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Forte aquecimento da construção civil preocupa o BC

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Valor Online

Ueslei Marcelino / Valor

Joseliu de Melo: à espera uma possível recontratação pela fábrica de cimento de Cocalzinho de Goiás

Cocalzinho de Goiás vive a expectativa de renascimento econômico com a reabertura de uma fábrica de cimento do grupo Votorantim, fechada há dez anos, que na década de 1960 deu origem ao próprio município. Para os empresários da construção civil de Brasília, a 100 quilômetros dali, é uma esperança de alívio para a falta da matéria-prima. Mas, para o Banco Central, que monitora o forte crescimento do consumo e investimento, não é uma garantia de arrefecimento das pressões inflacionárias.

A exemplo de Cocalzinho, as empresas de cimento anunciaram a reativação – ou estudam a reabertura- de unidades e linhas de produção em outras regiões do país, como a fábrica da Cimentos Holcim em Sorocaba (SP) e o forno da unidade da Cauê Cimentos em Pedro Leopoldo (MG). Esse aumento na oferta, porém, não deverá eliminar as pressões sobre o preço do produto, que avançou 18% em 2007. "No geral, são fábricas antigas ou com localização menos favorável", afirma o secretário-executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (Snic), José Otávio Carvalho. "Os custos de produção e de logística devem ser maiores."
O operador de máquinas Joseliu de Melo, que trabalhou na fábrica de Cocalzinho até fechar, em 1997, já entregou uma cópia de seu currículo na empresa. Enquanto sonha com a possível recontratação, trabalha num pequeno restaurante que teve um repentino aumento de demanda depois que começou a servir café da manhã, almoço e jantar para 150 operários que recuperam as instalações da antiga fábrica. "O dinheiro vai circular de novo na cidade", afirma Melo.
A prefeitura, que vive com cerca de R$ 1 milhão mensais do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), espera aumento de 15% na receita com a cobrança de ICMS sobre o cimento. "É claro que a volta da fábrica se deve ao bom momento da economia, que puxou o consumo de cimento", afirma o prefeito de Cocalzinho, Salomão Costa Araújo (PTB). "Mas fizemos um esforço político tremendo para reabri-la", explica, de olho no impulso que a fábrica poderá dar aos seus planos de reeleição neste ano.
Ao todo, serão cerca de 180 empregados diretos, boa parte antigos quadros da fábrica que foram deslocados para outras unidades da Votorantim. Os repatriados inflacionaram o mercado imobiliário local. Uma boa casa de três quartos, que antes tinha aluguel médio de R$ 200 por mês, agora não sai por menos de R$ 500. "Tenho dois filhos que disputam uma vaga na fábrica e, se um deles for empregado, será muito bom", afirma Antônio Ibrahim de Oliveira, um carregador de sacos de cimento que pediu aposentadoria proporcional quando a fábrica fechou. "Se os dois arrumarem emprego, vou agradecer aos céus."
Cocalzinho deve ao cimento a sua própria fundação. Para atender à forte demanda criada pela construção de Brasília, a fábrica foi instalada em 1961 na zona rural de Corumbá, cidade goiana do ciclo do ouro. Em volta, desenvolveu-se um distrito que mais tarde, em 1990, seria emancipado, transformando-se em município hoje com 15 mil habitantes. Nos tempos áureos, a fábrica teve cerca de 600 funcionários e utilizava plenamente a capacidade para produzir 300 mil toneladas de cimento por ano.
Fechou porque em 1996 a Votorantim inaugurou uma linha de produção nova em sua fábrica de Sobradinho, cidade satélite de Brasília, com capacidade para produzir 1 milhão de toneladas de cimento por ano. E o consumo do produto na região Centro-Oeste despencou, contrariando as previsões feitas pela empresa.
