 5º da Lei Complementar 105, e com suposto apoio no Decreto 4489, a Secretaria da Receita Federal editou a Instrução Normativa RFB 802, de 27 de dezembro de 2007.

Em face dos termos dessa instrução, as instituições financeiras deverão prestar informações semestrais relativas a operações financeiras em que o montante global movimentado em cada semestre seja superior ao limite de R$ 5.000,00, para pessoas físicas, e R$ 10.000,00, para pessoas jurídicas.

Essa ordem da Receita Federal, que acaba com o sigilo bancário no país para a quase totalidade das contas bancárias, configura fato novo, que permite a dedução da vertente medida cautelar.

Deveras, o Supremo Tribunal Federal já deixou assentado que, mesmo norma editada há anos, pode vir a ser suspensa liminarmente, quando sua concretização, diante de regulamentação posterior recente, aponta para a ocorrência de novel dano irreparável. Na ADI 1247, a medida cautelar foi concedida justamente ante a expedição, pelo Senhor Governador do Estado do Pará, de normas regulamentando preceitos inconstitucionais. Mais: já decidiu que, quando uma norma produz efeitos que se renovam, surge a possibilidade de sua suspensão, seja qual for o tempo que medeie entre a edição da lei e a propositura da ação (ADI 1568 e 1623, dentre outras). O transcurso do tempo mostra-se hábil, até mesmo, para transformar norma constitucional em inconstitucional, e vice-versa, em face das alterações do quadro social ou normativo, como bem ressalta o Ministro Gilmar Mendes, em trabalho publicado em homenagem ao Ministro Moreira Alves (Moreira Alves e o Controle de Constitucionalidade, pp. 64 e 65).

4.1. Justifica-se, portanto, que o presente pedido de medida liminar seja apreciado independentemente do rito adotado nas ADI já ajuizadas, que do mesmo tema tratam. O grave dano que o correntista brasileiro sofrerá com a implementação da norma atacada, com o atentado à sua intimidade e vida privada, exige seja a questão julgada liminarmente, suspendendo-se o preceito impugnado.

Pedido

5. Por todo o exposto, pede o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil seja concedida medida liminar para o fim de suspender a eficácia do artigo 5º da Lei Complementar nº 105/2001.

Pede, ao final, seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei Complementar nº 105/2001.

Requer a citação do Advogado-Geral da União e a intimação do Presidente da República e do Congresso Nacional para prestarem informações no prazo legal.

Dá à causa o valor de R$ 1.000,00.

Brasília, 25 de janeiro de 2008.