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Governo taxa exportação e isenta importação

Publicado em:

Marta Watanabe e Raquel Landim, de São Paulo
21/01/2008

 

Marisa Cauduro / Valor

Gustavo Dedivitis, da Abipp: "Qualquer modificação tributária no produto popular é um problema"
 
No pacote baixado para compensar as perdas da CPMF, o governo federal tributou pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 0,38% as operações de câmbio das exportações, mas manteve a isenção no caso das importações. A diferença de tratamento nas transações de comércio exterior está provocando reações dos exportadores.

 

"É um nonsense completo", diz Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Na sua avaliação, a medida prejudica "ainda mais" a competitividade da indústria nacional. "Se isso se confirmar, é uma distorção grave", diz Heitor Klein, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados). As entidades prometem pleitear junto ao governo a isenção das exportações de IOF.

 

"É uma questão de isonomia. Se a importação é isenta, vamos fazer o mesmo para a exportação", diz André Rebelo, gerente do Departamento de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo a entidade, as exportações devem gerar uma arrecadação de IOF de R$ 1,5 bilhão em 2008. As importações, caso fossem tributadas, contribuiriam com cerca de R$ 800 milhões.

 

A Fiesp calcula que o governo arrecadará R$ 12,6 bilhões a mais com as novas regras que incluem, além das alterações no IOF, a elevação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras. Ou seja, R$ 2,6 bilhões além dos R$ 10 bilhões anunciados na divulgação do pacote. "Como vai arrecadar mais que o previsto, o governo pode abrir mão dos R$ 1,5 bilhão obtidos com a exportação", diz Rebelo.

 

Até a edição das medidas compensatórias para a perda da CPMF, tanto o câmbio para a importação como para a exportação não pagavam IOF. O Decreto nº 6.339/2008, de 3 de janeiro, que integrou o minipacote tributário, especifica algumas operações de câmbio que passaram a ser tributadas a 0,38% de IOF. Nesse decreto não houve norma específica para a cobrança do imposto no câmbio para importação de bens, mas um dos dispositivos diz que "as demais operações de câmbio" pagam 0,38% do imposto. Nessas "demais operações" entrariam as importações.

 

A nova norma, porém, manteve a redação de um dispositivo de decreto anterior que consolidou as regras de IOF e que prevê isenção para o câmbio na importação de bens. Trata-se do artigo 16 do Decreto nº 6.306/2007, que garante expressamente a isenção de IOF para o câmbio na importação de bens. "São duas previsões conflitantes no mesmo regulamento, mas uma disposição geral não pode derrubar outra específica", argumenta Paulo Vaz, do escritório Levy & Salomão.

 

Em nota ao Valor, a assessoria de imprensa da Receita Federal confirma que as operações de importação de bens continuam isentas. Segundo o órgão, a revogação da isenção só pode ser por lei. Portanto, as importações não foram incluídas no rol das operações tributadas a 0,38%. A informação da Receita foi recebida com surpresa por advogados que representam os bancos. O tributarista Antonio Carlos Marchetti Guzman, do Mattos Filho Advogados, diz que, de fato, as normas em vigor estabelecem que a isenção só pode ser revogada por lei. "Mas é interessante que a própria Receita tenha levantado um argumento em favor dos contribuintes." Para o advogado, se o governo realmente quisesse tributar a importação de bens pelo IOF, a cobrança teria sido determinada pela Medida Provisória (MP) que elevou a alíquota da CSLL. A MP tem força de lei.

 

Apesar de o decreto do pacote estabelecer que todas as operações de câmbio seriam tributadas pelo IOF, os bancos não chegaram sequer a reter o imposto dos importadores. Numa iniciativa incomum, as instituições financeiras decidiram não recolher o tributo em vez de deixar para o contribuinte de fato, no caso o importador, o questionamento do imposto. "Havia um risco de fiscalização da Receita, mas os bancos se sentiram tranqüilos em relação à manutenção da isenção", diz Guzman.

 

A pedido do Valor, um empresário questionou seu gerente no Banco do Brasil (BB) se a instituição estava cobrando o IOF na importação. O funcionário do banco explicou que somente os valores atrelados à importação, como seguro internacional e outros tributos, por exemplo, estavam com retenção do imposto. Segundo o funcionário, a diretoria do BB entendeu que as resoluções em vigor não respaldam a cobrança de IOF sobre o valor do produto adquirido no exterior.