Na hora de decidir que unidade fechar, a Votorantim usou a racionalidade econômica: desativou a unidade menos competitiva. Sobradinho tinha duas vantagens em relação a Cocalzinho. Uma era a escala maior, em um setor intensivo de capital e com altos custos fixos. Outra era o fato de a mina de calcário, principal matéria-prima na fabricação do cimento, estar localizada virtualmente dentro da fábrica de Sobradinho, enquanto que em Cocalzinho fica a uma distância de 15 quilômetros da fábrica.
A reativação da fábrica de Cocalzinho significa, portanto, trabalhar com uma escala menor e um pouco menos de competitividade, apesar dos US$ 50 milhões investidos na recuperação das instalações e na melhora de produtividade. "O custo é um pouco maior", afirma o gerente das fábricas de Sobradinho e Cocalzinho, Rômulo Miranda "Mas é uma oportunidade para ampliar rapidamente a oferta."
O mercado de cimentos desenha o que os economistas chamam de uma típica curva de oferta. No curto prazo, a oferta só pode ser aumentada com preços cada vez mais elevados. Medidas emergenciais, como novos turnos de trabalho ou a reativação de linhas de produção antigas, levam à queda da produtividade, aumentando custos e pressionando os preços. Só é possível expandir a oferta sem pressão sobre os preços no longo prazo, com novas plantas industriais.
O BC alertou, em seu relatório de inflação de dezembro, para o risco de superaquecimento do setor de construção civil. A inflação setorial, medida pelo Índice Nacional da Construção Civil – Disponibilidade Interna (INCC-DI), fechou em 6,15% em 2007, acelerando-se bastante nos últimos meses do ano. "Esses desenvolvimentos têm suscitado preocupação quanto ao surgimento de possíveis restrições de oferta nesse setor, que, dada a sua estrutura de produção, dificilmente seriam aliviadas por meio de importação de insumos", afirma o documento do Banco Central.
A preocupação da autoridade monetária é com a construção civil como um todo, mas, entre os itens que compõem a cesta de custos da construção civil, o cimento é o que ilustra melhor os desafios para, no curto prazo, ampliar a oferta da economia.
Importações são uma saída praticamente fora de cogitação para atender à demanda crescente por cimento. O Brasil importou um pouco menos de 30 mil toneladas em 2007, para um consumo 1.500 vezes maior, estimado em 45 milhões de toneladas. O cimento é barato relativamente ao seu peso, o que torna economicamente inviável o transporte em longas distâncias, e o produto perde suas propriedades três meses depois de sua fabricação.
Intensivo em capitais, com altos custos fixos e ganhos expressivos de escala, o setor de cimentos tem uma vocação para o monopólio natural em todo o mundo – não estranha, portanto, o fato de que no Brasil seja um setor oligopolizado. Oito empresas dominam perto de 90% da produção no país. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça abriu investigação para verificar se elas dividiram o mercado por regiões e se aumentaram o preço dos produtos às concreteiras com o objetivo de quebrá-las.
Apesar das suspeitas de práticas anticompetitivas, nos últimos cinco anos as cimenteiras assistiram a uma dramática queda de demanda e travaram uma guerra de mercado que levou à redução de preços. O saco de cimento de 50 quilos, que em dezembro custava em média R$ 14,00 em São Paulo, tem preço mais baixo do que os R$ 18,00 vigentes em 2003.
O consumo de cimento, que atingiu um pico de 40,2 milhões de toneladas em 1999, despencou nos anos seguintes, chegando ao fundo do poço em 2003, com 34,9 milhões de toneladas.
A queda no consumo coincidiu com a maturação de investimentos do setor cimenteiro. Em abril de 2003 a Cauê Cimentos, do grupo Camargo Corrêa, concluiu a construção de uma fábrica em Ijaci (MG), estrategicamente instalada entre os mercados de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Especialistas na área dizem que as instalações, que custaram R$ 400 milhões, são as mais modernas e produtivas do país, com capacidade para processar 2 milhões de toneladas por ano. "Quando decidimos investir, tínhamos uma previsão de crescimento da demanda, que não se confirmou", afirma o diretor-superintendente da Cauê, Ricardo Lima. A solução foi fechar uma linha de produção na fábrica de Apiaí (SP) e desativar um forno de Pedro Leopoldo (MG), transferindo a produção para a fábrica ultra-moderna.
