A mais tradicional fórmula usada pelas empresas para pagar o ICMS com precatórios vencidos é o seu uso como garantia em ações judiciais. A tese tornou-se comum a partir do fim dos anos 90, principalmente no Rio Grande do Sul, e atrai centenas de empresários em dificuldades financeiras que têm por objetivo garantir sobrevida aos seus negócios com a operação, uma vez que a garantia é barata – cerca de 20% do valor total da dívida – e suspende a exigência dos créditos tributários. Agora, dez anos após o surgimento da tese, as primeiras execuções usando esta fórmula chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para serem finalizadas: resta ao tribunal dizer se estas garantias, suficientes para suspender a exigência dos débitos, serão suficientes também para quitá-lo de uma vez por todas. Se fizer isso, o tribunal superior transformará a penhora em uma espécie de compensação indireta e liberará bilhões de reais em precatórios vencidos em todo país para operações de planejamento tributário.
Em 2007, o STJ proferiu pelos menos dois tipos de decisões sobre o assunto, e tanto o fisco gaúcho como advogados locais alegam ter acórdãos de tribunais em seu favor. O tribunal superior provavelmente será obrigado a voltar ao tema em 2008 para dizer com clareza qual das posições já proferidas será a adotada de forma definitiva pela corte. Até agora, a chamada "sub-rogação", ou a transferência da propriedade do precatório diretamente ao Estado, foi abordada apenas de forma indireta. Isto porque em todas as decisões que tratam do tema o objeto principal eram outros aspectos da operação – como a própria legalidade da oferta em penhora, tema com jurisprudência pacífica em favor do contribuinte desde 2005.
Na última posição proferida pelo STJ sobre a sub-rogação, o ministro Herman Benjamin entendeu que ela é uma espécie de compensação indireta e declarou a medida ilegal: a saída seria leiloar o precatório como se fosse um bem qualquer. A posição seguiu a mesma linha de um entendimento anterior proposto pelo ministro Teori Zavascki e trata-se também da posição defendida pelo fisco gaúcho. Este entendimento, no entanto, não interessa aos contribuintes, pois uma vez firmada esta posição, o precatório seria arrematado em leilão por valores ínfimos.
O advogado Nelson Lacerda, do escritório Lacerda e Lacerda Advogados, que possui cerca de 300 clientes que utilizam a tese da oferta de precatórios em penhora em ações fiscais, diz que o ministro do STJ Francisco Falcão deixa claro, em um acórdão de sua autoria, que é favorável à sub-rogação. Em uma decisão que trata da legalidade da penhora, o ministro – curiosamente, citando um trecho de um voto de Teori Zavascki – afirma que a penhora de precatórios segue o regime da sub-rogação. Nelson Lacerda não só considera a posição do tribunal definida segundo o voto de Falcão como também ampliou a captação de clientes e o fechamento de novos negócios de penhora desde a publicação da decisão. As posições de Zavascki e de Herman Benjamin, diz, não têm peso porque não se referem diretamente à questão.
O procurador fiscal do governo gaúcho Paulo Basso diz, no entanto, que a posição sobre a sub-rogação não está definida nem no STJ nem no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Como jurisprudência, a procuradoria tem usado a decisão de Teori Zavascki, que segue a linha de defesa do governo gaúcho. Mas o procurador considera temerário dizer que há definição da Justiça sobre o tema, tanto de um lado como de outro.
Outra posição temerária é a adotada pelas empresas e advogados, diz Paulo Basso, pois em caso de derrota os contribuintes podem ser surpreendidos por grandes passivos fiscais. A procuradoria localizou 297 empresas que já fizeram operações judiciais com precatórios em 2007, envolvendo débitos de R$ 555 milhões, que ficarão em aberto de uma hora para outra caso a jurisprudência se defina em favor do fisco. Apesar de os pedidos de compensação terem se tornado mais comuns de 2006 para cá, a regra é a oferta de precatórios vencidos em penhora. O problema é que os contribuintes não tentam primeiro obter uma decisão definitiva para depois utilizar o precatório, e muitas vezes deixam de pagar tributos apenas para levá-los à execução e garanti-los com precatórios não pagos pelo governo do Estado.