 

Em nota ao jornal, o BB, que concentra a maior parte das operações de câmbio de importação, diz que "obedece à legislação em vigor quanto à devida isenção de IOF sobre as operações de câmbio referentes aos contratos de importação de bens".

 

Gustavo Dedivits, presidente da Associação Brasileira de Importadores de Produto Popular (Abipp), confirma que o IOF não está sendo cobrado nas importações por nenhum banco. A maioria dos associados da entidade opera com o BB, mas alguns trabalham com Bradesco ou Itaú. Ele diz que o início da incidência do imposto seria muito ruim para o setor. "Qualquer modificação tributária no produto popular é um problema, porque trabalhamos com uma margem muito baixa", afirma. Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), o argumento jurídico do governo é bom, porque um decreto não poderia anular uma lei. "Lamentavelmente não há nada que se possa fazer do ponto de vista jurídico", diz.

 

Castro afirma, no entanto, que é um contra-senso, já que todas as operações ligadas à exportação foram tributadas: cambiais, adiantamentos de contratos de câmbio, linhas de pré-pagamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "O correto seria uma isonomia entre exportação e importação", diz. "A lógica do governo foi apenas arrecadatória, por isso taxou a exportação."

 

Rebelo conta que a Fiesp entrou em contato com o Ministério da Fazenda e questionou o porquê da isenção das importações. Segundo ele, os técnicos do governo responderam que a Organização Mundial do Comércio (OMC) não permite a cobrança de outros tributos, além do imposto de importação. O governo brasileiro, porém, atualmente cobra PIS/Cofins nas compras externas. Na avaliação da Fiesp, nesse caso haveria uma justificativa, já que os dois tributos são cobrados internamente. Procurados, o Ministério da Fazenda e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) não se manifestaram.
 

 

Tributo é difícil de ser questionado

De São Paulo
21/01/2008

 

Por ser um imposto extrafiscal, com caráter regulatório, o IOF não precisa se submeter a regras de anterioridade e pode ter suas alíquotas reguladas por meio de decretos. As características tornam o IOF difícil de ser questionado. Mesmo assim, os tributaristas sugerem algumas contestações via Judiciário.

 

A advogada Maria Carolina Paciléo, sócia do Levy & Salomão, diz que há dúvidas sobre a data a partir da qual vale o aumento de alíquotas de IOF para as operações de crédito rotativo, como a conta garantida e o cheque especial. A controvérsia está no texto do Decreto nº 6.339/2008, que fez a alteração. "Em seu artigo 2º, o decreto diz que as mudanças serão aplicáveis apenas em relação às operações contratadas a partir de 3 de janeiro de 2008", lembra a advogada. Segundo ela, os contratos firmados antes de 3 de janeiro, portanto, ficam sujeitos à tributação antiga, mesmo que a liquidação da operação aconteça depois.

 

Com o decreto, as pessoas físicas, antes tributadas por IOF de 0,0041% ao dia no crédito rotativo, passaram a pagar o imposto diário de 0,0082%, além de nova incidência de IOF de 0,38% ao mês. As empresas, que pagavam o IOF diário de 0,0041% passaram a ter apenas o acréscimo do IOF mensal de 0,38%.

 

Maria Carolina lembra que os bancos apenas têm a responsabilidade de reter o imposto. O contribuinte de fato é o usuário do crédito. "Por isso as pessoas físicas e empresas que queiram deixar de ter o desconto precisam levar o questionamento ao Judiciário para solicitar que o banco não recolha o IOF."

 

A advogada diz que há um precedente do Judiciário a favor da argumentação. Trata-se de um julgamento em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, para fins de definição do fato gerador do IOF, o que importa é o momento da celebração do contrato.

 

Outro questionamento sugerido refere-se ao Adiantamento para Contrato de Câmbio (ACC). A tributarista afirma que a operação, como o próprio nome diz, é uma mera antecipação do contrato de câmbio. "O ACC não é uma operação de crédito. Por isso não poderia ser tributada pelo IOF", diz ela. (MW)