A frustração da demanda também levou a Cimentos Holcim a fechar sua fábrica de Sorocaba (SP), a mais antiga de suas unidades. "Quando a demanda cai, o investidor toma uma decisão lógica: fecha a fábrica com maior custo", explica Carlos Eduardo Garrocho de Almeida, diretor comercial da Holcim. "Não foi só o custo de produção que pesou, mas também o custo total de fazer chegar o cimento ao mercado." A fábrica de Sorocaba, que fica muito perto do maior mercado do país – São Paulo -, apenas processava matéria-prima transportada de outra unidade. As jazidas de calcário de São Paulo são escassas e, em geral, de menor qualidade, por isso a Holcim trazia os insumos de Pedro Leopoldo (MG). "Havia o custo fixo de operar a fábrica de Sorocaba e o custo do transporte de matéria-prima, por isso decidimos fechar as operações na época."
Nos últimos quatro anos, graças ao crédito imobiliário e retomada de projetos de infra-estrutura, a demanda começou a se recuperar. Em 2006, o consumo chegou a 40,6 milhões de toneladas, voltando ao nível observado em 1999, quando começou a crise no setor de cimento. Os dados de 2007 ainda não foram fechados, mas as estimativas são de que o consumo tenha chegado a 45 milhões de toneladas, um aumento de 9,5%, quase o dobro dos 5% esperados para o ano.
Com o quadro mais favorável, a Holcim Cimentos já anunciou a reabertura da fábrica de Sorocaba, mas conta com um custo de produção mais alto. "Nas fábricas já existentes, não sobra muito espaço para aumentar a produtividade", afirma Almeida. Foram destinados R$ 434 milhões para recuperar as unidades paradas e aperfeiçoar os processos.
A Cauê estuda reativar a linha de produção de Apiaí e o forno de Pedro Leopoldo. "É claro que o custo dos combustíveis e energia elétrica nas unidades antigas não é o mesmo das novas", diz Lima. "Só que a escala é fundamental e tende a mais do que compensar esse aumento de custos." Segundo ele, no setor de cimentos, o que conta principalmente são os custos fixos, que são diluídos pelos ganhos de escala.
Lima pondera ainda que, por meio de pequenos acréscimos de investimentos, é possível ter ganhos expressivos de produtividade. "A tecnologia no setor de cimentos não anda tão rápido como no setor de informática." Especialistas na área dizem que, nos últimos 30 anos, não houve alterações significativas no processo de produção.
O trabalho consiste basicamente em retirar calcário e outros minerais da terra, que são levados a um forno aquecido a 1.450° C, de onde saem umas pedrinhas conhecidas como clínquer. Moendo as pedras, obtém-se o cimento. Os ganhos de produtividade são obtidos por medidas que reduzem o consumo do combustível usado para aquecer o forno (o preço do coque aumentou 357% de janeiro de 2002 a dezembro de 2007) e de energia elétrica usada no forno e no moinho (o preço no mercado livre quintuplicou desde 2004, usando como parâmetro uma média móvel de 12 meses).
Se os ganhos de escala compensam a ineficiência das fábricas antigas, por que o preço do cimento subiu 18% em 2007? "O que dita os preços no mercado é a lei da oferta e da procura", afirma Lima, da Cauê. "No tempo que tínhamos ociosidade, os preços despencaram."
Praticamente todas as empresas já anunciaram a construção de novas unidades. Uma fábrica leva, no mínimo, três anos para ser colocada em funcionamento. O forte aquecimento da economia tem esticado os prazos e os custos de investimento. "Três anos atrás, uma fábrica nova saia por US$ 200,00 por tonelada de produção por ano", afirma Almeida, da Holcim. "Hoje custa US$ 300,00". Miranda, da Votorantim, diz que, nesse mercado aquecido, o fornecimento de equipamentos pesados e elétricos demora cerca de 25% mais.